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BC repõe país no topo… dos juros. Alguém comemora?

Ao não reduzir Selic, turma de Henrique Meirelles faz Brasil voltar a ter a maior taxa real do mundo. Alguém comemora?

Citando dados da consultoria Up Tradind, o economista Marcos Coimbra, do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres), afirmou que, com a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa básica de juros (Selic) em 8,75% ao ano, o Brasil voltou a liderar o ranking dos maiores juros reais no mundo.

"Nossa taxa real está próxima de 4%, seguida da Indonésia (3,6%) e da China, que caiu para 3,3%, por causa do aumento da inflação", contabiliza. Coimbra concorda apenas parcialmente com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para quem o déficit crescente nas contas externas vai aumentar a demanda por dólares, o que amenizaria a sobrevalorização do real.

Passivo externo

A moeda brasileira desvalorizou-se pela sétima vez seguida na quarta-feira frente ao dólar, que fechou cotado a R$ 1,836 para venda. "A previsão do déficit já superou os US$ 57 bilhões e, realmente, deve pressionar o dólar para cima. Por outro lado, voltamos a ser a maior taxa real de juros do mundo. É um mosaico no qual várias variáveis atuam e o resultado é incerto", diz, lembrando existirem US$ 722 bilhões em capitais especulativos buscando remuneração em países “emergentes”.

Coimbra lembra também do passivo externo do Brasil, que se aproxima de US$ 1 trilhão, para relativizar o poder das reservas cambiais acumuladas pelo Banco Central (BC) a alto custo. "Teoricamente, o que Mantega falou tem lógica, mas as demais variáveis estão em frequente movimento. Isso provoca um desequilíbrio. Ainda é muito cedo para fazer qualquer afirmativa nesse sentido. A conjuntura não é tão rósea", frisa, lembrando que o desemprego na América Latina fechou 2009 na faixa de 8% e, nos países desenvolvidos, acima de 10%.

Crescimento sustentável

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avaliou como "positiva" a decisão do Copom de manter a taxa de juros em 8,75% ao ano. Segundo nota divulgada na quarta-feira, a manutenção da taxa Selic "vai garantir a retomada dos investimentos". "O cenário de juros estáveis é importante para voltarmos ao nível de investimento anterior à crise", disse o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, para quem a expansão da produção, das empresas e da infra-estrutura "é indispensável para o crescimento sustentável do país".

Ele acrescentou que o indicador de capacidade instalada está longe do patamar pré-crise e afirmou que o processo de deflação dos produtos industriais é suficiente para cobrir eventuais pressões oriundas de outros setores. Para Armando Monteiro Neto, existe espaço para estimular a produção.

Produção indutrial

Apenas três dos 14 Estados que integram a pesquisa do IBGE sobre a produção industrial já retornaram à produção ao patamar pré-crise, de setembro de 2008: Pernambuco, Goiás e Ceará. Os três têm segmentos mais voltados para o mercado interno. No outro extremo, Minas Gerais, que tem a atividade mais voltada para o mercado externo, mostra a maior perda na produção (10,7%) em relação ao último mês de bom desempenho da indústria antes das turbulências.

O economista André Macedo, do IBGE, observou que as regiões cuja indústria está concentrada em segmentos voltados para o mercado interno lideram a recuperação do setor. Macedo diz que a evolução da massa de salários permitiu a continuidade do aquecimento do mercado doméstico, apesar dos efeitos da crise sobre a economia. E essas regiões se beneficiaram desse cenário. "Isso é mais evidente no Nordeste, onde há presença forte de segmentos de semi e não-duráveis, como alimentos e vestuário", disse. 

Na indústria cearense, os últimos números divulgados pelo IBGE, relativos a novembro passado, mostram que a produção na região vem sendo impulsionada por calçados e artigos de couro (mais 41,3% ante o mesmo mês de 2008) e têxteis (16,4%).

Em Pernambuco, o destaque, nessa base de comparação, ficou com alimentos e bebidas (6,3%). Em novembro de 2009, ante setembro de 2008 — mês que marcou o patamar recorde de produção da indústria, antes do estouro da crise — a indústria do Ceará cresceu 0,3%, ante queda de 5,9% na produção total do país no período. Em Pernambuco, houve alta de 0,6%. Mas o principal destaque regional é Goiás, cuja produção aumentou 8,9% em novembro ante setembro.

Decisão tímida

O chefe da Divisão de Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Guilherme Mercês, disse que, mesmo com a manutenção dos juros, o país ainda precisa de medidas complementares que levem ao aumento da competitividade das empresas. Segundo Mercês, essas medidas teriam que priorizar o aperfeiçoamento do sistema tributário e do comércio exterior.

A Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomercio-RJ) considerou a decisão do Copom tímida, sobretudo se for levado em conta o cenário confortável para a inflação neste ano e a retomada da economia abaixo das expectativas. Orlando Diniz, presidente da Fecomercio-RJ, lembrou que o comportamento do emprego em dezembro, segundo os números do Ministério do Trabalho, surpreendeu de forma negativa e que a manutenção dos juros neste patamar pode retrair o consumo das famílias.

"Nessas circunstâncias, manter o custo do crédito elevado irá de encontro ao consumo das famílias, principal agente amortecedor dos efeitos da crise", observou Diniz, ressaltando que os juros altos ainda limitam os investimentos das empresas e pesam sobre a questão fiscal, já agravada pela recente expansão dos gastos correntes.

Dois fatores

A Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP) foi na mesma linha ao avaliar como conservadora a posição do BC, uma vez que a economia nacional mostra sinais claros de recuperação, mas ao mesmo tempo não há nenhum indício de excesso de demanda ou estrangulamento na capacidade de oferta. "Acreditamos que o país precisa manter o compromisso com o desenvolvimento, emprego e geração de renda, com a redução dos gastos públicos e com taxas mais ousadas dos juros, tanto para a Selic quanto para o consumidor final", destacou Abram Szajman, presidente da Fecomercio-SP.

O Sindicato das Financeiras do Estado do Rio de Janeiro (Secif-RJ), por sua vez, disse que seria demais esperar uma queda da Selic. "Não creio que, em momento algum, pelo menos em 2010, haverá qualquer gargalo que obrigue o BC a aumentar juros", enfatiza José Arthur Assunção, presidente do Secif.

Segundo ele, dois fatores justificam, no mínimo, a estabilidade da taxa básica em 8,75%. "Temos uma expectativa de inflação dentro da meta para esse ano, devido principalmente aos preços administrados, que terão deflação. Além disso, os principais bancos centrais do mundo continuam trabalhando com taxas artificialmente muito baixas, o que não nos deixa margem para elevar juros aqui no Brasil", explica.

Mercado interno

Do lado dos trabalhadores, a decisão do Copom não foi bem aceita. O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) criticou a manutenção da Selic. Para ele, a decisão demonstra "miopia econômica" do colegiado de diretores do BC. “Enquanto todos os indicadores sinalizam para o crescimento econômico, inflação sob controle e queda no índice de desemprego, o Copom insiste em impor um forte obstáculo ao desenvolvimento.”

Paulinho disse ainda que a manutenção dos juros é “nefasta para o setor produtivo e totalmente insensível para com os consumidores do mercado interno". Para a Força Sindical, a manutenção dos juros em 8,75% evidencia a "miopia" da equipe monetária e coloca em risco o desenvolvimento do país.

Aperto fiscal

A decisão do Copom ocorre em um momento em que o desvio de recursos da economia para a gastança com juros (superávit primário) consumiu R$ 39,2 bilhões em 2009. Apesar de equivaler praticamente ao orçamento anual da Educação, o valor é 45% menor que os R$ 71,4 bilhões esterilizados em 2008 e o menor arrocho fiscal desde 2002, último ano do período Fernando Henrique Cardoso.

Os números foram divulgados pelo Tesouro Nacional. Pela primeira vez, o governo usou o mecanismo do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) para atingir a meta de aperto fiscal.
O resultado leva em conta as receitas e despesas do governo central — Tesouro Nacional, Previdência Social e BC. Se forem levados em conta os critérios do BC, que usa outra metodologia para calcular o esforço fiscal, o superávit primário somou R$ 42,3 bilhões ano passado, pouco abaixo da meta de R$ 42,7 bilhões.

Recessão

Os R$ 400 milhões de diferença foram abatidos da meta usando a margem de R$ 17,9 bilhões de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em setembro, o Congresso Nacional aprovou medida provisória que ampliou o abatimento de recursos gastos em obras de infra-estrutura e saneamento, flexibilizando o torniquete que travava a economia em plena recessão.

Para tirar o país da recessão, o governo, para ativar a economia elevando as despesas públicas, reduziu o superávit primário ano passado. A receita líquida cresceu 4,8% em 2009, contra aumento de 15% nas despesas. O crescimento das despesas foi puxado, principalmente, pelos investimentos, que somaram R$ 34,137 bilhões no ano passado, valor 20,8% maior que o de 2008. Os gastos com custeio (manutenção da máquina pública) subiram 14,2% e as despesas com o pagamento do funcionalismo público aumentaram 15,9%.

Com informações da Agência Brasil e do Monitor Mercantil