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Davos pinta cenário sombrio; bancos e governos se enfrentam

Os rombos nas contas dos governos, agravados pelo esforço para arrancar as economias da recessão, representam problemas graves para os países desenvolvidos e trazem incertezas para o processo de recuperação externa, para os participantes do Fórum Econômico Mundial, reunidos em Davos (Suíça).

O ex-ministro do Japão e atual diretor do Instituto de Pesquisas em Segurança Global, Heizo Takenaka, afirma que a retomada atual não é sustentável e prevê novo mergulho, em "W", em razão dos déficits elevados. "Nunca vimos uma expansão fiscal nesta escala na história." Os déficits fiscais são uma das maiores preocupações para setores cuja preocupação é garantir ganhos financeiros para os grandes grupos econômicos.

O embate entre o mercado financeiro e os governos em torno da regulação do sistema financeiro ficou claro no Fórum. Enquanto diversos participantes aproveitaram o evento para criticar a recente proposta que taxa e limita a atuação dos bancos nos Estados Unidos, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, fez um forte discurso contra os abusos cometidos pelas instituições financeiras, a especulação e a elevada remuneração dos executivos.

Papel dos bancos

"O papel dos bancos não é especular, é analisar os riscos e dar crédito", afirmou Sarkozy, apoiando a reforma do presidente dos EUA, Barack Obama. "Se o capitalismo financeiro deu tão errado é porque os bancos não estavam fazendo o seu trabalho". A reforma de Obama foi um dos temas mais comentados no primeiro dia do Fórum. A avaliação de boa parte dos participantes é de que o plano está baseado no "populismo" e não impede que novos problemas financeiros voltem a ocorrer.

O ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor da Universidade de Chicago, Raghuram Rajan, acredita que, ao reduzir o tamanho dos bancos, o governo norte-americano não exclui a possibilidade de existirem uma série de instituições menores que precisem todas de um resgate eventualmente. Ele vê o risco de um "efeito ioiô", com uma reação forte em busca de muita regulamentação e depois um recuo no futuro. "Não estou seguro de que focar no tamanho dos bancos irá resolver".

Crise nos Estados Unidos

Não é o que pensa o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner. Segundo ele, as decisões "polêmicas, terrivelmente difíceis" tomadas pelos formuladores da política norte-americana no auge da crise financeira destacam a necessidade de uma reforma da regulamentação da indústria de serviços financeiros.

Geithner, que fez os comentários em uma audiência do Comitê de Supervisão e Reforma da Câmara dos Representantes, disse que as medidas tomadas foram necessárias para evitar um "total colapso" da economia do país. "Milhares de fábricas teriam fechado suas portas, outros milhões de americanos teriam perdido seus empregos", disse Geithner sobre os possíveis efeitos econômicos caso o governo tivesse permitido o colapso do American International Group (AIG) em novembro de 2008.

"Se os legisladores estão aborrecidos com as decisões que foram tomadas", disse Geithner, "eles deveriam se apressar para aprovar as propostas de reforma regulatória do setor financeiro feitas pela administração do presidente Barack Obama". O problema, pouco considerado nesses debates, é a gravidade da crise no coração do sistema, as economias norte-americana e européias.

O Federal Reserve fez uma avaliação um pouco mais otimista da perspectiva econômica dos Estados Unidos, mas deixou a taxa de juro perto de zero para apoiar a recuperação. O comitê de política monetária do Fed (Fomc) manteve o plano de encerrar suas compras de hipotecas no fim de março e deixar a maior parte de seus programas de empréstimos de emergência expirar na data prevista, 1º de fevereiro.

Apesar do cenário melhor, o Fed reiterou que as taxas dos Federal Funds continuarão no recorde de baixa por "um período prolongado" em face do desemprego ainda alto e da inflação baixa.

Sobrou para o Brasil

Em Davos, especialistas traçam um cenário pouco promissor para a economia como um todo. Sobrou até para o Brasil. O economista Nouriel Roubini disse que o próximo presidente terá que fazer as “reformas estruturais” que Lula não fez se quiser levar o país mais longe. “O tamanho do governo e da burocracia é muito grande. Há excessiva distorção em taxação e vocês precisam de investimentos em infraestrutura numa combinação de investimentos privados e públicos”, disse Roubini.

Para o economista, o Brasil precisa investir na qualificação de mão de obra e dar mais flexibilidade à economia. “Dou crédito a Lula por ter conseguido macroestabilidade. Estou otimista em relação ao Brasil. Mas se quiser aumentar o potencial de crescimento, será preciso reformar a microeconomia. Vamos ver quem será o próximo presidente e se ele ou ela vai estar comprometido em acelerar reformas”, disse.

No Brasil, o presidente Lula disse que pode "falar grosso" para o mundo. Ele comparou o país do passado a um "cachorro magro com o rabo entre as pernas", que se curvava ao Fundo Monetário Internacional, mas hoje é credor da instituição. “O FMI chegava ao Brasil humilhando o governo brasileiro, dando palpite. Agora quem fala grosso sou eu. Se antes era o Brasil que devia ao FMI e ficava como cachorro magro com rabo entre as pernas, agora quem me deve é o FMI”, disse.

“Quando cheguei lá (em Davos), era só desconfiança: que o Brasil ia quebrar, que o Brasil não ia dar certo, que não íamos conseguir governar, que a inflação ia voltar, que íamos ser o fim do Brasil. Agora estou voltando para receber o título de presidente Global do Ano de 2009", disse, antes da crise de hipertensão que o fez  desistir da viagem, referindo-se ao prêmio "Estadista Global" que lhe será entregue pelo Fórum.

Pessimismo

Na Europa, o grave problema são os déficits fiscais, que se tornaram uma das maiores preocupações no cenário atual. Depois do default do governo de Dubai, a Grécia tem turbulência financeira e tenta amenizar o problema nas contas públicas. Agências de classificação de riscos já emitiram alertas para o Japão e o Reino Unido.

Roubini acredita que a União Europeia enfrenta déficits crescentes e a queda da competitividade provocada pela valorização do euro. Segundo ele, "o problema não é só a Grécia, é também a Espanha, Portugal e a Itália". E emendou: "Todos esses países apresentam não só um endividamento público crescente, como também um problema de competitividade."

Mas Roubini teve a amabilidade de separar as águas entre a gigante Espanha e as menos visíveis economias dos restantes países da bacia mediterrânica que o economista considera também comportarem risco de falência. "Se a Grécia cai é um problema para a Europa, mas se a Espanha cai é um desastre", afirmou. Não disse por quê, mas é sabido que a economia espanhola tem não apenas um grande peso na Europa, mas também que influencia decisiva e definitivamente tudo o que se passa no sub-continente da América do Sul. Ou seja: se a economia espanhola contrair a gripe A, é um continente e meio que fica sob ameaça de pandemia.

O pessimismo de Roubini sobre a conjuntura da economia europeia foi ainda mais longe, ao afirmar que "mesmo que [aqueles países] resolvam o problema da dívida, continuariam a ter o da produtividade" — uma frase que parece indicar algumas reservas do economista face ao esforço conjunto da União para encontrar uma solução para o problema da Grécia, que, entre outras consequência, pretende estancar o risco sistêmico que lhe está associado.

Com agências e jornais europeus