Susana Hidalgo: pouco a pouco, a imprensa vai abandonando o Haiti
Na base das Nações Unidas no Haiti não cabe nem um alfinete. Está lotada. Todo mundo que chega a Porto Príncipe com disposição de ajudar se instala com a tenda de campanha nestas instalações, formadas por pré-moldados e piso de cascalho. Há somente um chuveiro, o que provoca filas intermináveis. As mulheres haitianas que limpam os banheiros se oferecem também para lavar roupa por 50 dólares.
Por Susana Hidalgo, no Público
Tradução de Marco Aurélio Weissheimer (Carta Maior)
Publicado 28/01/2010 16:48
Quatro crianças adotadas por famílias espanholas estão prestes a deixar o Haiti. Nesta semana já chegaram ao aeroporto de Barajas três menores que foram adotados por famílias de Murcia antes que ocorresse o terremoto. O governo espanhol também se mobilizou para retirar Kelly do Haiti, uma criança com paralisia que precisa ser operada.
Pouco a pouco a imprensa vai abandonando Porto Príncipe. Ainda que um grande número de jornalistas permaneça no país, vários meios de comunicação já se retiraram. Os jornalistas estadunidenses ainda agüentam, em busca de imagens espetaculares. O edifício da rádio Caribe segue inteiro, mas as rachaduras fizeram com que a equipe de locutores fosse para a rua fazer seus programas. Misturam música com informação sobre os lugares de distribuição de comida. A rádio é, neste momento, a única maneira que os haitianos tem de se distraírem.
O presidente haitiano pediu um compromisso de ajuda de longo prazo na conferência realizada em Montreal. O Haiti necessita de, ao menos, dez anos de reconstrução. A comunidade internacional se comprometeu a promover uma reconstrução para fortalecer as instituições e a estabilidade do país caribenho. Várias ONGs participaram da reunião no Canadá para explicar suas necessidades aos principais doadores de ajuda humanitária. A Oxfam pediu de novo o cancelamento da dívida internacional do Haiti, que chega a 630 milhões de euros.
“Com todas as necessidades que temos daqui em diante, o tema de nossa dívida é mínimo. O que queremos é um compromisso de ajuda de longo prazo, ao menos de dez anos”, disse o primeiro ministro haitiano, Jean-Max Bellerive. Por sua parte, das delegações presentes à reunião se comprometeram a promover uma reconstrução do país que fortaleça suas instituições democráticas, fomente o desenvolvimento social e econômico sustentável e promova a estabilidade política no país.
Garantiram também que, ao perseguir esses três objetivos, respeitarão a soberania do país caribenho, coordenarão seus esforços, procurarão manter um compromisso de longo prazo, de ao menos dez anos, serão eficientes e não excludentes e atuarão com transparência. O documento sublinha o “papel coordenador chave” da ONU, ao mesmo tempo em que promete incluir nos esforços de reconstrução as organizações internacionais, nacionais e regionais, assim como as instituições financeiras. Participaram da conferência o ministro francês de Assuntos Exteriores, Bernard Kouchner, a espanhola Maria Teresa Fernández de la Vega, representante da EU, ministros dos países do Grupo de Amigos do Haiti (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Costa Rica, França, México, Peru, EUA e Uruguai), entre outros.
Durante a conferência, o ministro haitiano de Turismo, Patrick Delatour, anunciou que as autoridades do país pediram à comunidade internacional 3 bilhões de dólares para enfrentar as conseqüências do terremoto. O ministro explicou que o governo usaria 2 bilhões de dólares para construir moradias para as 200 mil pessoas que perderam suas casas.
O resto iria para a reconstrução de edifícios do governo e obras de infraestrutura, entre as quais se incluem o principal porto do país e três aeroportos internacionais. Uma nova conferência será realizada em março, na sede da ONU, quando deve ser colocada uma proposta concreta sobre a mesa. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que a ajuda deve seguir “a ordem correta” e que não convém “comprometer dinheiro sem saber o que vão fazer com ele”.
Antes de chegar a Montreal, Hillary Clinton justificou a posição dos EUA de controlar a distribuição da ajuda. “É que é mais fácil para os Estados Unidos chegarem antes, já que somos um país vizinho”. Ela disse ainda que Washington estuda a possibilidade de aceitar mais imigrantes procedentes do Haiti. O primeiro ministro haitiano rejeitou essa opção. “Não queremos provocar um êxodo”.
O governo haitiano anunciou que esta semana poderia começar a transportar cerca de 400 mil sobreviventes – que estão hoje em mais de 400 acampamentos improvisados na capital – para refúgios temporários, que inicialmente também seriam acampamentos, fora de Porto Príncipe. O ministro da Saúde, Alex Larsen, disse que um milhão de pessoas que viviam na zona de Porto Príncipe, tiveram que sair de suas antigas áreas de moradia.
Outro tema chave da conferência de Montreal foi o perigo que correm as crianças haitianas de cair nas mãos das redes de traficantes e de adoções ilegais. Os traficantes podem tentar se aproveitar da situação de caos e instabilidade social para levar crianças para fora do Haiti, por ar ou pela fronteira terrestre com a República Dominicana, segundo denunciaram o governo haitiano e organizações de ajuda humanitária.
As autoridades também temem que algumas ONGs tenham retirado menores do país para entregá-los a famílias de adoção antes que tenham se esgotado os esforços para encontrar seus pais. Por esse motivo, o governo haitiano interrompeu na semana passada este tipo de adoções. Segundo Kent Page, porta-voz da Unicef, cerca de 700 crianças perderam o contato com seus pais durante o terremoto.