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Mino Carta entrevista Heinz Beck: Um pensador na cozinha

O chef bávaro Heinz Beck prevê o fim da culinária dita molecular e o êxito de uma nova experiência, destinada a valorizar a matéria-prima e preservar a saúde do freguês.

por Mino Carta
para a Carta Capital

De quando em quando colhem-se na Terra provas da existência de Deus. Eis aí, acaba de fechar o restaurante El Bulli de Ferran Adrià, o inventor da chamada cozinha molecular, que inúmeros prosélitos fez pelo mundo para alegria de quem não aprecia os sabores autênticos da comida genuína.

Nesta entrevista, Heinz Beck, o chef bávaro do restaurante La Pergola do hotel Cavalieri Hilton de Roma, vaticinava, logo após o Natal do ano passado, o fim de uma experiência química que, por exemplo, se esmera em transformar camarões em espuminha tão insondável quanto névoas escocesas nas madrugadas invernais.

Diga-se que revistas destinadas a promover modismos gastronômicos cuidaram, de uns tempos para cá, de classificar El Bulli como o melhor restaurante do mundo, com lugar garantido na segunda posição a uma casa londrina inspirada nas alquimias de Adrià. Beck, 46 anos, há 15 no comando do La Pergola, contenta-se em receber 19 pontos em 20 do Guia da revista L’Espresso, três estrelas do Michelin, 93 pontos em cem do Gambero Rosso.

No currículo do chef bávaro há uma série de livros destinados a contar seu restaurante e sua gastronomia, obviamente impecáveis do ponto de vista estético e carregados de preciosas receitas. Sua obra-prima não figura neste rol. Saiu no ano passado, publicada pela Mondadori em sua mais importante coleção non-fiction, a mesma em que teve espaço Gomorra, de Roberto Saviano.

O livro chama-se L’ingrediente segreto, o ingrediente secreto, tem mais de 200 páginas e é o autorretrato de um mestre da melhor cozinha capaz de tratá-la com força poética. E de escrever a bico de pena.

Emerge da obra uma pessoa de notável cultura, habilitada a citar de Homero a Eugenio Montale, de Petrônio e Sêneca a Tolstoi. Um autêntico pensador da gastronomia, no alvo da alimentação saudável e dotado de profundo senso da responsabilidade e da hospitalidade. Desta entrevista, e de muitos contatos que, felizmente, já tive com Heinz Beck, emerge um homem em paz com a vida e com o seu trabalho.

Muito bem casado com a italiana Teresa, feliz de viver em Roma, sua cidade preferida. “Sou loucamente apaixonado por arte – diz –, e Roma é um museu a céu aberto.” Feliz dos “seus rapazes”, executores fiéis de serviços impecáveis, na cozinha e na sala, onde atuam sob o comando dos maîtres Simone Pinoli e Umberto Giraudo, e de onde pode-se contemplar um panorama deslumbrante da capital-museu do alto do último andar do Cavalieri Hilton.

No centro, a cúpula de São Pedro. Aliás, Ratzinger, quando cardeal, esteve no La Pergola mais de uma vez, e aqui não escapo à anotação de que o papa e o chef se assemelham extraordinariamente na pronúncia da língua italiana.

CartaCapital: Por que Roma? Por que a Itália?
Heinz Beck: Queria fazer uma experiência num país mediterrâneo, trabalhei antes na Espanha durante sete meses, mas pretendia conhecer outra cultura. Claro que a ideia inicial não era aquela de permanecer aqui por 15 anos, como se deu. -Quase cheguei a abrir um restaurante na Espanha, acabou por não dar certo e aí surgiu a oportunidade de vir para Roma. O hotel Cavalieri Hilton entrou em contato comigo e teria também a possibilidade de montar um restaurante em Munique. Então pensei: Munique conheço bem, e Roma não.

CC: O senhor nasceu em Munique?
HB: Nasci perto; trabalhei vários anos na capital da Baviera. Vim para a Itália e passei a amar esse país, além do mais a cozinha italiana é uma cozinha fantástica. A cozinha que, a meu ver, é a mais moderna do mundo, porque fornece respostas às problemáticas maiores em relação à alimentação: comida sadia, salutar, leve, elegante. Por isso acabei ficando. Dei um grande passo ao encontrar uma nova cultura, muito diferente daquela que conhecia. A minha cultura culinária era nórdica, mais pesada e mais elaborada. Tive de colocar em dúvida tudo o que tinha feito antes. Nasceu algo novo e este é o verdadeiro desafio, quando num momento da sua vida você tem de fazer uma escolha grande, importante. É algo muito salutar pôr em dúvida tudo de vez em quando. Hoje, por exemplo, falei com meus rapazes, fizemos um pequeno meeting, Umberto, Simone, Maurizio, Emiliano e eu, e falamos do ano que passou e também do novo, e depois disse que estou repensando novamente um pouco em tudo, o tempo é propício para darmos outro passo. O cliente, está claro, não deve perceber o alcance das mudanças e a maneira de processá-las, caso contrário, você o estressa, cansa e o relaciona com algo que ele não conhece. Cabe a nós relaxá-lo, isto sim. O segredo é fazer com que se sinta bem.

CC: Como nasceu a sua vocação?
HB: Eu não queria ser chef, eu me tornei chef porque briguei com meu pai, não permitiu que entrasse na faculdade de Belas Artes para me tornar pintor. Então eu disse: “Não estudo mais”. Diga-se que, nos anos 70, qualquer pai cairia das nuvens se o filho dissesse “quero ser pintor…” Minha família é de joalheiros, classe média, e meu pai respondeu-me, obviamente, que pintor não tem futuro. Eu tinha um irmão gêmeo que queria se tornar chef, e assim falei: “Tudo bem, me torno chef também”. Não, disse meu pai, dois chefs, em uma família só não é possível. Também neste caso vale uma observação. Chef há 40 anos era sujo, gordo, ignorante, conforme os preconceitos que todos então praticavam, principalmente na média/alta burguesia. Ainda assim, fui muito insistente e ele falou: “Faremos assim, lançarei uma moeda no ar, a fim de que apenas um possa se tornar chef, e o outro fará algo diferente”. Lançou a moeda e eu me tornei cozinheiro.

CC: E o gêmeo?
HB: Estudou administração hoteleira em Lausanne. Fez a universidade e eu me tornei cozinheiro. E me dediquei muitíssimo ao trabalho, porque sou uma pessoa séria, e procurei aprender o máximo possível. Apaixonei-me pelo mister e agora minha vocação é plenamente realizada.

CC: Frase de Proust: um grande cozinheiro é como um grande pintor, ambos sabem enquadrar a natureza.
HB: Respondo com duas frases minhas: um pintor é grande quando consegue dominar a luz, um chef é grande quando consegue dominar o sabor. Digo ainda que as coisas mais apreciadas são as simples, desenvolver, porém, uma ideia simples é a coisa mais difícil.

CC: Que acha a respeito da cozinha molecular?
HB: Essa é uma pergunta que tomo em sentido amplo. Já houve tempos de grande -fome, tempos de guerra, inclusive. As coisas melhoraram em seguida, logo depois chegou Bocuse e começou a sua revolução, que era a revolução da nouvelle cuisine, muito boa, muito apreciada. Com o tempo, esta cozinha atingiu o extremo, com duas cenouras no prato e 20 gramas de carne. Era uma cozinha de pensamento muito nobre, de qualidade, que acabou banalizada pelos extremistas, e por isso perdeu seu valor. A cozinha, quando chega ao extremo, será fatalmente substituída por algo novo. Surgiu a moda do molecular. Ideia em princípio importante e válida porque depois de bastante tempo chegou um tipo de cozinha que faz refletir. A reflexão é muito importante para os profissionais, às vezes é muito bom acordá-los e obrigá-los a pensar, caso contrário começa o achatamento. A molecular teve os seus méritos. Agora chegou ao extremo e desaparecerá. Na minha opinião vem aí um novo tipo de cozinha muito diferente. Partirá de todas as tradições e inovações para escolher o que há de melhor, como, por exemplo, tempos justos de cozimento, e caminhará na direção de uma nova ciência, aquela da saúde. Não pode ser de outra forma. Os nossos comensais são cada vez mais informados e mais conscientes, exigem um cardápio e alimentos que preservam o organismo.

CC: A cozinha molecular se parece mais com uma experiência química.
HB: Relativamente, porque químico não é mais o químico do que encontramos na grande indústria. Os chefs não têm a capacidade para desenvolver aditivos químicos e encontram na indústria, semiprocessados, alguns integradores, alguns densificadores.

CC: Não há risco do ponto de vista da saúde?
HB: O risco é relativo. Por exemplo, a “santana”, produto já eliminado porque perigoso, era utilizada já nos anos 50. Difícil é acreditar que faz mal ao nosso organismo. Depois de 50 anos? Falamos de adensadores e dos aditivos. E a poluição atmosférica? Não falamos desta porque não podemos eliminá-la. Não falamos dos pesticidas. A maçã e a uva são os frutos mais poluídos, com 15 pesticidas ativos em seu interior. Eu não quero conservar a cozinha molecular, aliás, não a pratico, eu uso algumas técnicas comuns, só isso. Digo, porém, que o desenvolvimento deve ser feito para o bem de nosso hóspede. Se o senhor prova o nosso menu de degustação, come seis ou sete pratos, e na manhã seguinte não precisa tomar dois litros de água, isto ocorre porque nós cuidamos da qualidade dos produtos, da salubridade dos diversos cozimentos, e a frequência do cardápio obedece a um percurso muito sadio. No ano passado, fiz uma pesquisa médica sobre a oscilação glicêmica pós-almoço, para compreender ainda melhor aquilo que posso e aquilo que não posso fazer. Meses atrás, fui convidado para abrir o congresso internacional de cardiologia aqui em Roma. O tema era “Hipertensão arterial causada pela alimentação”. Também participei de um congresso sobre diabetes no Dia Mundial da Diabetes. Há tempo sou considerado o chef mais avançado na relação alimento-saúde. Na Alemanha, em 2002, em uma transmissão ao vivo, demonstrei, preparando o mesmo prato de três formas diferentes, que o cozinhar sadio não determina o sabor, embora exista o preconceito de que saúde é igual à comida sem gosto. Nós devemos também pensar que viemos de uma tradição sem -geladeiras. Manter os alimentos frescos era muito difícil e por isso sobraram hábitos de muitas preparações hoje inúteis. Hoje, por exemplo, não temos necessidade de combater com especiarias o gosto forte de matérias-primas não mais perfeitas. Outro problema importante é representado pelas manipulações das matérias-primas. Por exemplo, as sementes das abobrinhas são manipuladas para conseguir legumes maiores, com menos sementes e protegidas contra o ataque de parasitas.

CC: Esse tipo de manipulação torna a abobrinha menos boa e menos recomendável do ponto de vista da saúde?
HB: Não, a abobrinha não é menos boa, mas o problema é outro. No decorrer dos séculos, a evolução mudou as matérias-primas continuamente: o tomate, por exemplo, antes era amarelo, hoje é vermelho. A mutação do nosso organismo necessita, porém, de cinco gerações para adaptar-se, adapta-se com o tempo, e não tem problema se há três ou quatro mutações nos alimentos porque sempre houve produtos que chegaram de outros continentes e foram integrados na nossa dieta. O problema hoje reside na enorme quantidade de mutações, o nosso organismo já não aguenta e é por isso que nos últimos anos aumentou o número de doenças ligadas às intolerâncias. Devemos distinguir alergias das intolerâncias. Uma intolerância não me faz bem, porém não coloca em grave risco minha saúde, ao contrário da alergia. Se, por exemplo, eu como alho, tenho uma intolerância, porque me traz alguns distúrbios. Se como ostra, fico ruim por três dias. No entanto, nem todas as variedades de alho me fazem mal, há algumas que não me ofendem. Exemplo, se vou visitar minha sogra na Sicília, ela usa um tipo de alho que não me causa problema algum.

CC: As lições maternas são importantes para o futuro cozinheiro?
HB: Sim, muito importantes. Ela é quem transmite a cultura. Importante é conhecer um povo, uma tradição, porque você passa a ver a direção a seguir. Se o chef quer o sucesso, deve cozinhar para o cliente e não para si mesmo.

CC: Qual é a diferença da cozinha da mamma, que faz uma cozinha de receitas tradicionais, e aquela de um chef que cria?
HB: A diferença está na sensibilidade em encontrar as temperaturas justas, o justo equilíbrio. Porque nas tradições o coração cobre alguns defeitos de execução. A cozinha da mamma desenvolveu-se no decorrer- dos séculos, aquilo que faz o chef é dar as mesmas emoções, transformando tudo de forma mais perfeita. É uma arte do equilíbrio, da harmonia, como a palheta de um pintor. Como o pintor que coloca a luz no interior de seus quadros, ou como mistura as várias cores e como as combina. Piet Mondrian, por exemplo. Há quem diga que ele não é um grande pintor porque usa três, quatro cores, e pensa que seja fácil fazer isso. Muitos, porém, procuram imitá-lo, mas sem êxito, não conseguiram o mesmo efeito. Por quê? Porque os quadros mais importantes de Mondrian não são do início da sua carreira, e sim do fim. Começou como figurativo e foi depurando até a essência.

CC: A cozinha oriental, China, Japão, Tailândia, teve influência em certas mudanças nos últimos 40 anos?
HB: Teve. Porque sempre houve globalização na gastronomia. Mais nós viajamos e cada vez mais estamos nos confrontando com outras tradições. Cabe a cada qual aproveitar a experiência a seu modo. Eu não aceito uma globalização forçada. Globalização, sim, porém não esqueçamos a tradição.

CC: Os japoneses não influenciaram muito a apresentação, a estética do prato?
HB: Os japoneses muito, muito mais que os chineses. A grande cozinha chinesa é pouco conhecida. Conhecida é uma cozinha chinesa pobre e muitas vezes mal executada. É também, em parte, o que acontece com a grande cozinha italiana. Muita gente acredita que a cozinha italiana se resume a massa e pizza. Esta cozinha vem da imigração. Os primeiros imigrantes, pobres, partiram para a massa e a pizza porque eram mais acessíveis. A Itália, como todas as grandes culturas, tem muito respeito para com a cozinha. No Renascimento, tudo aquilo que foi cozinhado nas cortes italianas era invejado mundo afora. Naquele momento, nos outros países, os ricos cuidavam era de empanturrar-se. Essa banalização da cozinha italiana no mundo me incomoda, também porque eu estudei e sei que a cozinha italiana não existe, existem inúmeras cozinhas regionais italianas. Na França, pelo contrário, há substancialmente uma cozinha nacional, a despeito de algumas diversidades. Na Itália não, porque aqui não nasceu na Alta Idade Média um Estado nacional, e sim uma grande quantidade de Cidades-Estado, como na Grécia antiga. A França girou em torno de Paris. Na Itália, cada cidade foi uma capital refinadíssima, pioneira no desenvolvimento de todas as artes, inclusive a arte de comer. Mas também os velhos gregos, os egípcios e os romanos, todos tinham um grande respeito pela cozinha. Conta-se na Ilíada que Aquiles, na noite em que foi tomada a decisão final da Guerra de Troia, cozinhou pessoalmente para seus colegas generais. Era a melhor maneira de mostrar o apreço que tinha por eles. E esta é uma cultura, um grande respeito, uma grande sensibilidade em relação ao hóspede.

:: Pensamentos e confissões

O que é cozinha, os prazeres do mercado, quando o prato está “sentado”. Ideias esparsas de um mestre

Cozinha (cucina, em italiano) para mim é um acrônimo: Como Unir Comunicação, Encantamento, Natureza e Harmonia. Cozinha é interpretação, história e filosofia dos sabores, loucura disciplinada e rigor mediterrâneo. Cozinha é vida, a minha, que saboreio em doses pequenas e intensas, para aproveitá-la por inteiro. Para mim, cozinha é gosto, sabor, memória, prazer, participação de todos os sentidos. Cozinha não é comer. É muito, muito mais.Nihil posse creare de nihilo, nada se cria do nada, como diz Lucrécio. Tenho de encontrar algo que seja meu princípio. Algo que eu veja, ou sinta, ou fareje, ou recorde. Algo que me atinja, me toque por dentro e desperte o som de uma resposta: será a minha primeira nota, meu primeiro passo. Devo ter uma ideia.

Diz-se ser possível comer também com os olhos. Para mim isto é tão verdadeiro a ponto de valer para alimentos ainda não cozinhados. Ao dar voltar pelo mercado (o da praça Campo de Fiori, onde Giordano Bruno morreu queimado pela Inquisição) como com os olhos fruta e verdura. Gozo da luz que emana da casca das berinjelas, o verde brilhante das abobrinhas, o esplendor dos tomates e das laranjas. São pequenos sóis.

A cor é voz extraordinária para contar a harmonia do prato: é um poeta mudo. A forma necessita
de uma porção maior de tempo do que a cor para ser assimilada, entendida, saboreada. O trabalho do chef está ligado diretamente ao tempo. É preciso que o hóspede disponha dele para apreciar, com todos os sentidos, cada pormenor.

Imagine uma mulher belíssima que vista tamanho 40: suas formas não serão valorizadas, certamente, se for trajar roupa de tamanho 36: da mesma maneira tem de ser dosada a porção: aumentar a superfície do prato serve para não oprimir seu conteúdo. A nossa matéria-prima tem de viver, precisa de espaço, caso contrário, não se criam obras de arte culinária. Assim como a arquitetura vive de áreas vazias e áreas cheias, o prato não deve parecer pesado, oprimido, feio de se ver. A matéria-prima deve viver entre espaços livres e espaços cheios, com luz e sombra.

Um prato está “sentado” quando oprimido, carregado, cheio demais. Desta maneira, “não respira”. Para arejá-lo, tem de ser eliminado tudo aquilo que o faz pesar demais ou encobre a fragrância, a vivacidade do sabor.

Um gesto nobre satisfaz sobretudo o seu autor. Da mesma forma, nós temos uma obrigação em relação a cada comensal: merece ser tratado como um rei. Hospitalidade significa máximo cuidado para quem escolhe dedicar-lhe seu tempo, sua atenção, suas expectativas de prazer.

De que maneira o luxo tem a ver com comida? Está, talvez, na rica decoração do restaurante, no emprego de matérias-primas notoriamente exclusivas: por exemplo, a trufa branca? Esta é visão óbvia, banal. Exclui as emoções. Não me pertence. Luxo, para mim, significa antes de mais nada disponibilidade para as experiências. Neste sentido, é luxuoso um prato de pasta al pesto. Luxo não é proporcional necessariamente a um grande investimento. Não é rito opulento, a jorrar riqueza. Não é o “mais, mais, mais”, e sim o que é limpo, palatável, essencial. Para mim, menos quer dizer mais.

E por falar em massa, consideremos o prato aparentemente mais fácil do mundo: espaguete com molho de tomates. Para mim, é uma felicidade saborear este prato, pois se forem bem cuidadas a escolha da matéria-prima e a execução, encerra todos os perfumes da terra.

Minha fraqueza, confesso, são as massas recheadas. Para mim, sic itur ad astra, assim vai-se no rumo das estrelas, como diz Virgílio. Não creio em comida afrodisíaca, mas acredito na erótica. Trata-se de uma criação que desafia os sentidos dos comensais, obrigados a aceitar a apetibilidade convidativa de um invólucro e a se arriscarem na surpresa do recheio: pode ser macio e sedutor como lábios de mulher, ou amargo e frio como o beijo recusado.

Fonte: Carta Capital