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Luiz Carlos Azenha: O lamento de Lula e a nova mídia

No dia em que o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, ex-filiado do DEM, agora sem partido, foi preso em Brasília, o presidente da República lamentou alguma coisa.

Por Luiz Carlos Azenha

Foi o que uma fonte, possivelmente do Palácio do Planalto, disse a jornalistas. "Fontes" anônimas" são um prato cheio para os jornalistas. "Fontes" anônimas dizem qualquer coisa. "Fontes" muitas vezes são uma única pessoa, que pede para não ser identificada. "Fontes", como está escrito no texto abaixo, do Estadão, publicado às 17h38m do dia da prisão, deveria significar que o jornalista teve o cuidado de checar com mais de uma pessoa. Pode ser fato ou não.

Notem, no entanto, que a manchete não bate com o texto da repórter. A manchete diz que Lula lamenta "a decretação da prisão", quando o texto diz que ele lamentou "as circunstâncias que levaram à decisão da Justiça". Há uma tremenda diferença nisso.

Antes do Estadão, o G1, portal das Organizações Globo, já havia anunciado, provavelmente com base na mesma fonte. Eram 17h29m.

Às 18h40m, o G1 atualizou o texto, depois que o assessor de Lula ligou para o repórter. Mas o G1 não mudou a manchete errada. Em tempos de internet e do jornalismo às pressas, a manchete é o que fica "impresso" na mente de milhares de internautas.

Às 19h14 começou o coro das carpideiras. Pois, como vimos nos dois textos reproduzidos acima, se Lula lamentou alguma coisa, certamente não foi a decretação da prisão de Arruda, nem o pedido de prisão do governador.

O comentário acima logo foi linkado em um texto jornalístico de O Globo: uma forma de colar a opinião pessoal de um blogueiro ao noticiário.

Notem que a manchete de capa do portal, "Lula lamenta desfecho do caso do mensalão do DEM" (da qual fiz print screen às 22h59m), apresenta uma terceira versão em relação à reação de Lula, distinta dos títulos dos links das páginas internas: "Lula lamenta que escândalo do mensalão no DF tenha levado à prisão de Arruda" (19h24m) ou "Lula lamenta pedido de prisão e afastamento de Arruda" (17h43m).

Ou seja, temos aqui cinco manchetes distintas que atribuem cinco reações distintas a Lula:

"Lula lamenta decretação de prisão de Arruda, dizem fontes" (Estadão)

"Lula achou lamentável pedido de prisão do governador Arruda, diz assessor" (G1)

"Lula lamenta desfecho do caso do mensalão do DEM" (O Globo)

"Lula lamenta que escândalo do mensalão no DF tenha levado à prisão de Arruda" (O Globo)

"Lula lamenta pedido de prisão e afastamento de Arruda" (O Globo)

Dentre as lições que podemos tirar desse caso está o aparente desconhecimento que a assessoria do presidente da República tem, especialmente de como funciona a nova mídia:

1. Existe uma tremenda demanda por notícias novas e chamativas, que "provoquem" cliques dos internautas;

2. Existe uma tremenda demanda por comentários "apaixonados", em tom definitivo, por reação instantânea e julgamentos sem apelação, como o do blogueiro Noblat;

3. O ciclo da notícia não é mais de 24 horas, atendendo ao interesse dos jornais; o ciclo da notícia é de curta duração, mas as manchetes de primeira hora, ainda que errôneas, tem um efeito residual, já que se espalham na rede via Twitter, sites de relacionamento, salas de bate papo e comentários de blogs. O comentário do blogueiro Noblat, segundo o qual "é espantosa a mania cultivada por Lula de passar a mão na cabeça de bandidos", é completamente desconectado da verdade factual do caso Arruda. O presidente da República tem se mostrado cauteloso quanto a julgamentos definitivos, seja por oportunismo político, seja por respeito a outras instâncias encarregadas de investigar e julgar o caso do governador de Brasília. No entanto, o comentário de Noblat associado por link à notícia de O Globo, empurra o leitor desavisado a uma conclusão.

O leitor não é apenas desinformado pelo padrão Ali Kamel das manchetes do G1 e de O Globo, ele é conduzido a formar ou consolidar uma opinião sobre o presidente da República, ainda que Arruda tenha sido líder do PSDB no governo de Fernando Henrique Cardoso, tenha sido eleito governador pelo DEM e tenha sido considerado possível companheiro de chapa de José Serra.

4. Os jornalistas estão ainda mais sobrecarregados hoje do que no passado. Não é incomum repórter que desempenhe mais de uma função. Pouca gente tem tempo de apurar e de contextualizar informação, especialmente quando a internet demanda manchetes e textos às pressas, para sair na frente da concorrência.

5. Muitos repórteres exibem dificuldade pura e simples com a chamada "interpretação de texto"; o nível dos jornalistas, especialmente do escalão médio das redações, despencou, quando a velha guarda foi sacrificada por motivos salariais ou ideológicos. Não há mais a tradicional aprendizagem com os veteranos. Meninos e meninas aprendem desde o primeiro momento que a ascensão deles depende diretamente de ficar bem com o chefe, não necessariamente da qualidade do trabalho feito.

6. Lamento informá-los, mas o G1 é uma das "referências" das redações: manchetes pedestres, infotainment, apuração via Google ou por telefone. O "Lula lamenta" da manchete (errônea) do G1 vai direto para as chamadas dos telejornais e de emissoras de rádio.

7. Quem escreve manchete é o aquário (escritórios envidraçados onde ficam os editores e chefes) ou gente de estrita confiança do aquário. E o aquário está a serviço da candidatura de José Serra, por afinidade ideológica, para pagar os favores financeiros feitos pelo governador paulista, para pagar as "bondades" de Serra com a grande mídia (como aquela ponte cenográfica, sobre o rio Pinheiros, em São Paulo, construída para fazer parte do cenário dos telejornais locais da Globo paulista) ou por integrar direta ou indiretamente a campanha eleitoral do governador. Sobre este último ponto, o Jornalismo nos deve ainda uma investigação, um quem é quem da campanha de Serra nas redações.

Por tudo isso, fica claro nesse caso o despreparo da assessoria do presidente da República: as manifestações do Planalto devem ser feitas pelo próprio presidente ou devem ser feitas através de nota oficial que não dê margem a dúvidas. Se possível, devem ser publicadas pelo próprio Planalto em seu blog, oferecendo aos leitores, ouvintes e telespectadores uma forma de cotejar a nota com as manchetes produzidas a partir dela. "Fontes anônimas", a essa altura do espetáculo, servirão apenas para dar cobertura à desinformação.

Fonte: Vi o Mundo