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Socorro: "É preciso deter a escalada militar do imperialismo"

A brasileira Socorro Gomes chegou nesta quarta-feira (17) ao Nepal, onde participa da reunião do Secretariado do Conselho Mundial da Paz — organização que preside desde abril de 2008. Momentos antes de partir do Brasil, Socorro — que também é presidente do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz) — concedeu uma entrevista exclusiva ao Vermelho.

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Na sequência da reunião, ela tomará a palavra também na Conferência Asiática pela Paz, convocada pelo Conselho da Paz do Nepal. Este longínquo país recentemente pôs abaixo a monarquia, proclamou a República e é governado por uma coalizão de partidos de esquerda, na qual o primeiro-ministro é um dirigente do Partido Comunista do Nepal (Unificado, Marxista-leninista).

Confira a entrevista.

Vermelho – A reunião do Secretariado do Conselho Mundial da Paz realiza-se no mesmo momento em que está em curso uma grande ofensiva militar no Afeganistão. Que posição será adotada pelo CMP?
Socorro Gomes – É uma ofensiva brutal — segundo os analistas, a maior desde o início da guerra em 2001. Houve intensos bombardeios aéreos e agora estão em curso operações terrestres na cidade de Mariah, província de Helmand, sul do Afeganistão. São mais de 30 mil soldados envolvidos. Como sempre, a população civil está sendo vítima, apesar da propaganda feita pelas forças de ocupação de que o alvo seriam “apenas” as milícias do Talibã.

A ofensiva sobre Mariah representa uma nova escalada da guerra de ocupação do imperialismo norte-americano e seus aliados da OTAN no Afeganistão, comprovando que a opção militarista e belicista continua sendo a tônica das políticas dos Estados Unidos. Do mesmo modo que a obsessão de Bush era vencer a todo o custo a guerra no Iraque, parece que a de Obama é ganhar no Afeganistão. O mundo continua inseguro, a humanidade continua ameaçada por políticas e ações de caráter agressivo.

É preciso deter a escalada militar do imperialismo. O Conselho Mundial da Paz condena essa escalada e exige a retirada de todas as tropas de ocupação do Afeganistão e do Iraque.

Vermelho – Há uma escalada também das ameaças contra o Irã. O tema faz parte das discussões no CMP?
Socorro Gomes – Como não?! É uma das principais preocupações dos partidários da paz em todo o mundo e obviamente do CMP. As ameaças dos Estados Unidos ao Irã podem acarretar consequências funestas não só para esse país e a região do Golfo Pérsico, mas afetam a segurança internacional e a paz mundial.

A secretária de Estado dos Estados Unidos iniciou um périplo na região para pressionar os países a adotarem sanções contra o Irã. Neste momento, toda a diplomacia dos Estados Unidos encontra-se voltada para tal objetivo. São pressões sobre o Conselho de Segurança da ONU e sobre todos os países para que sejam adotadas sanções coletivas ou unilaterais contra o Irã.

Simultaneamente, intensificam-se as pressões militares. Há poucas semanas a Casa Branca e o Pentágono anunciaram a instalação de um sistema antimísseis em quatro países do Golfo Pérsico e reforçaram o patrulhamento na costa iraniana. Também neste caso, as promessas de paz e cooperação internacional vão ficando para trás e cedendo lugar aos aspectos principais da política externa dos Estados Unidos: ameaças, intervencionismo e agressão.

Vermelho – Desde dezembro de 2009, parece que mais um país, o Iêmen, entrou no foco das atenções dos Estados Unidos, onde houve até bombardeios sob o pretexto de extirpar células terroristas da Al Qaeda abrigadas naquele país.
Socorro Gomes – Efetivamente. Os bombardeios foram realizados antes mesmo do frustrado atentado numa aeronave em dezembro passado e que foi tomado como pretexto para uma escalada da “luta antiterrorista”. O programa militar e de segurança do Pentágono para o Iêmen aumentou em um ano de US$ 4,6 milhões para US$ 67 milhões, e o país foi guindado à categoria de prioridade, segundo declarações do assistente do presidente Obama para a Segurança Nacional.

O novo papel do Iêmen na estratégia de Washington tem a ver na verdade com um plano dos Estados Unidos de aumentar a presença militar na região conhecida como Chifre da África e a partir daí em todo o Oceano Índico. Desde agosto do ano passado, a Otan desenvolve, sem prazo para terminar, operações navais nas costas da Somália sob a denominação de “Escudo do Oceano”, com a participação de navios de guerra da Grã Bretanha, Grécia, Itália, Turquia e Estados Unidos.

Com o aumento do poderio da China e da Índia, o Pentágono trabalha com cenários de incremento das rivalidades militares nas águas do Oceano Indico e decidiu que uma das suas mais importantes tarefas é incrementar ali o seu poderio naval. É no Indico que tem lugar o maior fluxo do comércio de petróleo.

Vermelho – De 3 a 28 de maio deste ano terá lugar em Nova York, na sede das Nações Unidas, a 8ª Conferência para a Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o TNP. Paralelamente, entre os dias 30 de abril e 1º de maio movimentos sociais e organizações não-governamentais realizam a conferência Desarmamento Agora. Qual a participação do CMP em tais eventos e que posição tem sobre o delicado tema das armas nucleares?
Socorro Gomes – O CMP é membro do Ecosoc das Nações Unidas e, como tal, acompanha as atividades da ONU. E, como organização mundial que reúne os partidários da paz, também tomará parte, com posições próprias e construtivas, na conferência Desarmamento Agora. A nossa posição sobre o tema vem do próprio ato de fundação do CMP, há 60 anos, que nasceu sob o signo da luta contra as armas nucleares.

A maior ação em prol da paz no mundo realizada na segunda metade do século 20 foi o recolhimento de assinaturas para o Apelo de Estocolmo, um manifesto de poucas linhas, que demandava o fim das armas nucleares. O Apelo de Estocolmo recebeu mais de 600 milhões de assinaturas. Ainda hoje, o CMP reafirma o seu engajamento na luta pela eliminação das armas nucleares.

Quanto ao TNP, sendo obviamente favorável à não-proliferação, o CMP condena o caráter assimétrico e desigual do Tratado — que na verdade congela a ordem internacional entre estados possuidores de armas nucleares e estados não possuidores. Para os povos e nações que lutam pela independência, o progresso e a paz, a posição justa é a defesa do desarmamento e da eliminação de todas as armas nucleares.

Vermelho – Que outras questões merecem destaque na pauta do CMP?
Socorro Gomes – Sem nenhuma dúvida, a realização da cúpula da Otan neste ano em Portugal e a intensificação da presença militar dos Estados Unidos na África e na América Latina. Recentemente, o imperialismo estadunidense decidiu criar o Africom, o Comando Africano, que consistirá na instalação de um conjunto de unidades do exército dos Estados Unidos, altamente equipadas no continente africano para garantir os planos neocolonialistas, o saque das riquezas dos países africanos, se necessário pela força.

Operações e bases militares dos Estados Unidos na África têm sido realizadas e instaladas desde 2002 em países como Djibuti, Eritreia, Etiópia, Sudão, Quênia, Tanzânia, Uganda, Somália, Iêmen, Mauritânia, Mali, Níger, Chade, Senegal, Tunísia e Argélia. Quanto à nossa América, o CMP reafirmará a luta contra a Quarta Frota, as sete bases militares recém-instaladas na Colômbia e outras bases militares na região. Combatemos todo esse processo de militarização, que visa a intimidar os povos e os governos progressistas no continente.

Manifestaremos a solidariedade com o povo haitiano acometido pela tragédia do terremoto de 12 de janeiro e agora sob a ocupação militar de mais de 10 mil soldados dos Estados Unidos. Todo esse cenário confirma o acerto da campanha “América Latina e Caribe — Uma Região de paz. Não às Bases Militares Estrangeiras”, protagonizada pelo Cebrapaz e por quase uma centena de entidades, movimentos e redes do Brasil e de toda a América Latina e Caribe.