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Demanda doméstica pode fazer país crescer 7%, diz criador do Bric

Jim O´Neill: “O Brasil se aproveita das políticas fortes adotadas durante a crise e dos benefícios de ter mantido a inflação baixa”

Por Sergio Lamucci, no jornal Valor Econômico

O Brasil pode alcançar um crescimento próximo a 7% em 2010, devido à força “excepcional” da demanda doméstica, avalia o chefe de pesquisa econômica global do Goldman Sachs, Jim O’Neill. “O Brasil está se aproveitando das políticas fortes adotadas durante a crise e dos benefícios acumulados por ter mantido a inflação baixa nos anos recentes”, disse O’Neill, criador do conceito do Bric (que reúne também Rússia, Índia e China). O economista inglês não considera motivo de grande preocupação a recente turbulência no mercado internacional, causada pelo temor de um calote da Grécia e de seus efeitos sobre outros países da Europa, mantendo as previsões de que a economia global terá um crescimento robusto em 2010, puxada pelo Bric.

Em entrevista concedida por e-mail na quinta-feira, dia 11, véspera de embarcar para o Rio, onde deveria passar o Carnaval, O’Neill disse ver como “altamente provável” um crescimento na casa de 6% neste ano, “possivelmente próximo de 7%”. Formada pelo consumo das famílias, o consumo do governo e o investimento, a demanda doméstica será o grande motor da expansão brasileira neste ano, segundo ele. O’Neill participará da abertura do seminário “Uma agenda para os Brics”, que vai ocorrer no Rio nos dias 22 e 23, organizado pela prefeitura carioca.

O’Neill disse que o principal motivo para o seu otimismo em relação às perspectivas econômicas do Brasil nos próximos anos é a inflação baixa e estável. “Esse é realmente um fenômeno novo para o Brasil e está transformando as vidas de 200 milhões de pessoas no país. É algo que tem levado ao desenvolvimento de uma classe média rapidamente em ascensão.”

O economista minimizou a volatilidade que tomou conta dos mercados nas últimas semanas. “Acho que o que vai ocorrer com a política monetária chinesa e com a economia americana é muito mais importante para os mercados globais do que a questão do calote grego. A Grécia é apenas 2,5% da zona do euro. A questão do contágio é importante para União Monetária Europeia, mas não tão importante para o mundo como as políticas chinesas e os EUA.”

Para O’Neill, a valorização do dólar e depreciação do euro em curso não têm muita importância para o Bric. Deve ocorrer alguma saída rápida de dinheiro das moedas e mercados desses países, o que, para ele, abre “oportunidades para comprar”. Ele aponta outro ponto que lhe parece mais importante. “Acho que a China pode estar perto de permitir alguma valorização de sua moeda.” Se isso ocorrer, pode ser positivo para o Brasil e os mercados do Bric de dois modos, avalia O’Neill. Primeiro, pode fazer o aperto monetário na China acabar mais cedo – afinal, a valorização da moeda ajuda a segurar a inflação – e é positivo para os consumidores chineses, ao aumentar o seu poder de compra.

O Goldman Sachs prevê expansão global de 4,4% em 2010 e de 4,5% em 2011, nos dois casos acima do que o banco considera o nível de crescimento potencial do planeta (aquele que não leva à aceleração da inflação), de 4%. O’Neill disse que, no período de volatilidade nos mercados das últimas semanas, surgiram “vários indicadores globais excepcionalmente fortes”. Se há alguma possibilidade de mudança nas previsões do Goldman Sachs no momento, é para cima, e não para baixo, afirmou ele.

Em janeiro, por exemplo, as exportações da China cresceram 21% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as importações chinesas avançaram 85,5%. Para alguns analistas, o ritmo de expansão das vendas externas chinesas indica a recuperação global, enquanto a alta expressiva das compras feitas pelo país asiático confirmam a pujança da atividade econômica na China, ainda que a base de comparação seja fraca.

As previsões positivas de O’Neill para a economia global se baseiam no cenário róseo projetado para os mercados emergentes, especialmente para os países do Bric, mesmo num quadro de fraqueza na zona do euro e de dúvidas sobre a recuperação americana. “A força do consumo e da demanda doméstica como um todo nos países do Bric é excepcionalmente clara. Eu acabei de passar uma semana na Ásia e está claro para mim que China e Índia passam por um boom. É possível que a demanda interna dos dois países cresça por vários anos a 10%”, disse ele, que também chama a atenção para o crescimento expressivo da Indonésia.

E no mundo desenvolvido, chegou a hora de os países colocarem em prática estratégias de saída, com a reversão dos estímulos fiscais e monetários? “É muito cedo para que sejam removidas as políticas de estímulo nos EUA, no Reino Unido, na zona do euro ou no Japão. Talvez quando houver uma virada no desemprego, mas não antes disso.”

Bastante otimista em relação ao Brasil, O’Neill recomendou ao ao país um aperto fiscal no próximo governo. Em 2009, as despesas correntes (como pessoal, aposentadorias e custeio da máquina) cresceram 15% em relação ao ano anterior. Para ele, a questão fiscal é um dos maiores riscos que podem atrapalhar o país nos próximos anos, assim como a “doença holandesa”, o fenômeno pelo qual as receitas obtidas com a exportações de commodities valorizam o câmbio e prejudicam os setores industriais. É importante, segundo ele, evitar a dependência excessiva em commodities.

O’Neill disse ainda que não vê problemas no déficit em conta corrente brasileiro desde que ele não seja muito maior que 3% do Produto Interno Bruto (PIB). “Mas isso significa que vocês vão ter que tomar um pouco de cuidado com o real”, afirmou ele. Para este ano, alguns analistas já projetam um rombo nas transações comerciais, de serviços e rendas com o exterior um pouco superior a 3% do PIB, devido à combinação de forte crescimento da demanda doméstica e câmbio valorizado. Em 2009, o déficit ficou em 1,5% do PIB.