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Eurocrise: Problema fiscal ou má distribuição de renda?

Os déficits e o descarrilamento fiscal dos governos da Europa — pequenos e grandes, do Sul e do Norte do continente, de um modo geral — são considerados, amplamente, como o motivo que gerou a transição da crise aos mercados de câmbio, com vítima óbvia o euro.

Por Laura Britt, no Monitor Mercantil

Alguns especialistas, contudo, formulam o ponto de vista de que a crise não é fiscal, mas tem que ver com a distribuição de renda e a incorporação política. Estes especialistas advertem, aliás, que com a "administração nacional" (isto é, com o enfrentamento da crise por unidade comunitária) dos déficits a crise poderá se expandir.

Utilizam como exemplo o Programa de Estabilidade da Grécia, o qual, tendo como objetivo reduzir dentro de três anos a 10% (do Produto Interno Bruto) o déficit fiscal do país, corre o risco de simplesmente levar a economia da Grécia a queda profunda, a exemplo do que ocorreu com a Irlanda.

"Ao que tudo indica, as medidas de frugalidade na Grécia provocarão uma dinâmica descendente" declarou ao jornal francês Le Monde o economista Michel Sandi, enquanto os economistas da empresa de investimentos Natixis, Silven Bruallet e Kostá Briner distribuíram no dia 2 deste mês um relatório com o título: "O que custará um federalismo tributário na Zona do Euro?"

Transferência de 200 bi

A idéia deles é transferir o sistema tributário alemão para o nível pan-europeu. "Em seu total, a Zona do Euro não sofre por falta de poupança", observam. Consequentemente, a crise da dívida grega não existiria se existisse um mecanismo de equivalência tributária. E propõem que se transporte a nível dos países integrantes da Zona do Euro o modelo de solidariedade que existe entre os estados federados da Alemanha.

Adrien de Tricorneau e Marie de Berges, redatores do Le Monde, observam que o "federalismo tributário alemão" pode se contrair pelo fato de que 25% das arrecadações do Imposto de Renda que são coletadas pelos estados federados são postos em fundo comum e, em seguida, redistribuídos, de forma que as arrecadações tributárias per capita sejam equivalentes na média nacional.

O sistema completa-se, também, pelas eventuais ajudas do governo central, assim como pelos urgentes processos de ajuda, se for preciso. Bruallet e Briner calculam que, para ser adotado em nível europeu um sistema análogo, serão necessárias transferências de 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB) da Zona do Euro, isto é, cerca de 200 bilhões de euros, e a óbvia harmonização dos denominadores do Imposto de Renda.

Competição selvagem

Segundo Bruallet e Briner, a média das arrecadações tributárias na Zona do Euro é 7.145 euros por habitante. Nove países contribuiriam tributariamente e, sete arrecadariam. Assim, considerando a riqueza produzida e a população de cada país, Luxemburgo contribuiria a este tributo comunitário com 13 mil euros por habitante, a Finlândia, com 3.500, a França, com 940, e a Alemanha, com pouco mais de 100 euros.

Por outro lado, a Eslováquia arrecadaria 4.130 euros por habitante, a República de Malta e Portugal, 3.300, a Grécia e a Eslovênia, pouco menos de 3 mil, a Espanha, 2.100, e a República de Chipre, 341 euros. É obvio que em apenas um ano seria solucionado automaticamente o problema fiscal dos países-membros favorecidos pela redistribuição. A Grécia arrecadaria 33 bilhões de euros anualmente.

Além disso, o sistema de administração do Imposto de Renda proposto pelos economistas franceses levaria ao aumento do orçamento comunitário europeu em cerca de 50 bilhões de euros, ou cerca de 37% (o orçamento comunitário europeu conforma-se em 1% do PIB comunitário, isto é, ano passado era de 134 bilhões de euros, que correspondem a 267 euros anualmente para cada habitante europeu).

O aumento não seria economicamente assustador. Mas, politicamente, "significaria a derrubada do projeto atual europeu, baseado na selvagem competição entre países, trabalhadores e capitais para investimentos", concluem os investigadores da Natixis.