Em defesa da Ilha do Sol
A intensificação do cerco que promove contra Cuba a conservadora “santa aliança” entre o imperialismo estadunidense e seus áulicos europeus, ao invés de produzir nos povos obediente adesão à chantagem, inspira mais solidariedade e um afetuoso abraço da humanidade à Ilha — exemplo de resistência inigualável na história do desenvolvimento social. Nem claudicantes exemplos arrefecem este ímpeto.
Por Luiz Carlos Antero*
Publicado 08/04/2010 09:10
Quem não conhece Cuba, se aventura a desembarcar em Havana com a sensação de pouso na cidade baixa de Salvador (Bahia) ou no calor do pelourinho. Tudo é festa ou razão para festa na Meca da música, do exótico e popular, dos incontroláveis ritmos e danças. Ali prospera, desde as marcas do tráfico escravista à alegria da conquista da liberdade, a forte presença do sincretismo racial e religioso de um povo esposado por inconfundível amálgama — do negro africano ao branco europeu num abrangente mostruário de suas origens.
E quem se ausenta de Cuba vai com a certeza de que preservá-la é preciso, num sentimento que ultrapassa o nostálgico, invade o leito poético e vibrante de um povo imprescindível e que segue muito além do limite na busca da paz e da prosperidade socialmente construída. Vai com saudade até da fúria das suas imensas ondas em eterna briga de arrebentação com as muradas do Malecón — a beira-mar de lá.
Berço revolucionário
Mas, esta pequena ilha caribenha que, em séculos de ocupação estrangeira e epopéia libertária, reúne hoje em seu território onze milhões de heróis e heroínas de todas as idades — boa parte nascidos e acalentados no berço da revolução —, pertence com significativo destaque ao maltratado rol dos países vitimados pela opressão colonial e contemporânea.
Cuba completa o 51º aniversário de sua revolução, registrando o recrudescimento da mais prolongada ofensiva contra os direitos humanos de um povo — na forma do bloqueio econômico promovido pelos Estados Unidos da América (EUA), condenado 18 vezes pela ONU (Organização das Nações Unidas) e por inúmeras manifestações populares, moções e mensagens críticas oriundas das inúmeras e mais díspares origens.
As evidências do perverso e tendencioso cerco conservador são notáveis na postura dos críticos de Cuba e de sua mídia, ao estipêndio dos EUA: a indiferença quanto aos massacres e ocupação terrorista do Iraque e do Afeganistão; a benevolência e cumplicidade com Israel e sua política de Estado contra os palestinos; o apoio à instalação de bases militares, inclusive navais, e o ressurgimento da 4ª Frota no continente sul-americano; a chancela ao golpe de Estado em Honduras, entre outras ações antidemocráticas; a condescendência quanto ao parque de torturas na ocupação de Guantânamo; o silêncio absoluto acerca da masmorra de cinco cubanos patriotas e contraterroristas ilegalmente presos e sem direito à defesa.
Bizarra estratégia
Trata-se aqui — o bloqueio — da estratégia mais bizarra em uso pela potência econômica e militar mais truculenta em todas as épocas históricas. E que, não bastasse a impossibilidade de derrotar um pequeno país pelas armas, é ainda afrontada pelos singelos indicadores econômicos e sociais assumidos por um leque de entidades internacionais insuspeitas, com a ONU à frente — e que nos envolvem diretamente.
Verifica-se que Cuba, nesses indicadores, sobrepuja os países em processo de desenvolvimento e chega a confrontar países desenvolvidos em casos cruciais:
1) alcançou, em 2007, um crescimento econômico de 7,5% — bem acima dos 2,3% previstos para os EUA;
2) situa-se em 51º lugar em (IDH) Índice de Desenvolvimento Humano no mundo, alcançando em 2007 o desempenho 0,863 — superior ao do Brasil, que alcançou 0,813;
3) reúne uma expectativa média de vida de 78,3 anos (37º lugar) — equivalente à dos Estados Unidos e superior à do Brasil (72,4 anos);
4) apresenta uma taxa de mortalidade infantil de 5,1 por mil (28º lugar) — inferior à dos Estados Unidos, que é de 6,3 mil (33º lugar), e apenas 1/3 da brasileira, que é de 19,3 por mil;
5) com uma taxa de alfabetização de 99,8 (1º lugar no mundo), não tem mais analfabetos, enquanto os EUA apresentam uma taxa de 99% (13º lugar) e o Brasil, de 90% (95º lugar).
6) nos indicadores de pobreza, tem um índice que a coloca em 6º lugar no mundo, enquanto os Estados Unidos ainda apresentam uma taxa de 13,2% (33° lugar) e o Brasil estaria em torno de 30%.
E apenas se toca aqui nos avanços de sua medicina e tecnologias de ponta, distribuídas generosamente entre os países que recebem sua ajuda.
País dos direitos humanos
Portanto, em dificílimas circunstâncias, nunca os direitos humanos foram tão justamente homenageados quanto no protagonismo dos cubanos.
E, com todas as adversidades, Cuba não perdeu a qualidade de nação gentil, fidalga, ao tratar a reunião de provocadores e mercenários “dissidentes”. Estes, caso agissem no centro conservador de onde partem ofensas a Cuba, seriam julgados com severas sentenças por crime de traição pelos vínculos com um país estrangeiro.
Exemplarmente, o Código Penal dos EUA prevê pena de 20 anos para quem preconize a derrubada do governo ou da ordem estabelecida; e até pena de três anos para quem "mantenha (…) correspondência ou relação com um governo estrangeiro (…). com a intenção de influir em sua conduta (…) a respeito de um conflito ou uma controvérsia com os Estados Unidos".
A França — no coração do Parlamento Europeu, que se opõe a Cuba — pune com 30 anos de prisão e multa de € 450 mil "o feito de manter relações de inteligência com uma potência estrangeira, (…) com vistas a suscitar hostilidades ou atos de agressão contra a França".
Entre os opositores detidos, num total de 50, nunca se apresentou um único indício de tortura, sequestro e desaparecimento que justificasse as alegadas “violações de direitos humanos”. E todos foram penalizados por sua colaboração direta com o governo dos EUA — que destinou, apenas em 2007 e 2008, US $ 45,7 milhões para financiar "dissidentes", fermentando ambições e conflitos onde o dinheiro escasseia. Nunca por simples “delitos de opinião”.
A velha CIA em ação
A central de inteligência dos EUA, a CIA (e congêneres no formato de ONGs), nunca deixou de atuar à base do aliciamento e, onde “colasse” seu jogo sujo, com golpes de Estado, assassinatos, chantagens e outros artifícios. Historicamente, a perseguição sistemática contra a república socialista incluiu o fomento e apoio militar, logístico e financeiro a movimentos contrarrevolucionários desde o início dos anos 1960.
Tais ações, ao longo das décadas que se seguiram à revolução, consistiram em levantes militares, atos de sabotagem, terrorismo de gangues armadas e diversos atentados contra a vida do líder Fidel Castro, ocasionando inúmeras vítimas civis. É o que se tenta hoje desdobrar, manipulando-se os fatos e banalizando-se a vida, buscando-se a meta da desestabilização a qualquer custo.
Assim produziu-se uma morte: o homem que, no dia 23 de fevereiro passado, sucumbiu numa greve de fome, não era “preso político” ou “dissidente” e fora detido por “delinquência comum”, na mesma e deplorável rotina que fermenta em escala superior nos presídios norte-americanos, brasileiros e de todo o mundo. Pretendeu-se, no paroxismo, convertê-lo em mártir da armação contra o povo cubano. Outros estão lá com o propósito de cinicamente afirmar: “Miami é aqui!”
Apoio amplificado
Os EUA, enquanto violam direitos humanos dos povos na Ilha e ao redor do planeta, conservam em protegida liberdade, no seu território, dezenas de criminosos que perpetraram ações de terrorismo e sabotagem contra Cuba. Não têm, portanto, nenhuma autoridade moral, política ou ideológica para falar do tema, tratando-se dos maiores infratores desses direitos na dura trajetória social da humanidade.
A formidável trajetória do povo cubano agrega à humanidade uma grandeza indispensável à sobrevivência dos ideais de liberdade, justiça, igualdade e profunda solidariedade — sem os quais sobreviria a desesperança, o medo e a barbárie difundidos por seus inimigos. Nessas circunstâncias, urge levarmos a este povo e aos seus milhares de médicos e profissionais solidariamente espalhados pelo mundo, numa sinalização fortemente amplificada, todo o apoio inspirado neste vigoroso exemplo de resistência e perseverança.
*Luiz Carlos Antero é jornalista, escritor, sociólogo, membro da Equipe de Pautas Especiais do Portal Vermelho.