Tragédia grega: o dilema entre a moratória e o arrocho fiscal
O plano de socorro à Grécia, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e a União Europeia, envolve um valor nominal inédito e recorde para casos do gênero, de 110 bilhões de euros (ou 146 bilhões de dólares) e deve começar a ser efetivado nesta semana, mas não foram suficientes para afastar dos mercados financeiros os temores de calote.
Por Umberto Martins
Publicado 03/05/2010 20:49
O pânico que contaminou o ânimo dos investidores ao longo das últimas semanas ainda não foi vencido. Uma de suas notórias vítimas é a moeda única (ou quase única, visto que a Inglaterra não abriu mão da libra) do velho continente. O euro registra forte queda diante dos dólares ao longo deste ano.
Pacote de maldades
A contrapartida exigida pelo FMI e União Europeia para os empréstimos é amarga. Atenas se comprometeu a implementar um pacote de maldades que a classe trabalhadora grega considera inaceitável. O governo promete reduzir o déficit público de 13,6% para menos de 3% do PIB até 2014 e estabilizar a dívida em cerca de 140% do PIB.
Isto exige uma economia de gastos e investimentos públicos sem precedente e o governo social-democrata liderado pelo primeiro-ministro George Papandreou quer que os trabalhadores e trabalhadoras paguem a conta da dolorosa ajuda do FMI. O pacote prevê redução de salários, aumento da idade mínima para aposentadoria de 53 para 67 anos, corte em benefícios como 13º e 14º salários, aumentos de impostos sobre valor agregado (IVA), combustíveis, bebidas e cigarros.
Crise da dívida
Além de impor pesados sacrifícios ao povo helênico, o pacote tem um caráter nitidamente recessivo, conforme foi reconhecido pelo ministro das Finanças do país, que projeta uma queda de 4% do PIB neste ano e de 2,6% em 2011. O corte da produção é uma consequência inevitável do arrocho fiscal, que na lógica do pacote recairá basicamente sobre a classe trabalhadora. A queda da produção vai piorar as coisas, exacerbando os conflitos distributivos entre as classes sociais.
Conforme notou o economista norte-americano Paul Krugman, a Grécia “está presa na camisa de força do euro e provavelmente está condenada a anos de depressão na atividade econômica e à deflação; a S&P diz que o país não retomará o PIB nominal de 2008 antes de 2017, previsão que me parece otimista”. Ou seja, o que está em jogo é o próprio futuro da nação que foi o berço da filosofia e da civilização ocidental.
Que os ricos paguem
O governo social-democrata diz que não há alternativa melhor, pois sem a ajuda do FMI, condicionada como sempre ao arrocho dos gastos públicos, aumento de impostos e cortes de salários e direitos, a moratória seria inevitável e colocaria em questão o próprio destino da União Eurpeia e do euro. Os trabalhadores e trabalhadoras, dos quais vem sendo exigido mais e mais sacrifícios, não compartilham da mesma opinião.
Pesquisas recentes de opinião indicam que mais de 50% da população rejeitam as medidas, não se sentem responsável pela dívida externa e exigem que os ricos, com destaque para os banqueiros, paguem pela crise que eles próprios provocaram, com especulações e excessos de toda sorte.
Greve geral
Somente neste ano, a classe trabalhadora realizou quatro greves gerais no país numa árdua luta em defesa de seus direitos. Milhares de pessoas foram às ruas protestar contra as medidas no sábado, 1º de Maio. Houve confrontos com a polícia e os sindicatos estão marcando uma nova greve geral para a próxima quarta-feira (5).
O pronunciamento contundente da classe trabalhadora pode atrapalhar o roteiro de terror escrito pelo FMI, com a anuência do governo social-democrata e da União Europeia. É isto que preocupa os mercados e que está abalando a saúde do euro.
Outro caminho
A Grécia atravessa uma crise da dívida externa em muitos aspectos parecida com a que o Brasil viveu a partir dos anos 1980. Aqui naquela época como hoje por lá o FMI entrou em jogo com empréstimos bilionários para evitar a moratória e proteger os interesses dos banqueiros.
A dívida, afinal, foi paga, mas isto custou pelo menos duas décadas perdidas para o desenvolvimento nacional e fez o país deslizar para baixo no ranking das maiores economias internacionais. Com a Grécia não será diferente, se prevalecer a orientação do FMI.
Cabe aos trabalhadores gregos, em defesa dos interesses nacionais, lutar por um outro caminho. O dilema ali, hoje, é entre o arrocho fiscal e a moratória. A primeira opção sacrifica os interesses da classe trabalhadora. A segunda, que não é uma opção fácil, sacrifica os interesses dos banqueiros e também deve levar o país a abandonar o euro e voltar a ter uma moeda nacional.
É um dilema de classes, em que o governo social-democrata escolheu o lado oposto ao do povo. O resultado final não está dado, conforme percebem os investidores. Virá da luta.