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Serra na mídia: mal com os homens por amor a el-rei

Primeiro foi o lengalenga acerca do doutorado na Unicamp. Depois, a má-fé quanto à declaração sobre os exilados. Ainda tivemos de aturar a celeuma na visita ao túmulo de Tancredo e, agora, duas novas pérolas da saga anti-Dilma na mídia: a história do retrato de Norma Bengell e, pasmem, o escândalo por que a candidata trocou o nome do presidente do Brasil de 1909.

Por Fernando Borgonovi, no site da UJS

Além de deprimente, esse noticiário pedestre só contribui para diminuir o debate político da eleição. Vejamos a falta de substância e, a rigor, de importância jornalística senão a necessidade de impor uma pauta negativa à candidata.

As palavras que nunca existiram

Alguém ganha ou deixa de ganhar votos por ter ou não concluído o doutorado na Unicamp? Parece-me que não. O que buscaram os generais da mídia pró-Serra foi carimbar em Dilma a pecha de mentirosa — ainda que à revelia do óbvio: ninguém com altas responsabilidades na administração pública toma parte em questões tão comezinhas como a preparação de currículos.

Nas eleições de 2004, José Serra assinou documento garantindo que não largaria o cargo de prefeito de São Paulo nem que a Divina Providência o chamasse para assumir o Firmamento. Menos de dois anos depois, trocava a prefeitura pelo governo do estado. Mentiu. Ninguém diz palavra.

A declaração distrocida sobre os exilados é mais grave por ser fraude jornalística. A própria Folha de S.Paulo, sem ao menos corar, admitiu que repercutiu declaração que a ex-ministra não deu (“Erramos”, edição de 15/04/2010). Em bom português: a Folha de S.Paulo falsificou a fala da candidata, acrescentando as palavras "eu nunca deixei o Brasil", para criar uma também falsa impressão de que ela criticou brasileiros que, perseguidos, foram ao exílio durante a ditadura militar.

A mensagem subliminar que buscou-se reforçar é tosca. Dilma recorreu, como tantos, à luta armada e caiu na ilegalidade. Seria, portanto, truculenta e tendente a soluções "radicais" e fora da legalidade em situações de crise. Ao passo que José Serra, o "cordeiro de Deus que livrou os pecados do mundo", seria o homem da dedicação, da perseverança e mais confiável.

Privatizaram o Tancredo

A crítica a visita ao túmulo de Tancredo Neves não se equilibra nas próprias pernas. Chamaram Dilma de demagoga e fizeram verdadeira escavação arquiológica para lembrar que o PT não participou do Colégio Eleitoral que sufragou o mineiro, em 1985.

Seria de bom tom que o PIG ao menos se decidisse, pois a presidenciável é tratada costumeiramente por "neopetista" — entenda-se pelo "neo" como de 10 anos para cá, tempo de filiação dela a este partido. Fato é que, quando PT se ausentou do Colégio Eleitoral, Dilma estava ao lado de Leonel Brizola, no PDT, legenda que apoiou Tancredo.

Mas tudo isso não tem a menor importância, porque Tancredo Neves não é patrimônio do PSDB, sigla que sequer existia quando veio a falecer, e nem de seu neto, Aécio Neves. No ano de seu centenário, muitas foram as homenagens realizadas em sua memória, todas prestigiadas pelas mais diversas correntes políticas.

Com a palavra, Norma Bengell

Dilma ainda cometeu o "pecado" de dizer que, em 1909, o presidente da República foi Artur Bernardes e não Afonso Pena (Nilo Peçanha, vice, assumiu ainda em 1909, quando o primeiro faleceu). Eu devolveria para o repórter: "Sem a ajuda da Wikipédia, você saberia"?

No da foto de Norma Bengell na célebre Passeata dos 100 mil, que foi parar no site de Dilma, fico com as palavras da própria atriz para encerrar a discussão: "Acho normal. Não tem nada que pedir desculpas. Fiz parte das passeatas contra a ditadura. Aliás, eu gosto da Dilma. Acho que ela é maravilhosa, uma mulher que sofreu muito. Tomara que ganhe".

"Mal com os homens, por amor a el-Rei"

Desesperada com a hipótese de que os eleitores possam não atender as palavras de seu Profeta, a mídia lançou-se numa Cruzada contra a candidatura Dilma.

Quanto a isso, nenhuma novidade. Mas ridiculariza o jornalismo esse festival de picuinhas que, surgindo num jornal ou site, logo ganham a quase unanimidade dos veículos, ao arrepio de preceitos canônicos da profissão.

Sorte nossa, as últimas duas eleições mostraram que a inimizade dos barões pode ter, como contraface, o apoio popular. Melhor ficaremos do que eles, que preferem estar "mal com os homens, por amor a el-Rei".

* Fernando Borgonovi é diretor de Comunicação da UJS