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2002, 2006, 2010: a correlação de forças presidencial mudou

Há muitas interrogações sobre a eleição presidencial deste ano e a resposta definitiva só virá em outubro – talvez no primeiro turno, dada a polarização plebiscitária entre a continuidade e a oposição ao governo Lula. Mas um exame comparado das eleições de 2002, 2006 e 2010 já permite esboçar, pelo menos, o quadro das forças que estarão do lado de Dilma Rousseff (PT) e de José Serra (PSDB). O gráfico abaixo fornece o resumo da ópera.

Por Bernardo Joffily


A imagem mostra a correlação de forças nas duas eleições presidenciais, e naquela marcada para daqui a menos de cinco meses. O critério usado foi o usual para medir a correlação de forças políticas em um país: a posição das bancadas parlamentares na Câmara Baixa.

No caso do Brasil, este é também o critério para a distribuição do tempo nos horários eleitorais da TV e do rádio – um palanque eletrônico que se consolidou como principal meio de contato entre candidatos e eleitores, pelo menos nas eleições majoritárias.

Por este motivo, o gráfico retrata as bancadas de deputados federais eleitas na eleição anterior a cada uma das disputas – o critério usado para a partilha do tempo de TV no horário eleitoral.

Caso se usasse as bancadas reais dos partidos hoje na Câmara, a vantagem de Dilma Rousseff seria ainda maior: o PMDB está com 90 deputados, o PT com 79, PSB 27, PDT 23, PCdoB 12, PRB 27 e PR 41. Isto soma impressionantes 299 deputados federais, ou 58,3% das 513 daceiras da Câmara.

Em contrapartida, a base oposicionista minguou mais um pouco. PSDB (58 deputados), DEM (56) e PPS (15) contabilizam 129 deputados federais na coalizão de apoio a Serra, 25,1% do total.

Os 82 deputados da coluna do meio amarela pertencem ao PP, PTB, PSC e outras bancadas menores que ainda não tomaram posição na disputa presidencial. Podem vir para o campo majoritário de Dilma, ou para o de Serra, ou ainda ficarem sem candidato a presidente, para facilitar suas composições nos estados.

Quatro tendências constantes

Basta um olhar para ver que a correlação de forças da política brasileira mudou consideravelmente nestes 12 anos.

▄ O campo pró-Lula mais que triplicou a sua bancada.

▄ O bloco anti-Lula emagreceu nitidamente.

▄ As bancadas sem candidato encolheram ainda mais – fenômeno que ainda pode se acentuar com a passagem de mais siglas indefinidas para um dos campos de disputa.

▄ E as bancadas que apoiam outros candidatos reduziram-se a menos de um terço de 2002, confirmando uma bipolarização da luta política nacional.

Todas estas quatro tendências se mantiveram de 2002 para 2006 e daí para 2010. É um indicativo de constância – embora não haja nenhuma lei de bronze que garanta sua permanência no futuro.

O conteúdo da dança das cores

Essa mudança de correlação de forças possui um conteúdo, que só fica claro em uma análise quqlitativa, que vá além dos simples fatores numéricos. Em síntese, ela mostra que as forças de centro se distanciaram da direita, e se inclinam agora para a aliança com a esquerda.

O exemplo mais nítido é o do PMDB, o grande partido centrista da política brasileira há quase meio século.

Em 2002, o PMDB, que emprestara seu apoio aos governos FHC, ficou com os tucanos e forneceu a deputada Rita Camata (ES) para vice da chapa de Serra. Na época, a mídia dominante tucanófila não viu o menor defeito na legenda de José Sarney, Renan Calheiros e Jader Barbalho. Longe disso, celebrou a coligação como um feito de seu candidato, Serra – o que não impediu que este perdesse para Lula em todos os estados… exceto as Alagoas de Renan.

Já em 2006, o PMDB fragmentou-se. Oficialmente ficou em cima do muro, sem candidato à Presidência, enquanto suas seções locais posicionavam-se conforme as realidades de cada estado.

O passo seguinte veio com a reeleição de Lula, seu enorme prestígio entre o povo e o entendimento – que não existia no PT em 2003 – de que o Brasil exige um governo de coalizão de centro-esquerda. O PMDB firmou-se como base do governo e para 2010 foi o primeiro a colocar por escrito a intenção de apoiar Dilma.

O fator tempo de TV… e os outros

O reflexo mais direto e imediato da mudança na correlação de forças é a virada no tempo de TV reservado aos campos pró e anti-Lula. O gráfico ao lado espelha a modificação.

As mudanças não seguem exatamente a mesma proporção aritmética das mudanças nas bancadas políticas das candidaturas: Isto porque a lei estabelece que um terço dos 25 minutos de cada bloco da propaganda seja distribuido igualitariamente entre os candidatos.

Porém o sentido das tendências permanece o mesmo. O campo pró-Lula aumenta seu tempo de TV de eleição em eleição. Em 2010, pela primeira vez, vai dispor de mais espaço que os seus adversários no horário eleitoral. Já os minutos do candidato tucano se reduziram a quase metade das eleições anteriores.

Permanece igualmente a tendência à bipolarização, até mais incisiva do que aparece no gráfico. Ocorre que em outubro deve haver 11 candidatos presidenciais no páreo além de Serra e Dilma. O maior tempo entre eles, destinado a Marina da Silva (PV), será de 1 minuto e 4 segundos.

Estas mudanças nas bancadas e no tempo de TV das candidaturas apenas refletem, em números concretos, uma transformação qualitativa, mais profunda e difícil de quantificar. De 2002 para cá, abriu-se um capítulo novo na história do Brasil. As placas tectônicas da sociedade, da política e da consciência dos cidadãos se deslocaram. Subterraneamente e aos solavancos, como costuma acontecer nestes casos, moveram-se. e moveram-se para a esquerda.

Números que dão razão a Lula

Estes fatos nem de longe permitem adiantar o resultado de outubro. Até as urnas se fecharem, outras variáveis atuarão de forma talvez decisiva, como o cenário nacional e mundial, o conteúdo e a forma das plataformas e das campanhas, os debates entre candidatos… e a ainda desconhecida capacidade de transferir votos do grande eleitor que é Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas são mudanças que pelo menos explicam as palavras de Lula no mês passado, ao comparecer ao ato público em que o PCdoB anunciou seu apoio a Dilma. "Eu, sinceramente, acho que nós não vamos ter uma campanha fácil", disse o presidente. "Mas se depender dos times que estão em campo, nunca tivemos uma tão fácil", agregou.

Na ocasião a mídia dominante mofou do comentário presidencial. Mas o raio-X comparado de 2002, 2006 e 2010 dão razão a ele.