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Folha e Globo querem proibir portadores do HIV de terem filhos

Pela primeira vez em quase 30 anos, o Ministério da Saúde começa a elaborar uma política séria e coerente para portadores do HIV terem filhos em condições seguras. Foi o que bastou para que os veículos da grande mídia — como a Folha de S.Paulo e a rádio CBN, do sistema Globo — reagissem de forma preconceituosa e até higienista, como se os doentes de aids ou simples portadores do vírus não pudessem ter esse direito.

Por André Cintra

“Governo quer estimular portador de HIV a ter filho”, alçou a Folha, escandalizada, à sua manchete na terça-feira passada. Curioso é que logo abaixo do título, ao comentar documento elaborado pelo Ministério da Saúde, a chamada deixava clara a real preocupação governamental — que é prevenir ao máximo a transmissão do vírus.

“Segundo o texto, se o casal planejar a gravidez na melhor fase clínica do tratamento, o risco de transmitir o vírus é muito menor. Isso inclui estar com a quantidade de vírus baixa e o total de células de defesa elevado, não ter doenças crônicas associadas nem infecções no trato genital”, explica a Folha, já mais comportada.

Entretanto, a hipérbole do título da capa, descaradamente preconceituosa, foi criticada até por Suzana Singer, a ombudsman mais chapa-branca da história do jornal. “O que se entende é que o governo pretende incentivar soropositivos a engravidar, certo? Não era isso que dizia a reportagem (…). Acho que a Folha decidiu, sem precisar, colocar mais pimenta num assunto já picante.”, detonou Suzana, neste domingo (9), em sua coluna semanal.

Mais raivosos e muito mais atrasados ainda foram os comentários de Alexandre Garcia, na última sexta-feira (7), pela Rádio CBN. Garcia, não custa lembrar, serviu à imprensa oficial durante o declínio do regime militar. Foi então para a mídia burguesa, mas não deixou os impropérios no passado.

Pois o brucutu da Globo não só repetiu a falácia de que o governo quer estimular a gravidez entre soropositivas. Foi além: disse que portadores do HIV se reproduzirem com o apoio de um Ministério da Saúde é “uma maluquice”. Onde já se viu? Contraiu aids a quer ter o direito de ter filho?

“Eu fico me perguntando como um médico vai trabalhar. O Ministério da Saúde está estimulando agora pessoa com HIV a engravidar. Eu duvido que o Ministério da Saúde vá fazer uma cesária, pela terceira vez, numa mulher com HIV, e respingar sangue nele para ver o que vai acontecer. É uma maluquice, estão fazendo brincadeira”, disse o histérico — e irresponsável — jornalista.

Reação em cadeia

Alexandre Garcia não ficou sem resposta. “Você fez um desserviço à profissão de jornalista e, pior, expressou uma visão anticientífica e infundada, que incentiva condutas discriminatórias e leva informações errôneas à população em geral”, declarou Toni Reis, o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Segundo o ativista, Garcia precisa pesquisar mais sobre o assunto para não cair no ridículo — e “ser solidário às pessoas que vivem com HIV/aids”.

Na opinião de José Roberto Pereira, o Betinho, membro do Fórum de ONG/Aids do Estado de São Paulo, “é inconcebível observar como se aborda questões do HIV/aids de forma preconceituosa, sem qualquer rigor científico, o que só favorece o aumento da discriminação às pessoas vivendo com HIV/aids”.

Em “Nota de esclarecimento”, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde afirma que “é a segunda vez que o jornalista discrimina as pessoas que vivem com HIV/aids em suas declarações. Uma lástima e um retrocesso para o jornalismo brasileiro. A primeira vez pressupõe desinformação, a segunda é uma clara demonstração de preconceito”. Em 2008, Garcia aproveitou seu espaço num telejornal da Globo para destilar sua discriminação: “Quem antes de uma gravidez se identificar como portadora do HIV, melhor que não engravide”.

O ministério também enfatiza que jamais estimulou ou desestimulou isso ou aquilo — apenas avançou na luta por melhores condições de saúde. “O Ministério da Saúde deve fornecer informações que possibilitem ao profissional de saúde orientar cada pessoa que deseje ter filhos com as informações mais precisas — sempre embasadas na melhor evidência científica disponível”, diz a nota.

“Os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) precisam saber sobre os métodos e riscos envolvidos nessa decisão, pois eles possuem esse direito — se assim desejarem — e já o fazem”, agrega o texto. “Não cabe ao governo interferir no desejo da mulher de ter ou não filhos, mas sim permitir que essas mulheres que querem ser mães tenham seus filhos nas condições mais seguras para elas, para seus parceiros e para seus futuros bebês.”