Império da guerra sufoca democracia

A reação do governo norte-americano ao frágil, porém auspicioso, acordo sobre o programa nuclear do Irã negociado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva expõe mais uma vez a desastrosa política externa dos EUA. A Casa Branca deu aval à investida brasileira, mas agora vem a secretária de Estado, Hillary Clinton, dizer que os EUA têm “discordâncias muito sérias” com o Brasil em relação ao Irã, com risco para a paz mundial.

Afinal, era para Lula fazer só jogo de cena ou tentar um acordo? Sem entrar no mérito se o Irã vai ou não cumprir o acordo de mandar urânio para a Turquia ou se Lula está sendo enganado ou não pelo presidente-ditador Mahmoud Ahmadinejad, o fato é que o brasileiro ocupou o espaço de Obama e isso deve estar dando uma ciumeira danada por lá.

Afinal, para eles, de que lado Lula está? Com o “eixo do bem” (EUA-Israel) ou com o “eixo do mal” (Irã-Coreia do Norte)? Mesmo se fizer papel de bobo da corte internacional, Lula dá exemplo de que qualquer solução tem de passar pelo diálogo. Guerra nunca foi solução. Os milhares de anos da evolução do Homo sapiens provam isso. Somos ainda macacos armados. Só mudaram as armas, de porretes e lanças para produtos químicos e ogivas nucleares.

A resposta de Lula a Hillary veio na bucha, bem política, obviamente: “O Brasil aposta no entendimento que faz calar as armas, investe na esperança que supera o medo”. O problema é que aos EUA só interessa a indústria da guerra, seja para impor a sua poderosíssima e rentável força bélica, seja para garantir exploração de recursos naturais, principalmente o petróleo. A paz é apenas uma desculpa.

Só para citar alguns exemplos, três livros recentes de autores americanos mostram o tamanho das tragédias provocadas pela falácia da política externa dos EUA. Sonhando a guerra – Sangue por petróleo e a Junta Cheney-Bush (Dreaming war: Blood for oil and the Cheney-Bush), do escritor Gore Vidal (Nova Fronteira/175 páginas/2003); O vulto das torres – A Al-Qaeda e o caminho para 11/9 (The looming tower: Al-Qaeda and the road to 11/9) do jornalista Lawrence Wright (Companhia das Letras/506 páginas/2007), e Blackwater – A ascensão do exército mercenário mais poderoso do mundo (Blackwater: The rise of the world’s most powerful mercenary army), do também jornalista Jeremy Scahill (Companhia das Letras/548 páginas/2008) desmascaram com provas e furor a política externa americana.

O primeiro e o terceiro livro mostram como o bate-cabeça entre a CIA e o FBI favoreceu o ataque às torres gêmeas em 2001. Ao longo daquele ano, houve vários avisos e indícios de que havia um grande ataque em curso e nada foi feito. Gore Vidal descontrói o argumento da propalada guerra ao terror e sustenta que a disputa pelas riquezas naturais da Ásia e do Oriente Médio estava por trás dos interesses de George W. Bush e do vice, Dick Cheney. Outra constatação alarmante são os negócios das famílias Bush e Bin Laden, antes que a parceria comercial virasse guerra ao terror.

Mas o que é mais assustador é o que revela Blackwater,. como o governo americano financia exércitos de mercenários pelo mundo, principalmente no Iraque e Afeganistão. Muito além das próprias Forças Armadas, os mercenários (normalmente ex-combatentes) agem e matam civis impunemente sob o pretexto de garantir segurança às tropas. Quem já ouviu falar em Eric Prince? Trata-se de um dos homens mais poderosos do mundo. O livro revela com fatos quem ele é como construiu um império de guerra.

Demagogia
É incrível como um país que se gaba de ter a maior democracia do mundo (graças à demografia, sem trocadilho) faz uma política externa comum a regimes ditatoriais ancorada na demagogia maniqueísta, a luta simplista do bem contra o mal. Em qualquer canto do planeta onde os EUA agem, pode-se ter certeza de que os problemas aumentam. A famigerada Guerra do Vietnã, que custou a vida de dezenas de milhares de americanos e civis daquele país há 40 anos, dispensa comentários. Tio Sam, entretanto, não aprendeu a lição. Poucos anos depois, bancou militarmente os talebãs contra a ocupação soviética no Afeganistão, em 1979. Os mesmos talebãs que hoje matam soldados americanos e encarnam o demônio. Naquela época, eles representavam o “bem”, mas hoje integram o “eixo do mal”. E quem financiou o Iraque de Saddam Hussein contra o Irã de Khomeini na mesma época? É o mesmo Saddam deposto e executado por Washington à revelia do Conselho de Segurança da ONU, que os EUA adoram conclamar e sempre desrespeitar, como fizeram na invasão do Iraque, que virou um atoleiro maldito para os EUA, tudo em nome da democracia e da liberdade.

Democracia não é para ser imposta, é para ser conquistada por um longo processo de cidadania e conscientização de uma sociedade. O que o imperialismo americano faz é tão somente subjugar o mundo pela força econômica, no caso dos seus aliados, e pela força militar, no caso do “eixo do mal”. Os interesses são a posse dos recursos naturais e a imposição da indústria da guerra. Depois da desastrosa administração do carniceiro Bush, Obama assumiu sob esperanças, mas ainda não disse a que veio.

Não se trata de defender ditadores como Ahmadinejad, que não é mesmo nenhuma flor que se cheire. A ele, as garras da Justiça, mas não do imperialismo americano! Ahmadinejad seria totalmente insano em explodir Israel. Mas Bush não foi insano ao explodir o Iraque e o Afeganistão? O bandido é sempre o outro. Haja hipocrisia!

Paulo Nogueira – EM 31/05/2010