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CTB publica uma nova edição da revista “Visão classista”

Já está circulando a “Visão classista” (revista editada pela Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB) número 2. A publicação contém uma cobertura da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), pela jornalista Cinthia Ribas; entrevista com o senador Paulo Paim (PT-RS), que segue defendendo o fim do fator previdenciário e artigo do economista Marcio Pochmann sobre “produtividade e salário pós-crise”.

A revista também faz um balanço do “neoliberalismo, 20 anos”, pelo jornalista Fernando Damasceno e oferece aos leitores e leitoras as colunas dos jornalistas Altamiro Borges (o Miro), André Cintra; dos sindicalistas Wagner Gomes, Eduardo Navarro (editorial), José Barberino e da juíza aposentada Mara Loguercio, além de outras matérias.

Reproduzimos abaixo um dos textos veiculados na nova edição da revista, sobre a luta de classes na Europa, de autoria do jornalista deste portal Umberto Martins.

O protagonismo da classe trabalhadora na luta política da Europa

Uma polêmica política recorrente nos movimentos sociais é sobre a centralidade ou não da classe trabalhadora na luta política moderna. Os acontecimentos em curso na Europa fornecem elementos concretos para este debate, que tem extraordinária importância para o sindicalismo, e revelam a atualidade da teoria marxista na interpretação do tema.

Karl Marx concluiu dos seus estudos sobre o capital e o capitalismo que a classe trabalhadora ou o proletariado moderno tem um papel central a desempenhar na arena política, traduzido na missão revolucionária de coveiro do modo de produção capitalista e construtor de um novo sistema social, o socialismo, que resultaria, segundo o influente pensador alemão, do processo (ao mesmo tempo objetivo e subjetivo) de luta de classes entre capital e trabalho.

Fim da história?

Este postulado teórico do marxismo sempre foi negado pela ideologia dominante. Ao longo dos últimos anos, foi aparentemente desmentido por fatos como a vitória das potências capitalistas na chamada guerra fria, cujo marco foi a queda do Muro de Berlin, em 1989, afoitamente interpretada pelo ideólogo estadunidense Francis Fukuyama como o fim da história; a emergência do neoliberalismo como pensamento hegemônico; e as transformações objetivas (e também subjetivas) operadas no seio da classe trabalhadora.

A queda da participação relativa da indústria na produção e na oferta de emprego, o avanço dos serviços, inclusive públicos, bem como a crescente flexibilização e precarização das relações trabalhistas, são fatores, entre outros, que alteraram o perfil da classe trabalhadora e influenciaram negativamente a identidade classista. Falaram em “adeus ao proletariado” e em “fim do trabalho” ou “da sociedade do trabalho”. A classe, fragmentada, teria perdido relevância econômica e política.

Questão nacional

Nos países economicamente mais frágeis e dependentes, submetidos à exploração das potências imperialistas, a sobreposição da questão nacional também contribui para obscurecer as contradições de classes e dificultar a compreensão do papel dos trabalhadores e trabalhadoras na luta política contra o imperialismo e o capitalismo. Na atualidade, a questão nacional não deve ser dissociada da luta de classes.

O desempenho dos sindicatos e dos partidos comunistas nos processos políticos de mudança em curso na América Latina, alguns deles com caráter revolucionário, é sintomático da fragilidade da classe trabalhadora e das forças que tradicionalmente defendem o socialismo na região. Uma nova realidade está emergindo das lutas sociais no continente e o principal desafio talvez seja o de elevar o protagonismo da classe trabalhadora no processo de mudanças.

Crise do capitalismo

O entusiasmo com o “fim da história” sugerido por Fukuyama atravessou os anos 1990, quando os EUA viveram um ciclo relativamente longo de crescimento, inventaram a chamada “Nova Economia” (uma bolha que estourou na virada do século) e mergulharam fundo no endividamento.
Mas, a euforia não durou muito. Após as crises de 2001, quando também ocorreram os atentados contra as torres gêmeas, e de 2008, especialmente, a suposição do ideólogo estadunidense caiu em franco descrédito, embora isto não signifique que a concepção de Karl Marx sobre o papel da classe trabalhadora voltou à moda.

É incontestável que o modo de produção capitalista e a atual ordem imperialista mundial ardem numa crise sistêmica que, em muitos aspectos, incluindo a sua dimensão, é inédita. Todavia, os impasses que rondam a perspectiva socialista e o movimento operário e comunista ainda não foram removidos. O mesmo se pode dizer sobre as dúvidas em relação ao papel da classe trabalhadora na atualidade.

Novo cenário

Um novo cenário neste terreno parece estar em gestação na Europa. A crise do capitalismo no velho continente saiu do plano estritamente econômico e ganhou as ruas, gerando um impasse político. O caráter de classes das lutas em curso é por demais nítido para ser negado. A teoria de Marx, Engels e Lênin sobre o tema nunca me pareceu tão atual e valiosa para entender a história.
A recessão iniciada nos Estados Unidos no final de 2007, depois do estouro da bolha imobiliária, parecia estar chegando ao fim quando irrompeu a crise da divida externa na União Europeia, através dos elos mais frágeis do imperialismo na Europa Ocidental, primeiro a Grécia, depois Portugal, Irlanda, Espanha, Hungria.

O endividamento foi fortemente estimulado pela política anticíclica de expansão dos gastos públicos, que levou todas as nações do velho continente, sem exceções, a burlar as metas fiscais previstas no Tratado de Maastricht (1). A crise da dívida (ou crise fiscal, que no caso tem o mesmo significado) é, em certa medida, o desdobramento da recessão irradiada dos EUA. Nela se revelam as contradições e limites das políticas anticíclicas do Estado capitalista. Os governos abriram os cofres e despejaram trilhões de dólares nas operações de socorro do sistema financeiro. O efeito colateral é o que se vê: a bolha do déficit público, a crise da dívida.

Uma ofensiva reacionária

As classes dominantes reagiram à nova crise de dois modos. Baixaram um pacote adicional para salvar seus próprios e grandes negócios financeiros e encaminharam a conta ao povo trabalhador. Estão cortando salários, aposentadorias, pensões e suprimindo direitos a pretexto de combater a explosão do déficit que criaram e ampliaram com os pacotes de socorro aos bancos.

Quanto ao caráter de classe do pacote, cujo valor já soma cerca de 1 trilhão de euros e inclui aportes do FMI, o ex-governador do Bundesbank (o banco central da Alemanha) Karl Otto Pöhl, declarou em recente entrevista à revista alemã Der Spiegel que o plano de “ajuda” econômica foi bolado “para proteger bancos alemães, e especialmente franceses, do cancelamento de dívidas.

No dia em que o pacote do resgate foi aprovado as ações dos bancos franceses subiram 24%. Ao olhar para tudo isto, pode-se ver realmente do que se trata – nomeadamente, de resgatar os bancos e os gregos ricos". Pöhl é uma testemunha privilegiada dos fatos em curso na Europa e sabe o que está falando (2).

Oligarquia financeira

O pensamento hegemônico apresenta o corte de salários e direitos sociais um “ajuste fiscal” necessário e até inevitável. Mas, a classe trabalhadora europeia percebe claramente que os projetos tutelados pelo FMI refletem os interesses da oligarquia financeira e visam livrar os grandes bancos, principalmente alemães e franceses, da moratória. As manifestações populares não deixam dúvidas quanto a isto.

Na Grécia foram realizadas cinco greve gerais neste ano contra as medidas ditadas pelo FMI ao governo local (corte de salários, 13º e 14º, aumento da idade de aposentadoria e dos impostos); em Lisboa, 300 mil foram às ruas no dia 29 de maio contra o pacote de arrocho baixado pelo governo; na França mais de um milhão protestaram contra a reforma da aposentadoria proposta por Sarkosy; na Espanha, o funcionalismo realiza uma greve geral em 8 de junho em defesa de direitos ameaçados pelo Estado.

A crise, quando ganha as ruas, tem o mérito de iluminar a realidade política e despertar consciências. A máquina do Estado capitalista foi colocada descaradamente a serviço da burguesia financeira, as políticas econômicas e os planos de resgate com dinheiro público servem em primeiro lugar aos seus intentos gananciosos. Os direitos sociais e as conquistas do povo trabalhador estão sendo sacrificados no altar dos rentistas.

Eucruzilhada

Não haverá outra saída a não ser a que está sendo imposta pela cúpula da União Europeia, sob hegemonia alemã, e o FMI? As manifestações na Grécia, Espanha, França e Portugal indicam que a classe trabalhadora não se orienta por este falso fatalismo e busca, nas ruas, um outro rumo, uma alternativa progressista, que provavelmente incluirá a moratória das dívidas externas e impostos maiores para lucros financeiros.

O drama europeu não terá solução em curto prazo. Os impasses tendem a se prolongar ao longo dos próximos anos. Os pacotes feitos para proteger os interesses dos bancos será cruel para as economias e os povos. O arrocho fiscal obstruirá o caminho da recuperação e a estagnação dos PIBs pode durar anos. Projeções de alguns economistas, consideradas otimistas, indicam que a Grécia não vai chegar aos níveis do PIB pré-crise antes de 2017.

A Europa está numa encruzilhada porque é o sistema capitalista que está em crise na região. A saída progressista só poderá vir pelas mãos calejadas da classe trabalhadora, daí a sua centralidade e o seu potencial protagonismo. Os planos de estabilização impostos pela cúpula da União Europeia e o FMI representam o retrocesso social, o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social. Vão estimular o reacionarismo político, a intolerância e os conflitos entre classes, etnias e nações. É o caminho da barbárie, para o qual tende a atual ordem imperialista, uma ordem que como diria Lênin é parasitária e está em franca decomposição.

O destino da Europa e da humanidade está nas mãos da classe trabalhadora.

Notas

1- Assinado em fevereiro de 1992, o Tratado de Maastricht, também conhecido como Tratado da União Europeia, estabeleceu em 3% o limite para o déficit público dos países membros. Na crise, com as políticas anticíclicas dos governos, tal restrição foi ignorada, e de tal modo que o déficit e a dívida explodiram

2- A entrevista do ex-presidente do banco central alemão, na versão original, pode ser acessada no seguinte endereço: http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,695245,00.html