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Lula não perde nada ao deixar de participar da reunião do G20

Tudo indica que a reunião de cúpula do chamado G20, que se reúne neste sábado (26) e domingo (27) em Toronto (Canadá), será marcada por muita controvérsia, pouco consenso e não terá eficácia no enfrentamento concreto dos dilemas que a humanidade enfrenta. O presidente Lula não perde muito ao deixar de participar e conferir mais atenção ao drama social revelado pelas chuvas no Nordeste.

Por Umberto Martins

O evento ocorre no momento em que os governos europeus resolveram aplicar indigestos programas de austeridade fiscal para sanear as finanças e pagar dívidas. A União Europeia está às voltas com a crise fiscal e um processo histórico de decadência, decorrente (como nos EUA) do parasitismo econômico e da concorrência internacional.

Consenso controverso

As medidas que estão sendo anunciadas e impostas pelos governos do velho continente, sob a batuta do FMI, não só despertaram a ira da classe trabalhadora, de quem se exige sacrifícios absurdos e inúteis para livrar a cara de bancos e banqueiros, como tendem a comprometer a recuperação das economias e a já precária saúde do comércio internacional.

Por esta razão, o “consenso” das classes dominantes europeias sobre a necessidade do rigor fiscal (que no caso significa o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social) suscitou controvérsias no seio do antigo G8 e do novato G20. Os pacotes de arrocho, que sacrificam principalmente (mas não só) os trabalhadores do setor público, reduzirão o consumo interno e as importações, dificultando a recuperação das economias e deprimindo o comércio mundial.

Globalização

Os Estados Unidos, com elevado nível de desemprego e uma recuperação frágil e duvidosa, estão liderando a oposição à estratégia dos governos europeus, com opiniões a este respeito convergentes com as do Brasil. O chefe da Casa Branca, Barack Obama, destacou que a atual crise “provou – e os elementos continuam a demonstrar – que nossas economias nacionais são inextrincavelmente ligadas e a tormenta econômica pode facilmente se propagar".

Em artigo assinado em conjunto, publicado quinta-feira (24) no Wall Street Journal, o secretário do Tesouro dos EUA, Tim Geithner, e o diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, Larry Summers, destacaram: "Temos que nos comprometer com reduzir os déficits de longo prazo, mas não ao preço de comprometer o crescimento imediato. Sem crescimento já, os rombos aumentarão ainda mais e solaparão o crescimento futuro".

Até parece uma peleja entre desenvolvimentistas e não desenvolvimentistas, keynesianos e neoliberais, mas não é bem isto que está em jogo.

Diferenças

Também não é só em torno deste tema que pululam as divergências. Há polêmica, por exemplo, sobre a proposta, também europeia, de taxar os bancos e os fluxos de capitais internacionais. Tampouco abundam consensos em torno de mudanças em instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird), a ONU e seu famigerado Conselho de Segurança, o papel de “emergentes” como China, Índia e Brasil, a regulação do sistema financeiro, as políticas cambiais e outros assuntos que, no fundo, remetem à necessidade de uma nova ordem

É bom lembrar que o mundo ainda vivencia uma conjuntura de crise do sistema capitalista mundial, a mais grave de que se tem notícia desde a Grande Depressão que atravessou os anos 1930 e teve sua solução na 2ª Guerra Mundial. É uma crise que se manifesta de forma diferenciada nos continentes e países e que realça o processo histórico subjacente de desenvolvimento desigual das nações.

Nem todo mundo sente a crise com a mesma intensidade e tem os que nela encontram uma oportunidade. A situação da China contrasta fortemente com a dos EUA e da Europa e, ao menos no momento, é possível observar algo parecido em relação à Índia e ao Brasil, entre outros.

Geopolítica

Ao longo dos anos, o desenvolvimento desigual alterou a configuração da geopolítica mundial. Criou uma nova realidade que não está em sintonia com o arcabouço institucional da atual ordem econômica e política mundial, ainda remanescente do último pós-guerra e fundada na hegemonia de uma potência capitalista em franca decadência, os EUA.

O eixo do poder econômico está se deslocando rapidamente do Ocidente para o Oriente e isto faz parte do contexto geral da crise, mas o cenário político e militar é persistente, não muda no mesmo ritmo nem pelo impulso espontâneo das forças econômicas.

Nem o desacreditado G8, que se reuniu 6ª feira em Huntsville (Canadá), nem mesmo o G20, que inicia sua cúpula neste sábado, estão à altura de apresentar saídas progressistas para a crise. Além das contradições de interesses entre seus membros, que inviabiliza o consenso em torno de questões julgadas fundamentais, os dois grupos preconizam soluções nos marcos do sistema capitalista e remendos ordinários de uma ordem imperialista que já caducou e clama por substituição. Deste mato não sai coelho.

Em tempo: o chamado Grupo dos Oito ou G8 é formado pelo antigo G7 (EUA, Japão, Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Canadá) mais a Rússia. Já o Grupo dos 20 (o G20 financeiro), que está reunido em Toronto, foi criado em 1999 em reconhecimento às mudanças nas mudanças operadas na economia mundial pelo desenvolvimento desigual. Compreende o G8 mais Brasil, Argentina, México, China, Índia, Austrália, Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul, Coréia do Sul e Turquia. A União Européia, em bloco, é o membro de número 20, representado pelo Banco Central Europeu e pela presidência rotativa do Conselho Europeu. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, assim como os Comitês Monetário e Financeiro Internacional e de Desenvolvimento, por meio de seus representantes, também tomam assento nas reuniões do G20.