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Reflexões de Fidel Castro: o gigante de sete léguas (parte 1)

No dia em que se comemoram os 84 anos do líder Fidel Castro, o Vermelho publica a primeira parte de sua mais recente reflexão. Desta vez, o dirigente cubano aborda o recém-editado livro de Manuel López Obrador. Na obra, o político mexicano detalha as dificuldades vividas pelo seu país devido à interferência do imperialismo estadunidense e da elite política, que chama de “máfia”. O texto é um importante documento sobre o modus operandi das cúpulas neoliberais.

Soube por Aristóteles, o mais famoso filósofo da história humana. O ser humano é capaz de ações maravilhosas ou das piores iniqüidades. Sua assombrosa inteligência é capaz de usar leis inalteráveis da natureza para fazer o bem e o mal. Com muito menor experiência do que a que possuo hoje, nos dias em que se gestava nossa luta armada nas montanhas de Cuba, ainda na grande nação mexicana – onde qualquer cubano viu sempre algo próprio – vivemos um fugaz, mas não inesquecível período em que todas as maravilhas se reuniam em um rincão da Terra.

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Não teria forma nem palavras para descrever minhas impressões como o fez um mexicano que, não à toa, é a pessoa de maior autoridade para falar da tragédia desse país, já que foi eleito governador do importantíssimo distrito eleitoral da Cidade do México, capital da República, e nas eleições de 2006 foi candidato da “Coalizão pelo bem de todos”.
Apresentou-se às eleições e ganhou a maioria dos votos frente ao candidato do PAN [Partido Ação Nacional]. Mas o império não o permitiu assumir o mandato.

Eu sabia, bem como outros dirigentes políticos, como Washington havia elaborado as ideias do “neoliberalismo” que vendeu aos países da América Latina e ao resto dos países do Terceiro Mundo como a quintessência da democracia política e do desenvolvimento econômico; mas nunca tive uma ideia tão nítida da forma com que o império utilizava essa doutrina para destroçar e devorar as riquezas de um importantíssimo país, rico em recursos naturais e terra de um povo heroico que tem uma cultura própria desde antes da era cristã, há mais de dois mil anos.

Andrés Manuel López Obrador, uma pessoa com a qual nunca falei, nem mantive com ele relações de amizade, é o autor de um pequeno volume que acaba de ser editado, a quem agradeço a brilhante exposição que faz do que está se sucedendo nesse país irmão. Seu título é “A máfia que se apoderou de do México e o ano de 2012”.

Chegou às minhas em 7 de agosto, à tarde, depois que regressei de minha reunião com os deputados da Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba. Eu o li com enorme interesse. Descreve a forma com que os Estados Unidos devoram a dentadas um país irmão deste hemisfério, país este de que os EUA arrebataram mais de 50% de seu território, as maiores minas de ouro de altíssima qualidade e a riqueza petrolífera explorada intensamente durante mais de um século, da qual se extraem quase três milhões de barris diários. Omito a referência à sua enorme extração de gás, por ignorar os dados.

Corrupção da máfia mexicana

No capítulo 1 explica um estranhíssimo fenômeno: no México desapareceu a estrada de ferro que foi criada nos tempos de Benito Juárez, quando se iniciou o primeiro trecho da Cidade do México a Veracruz.

Durante a administração de Porfírio Díaz, se estendeu por mais de 20 mil quilômetros, esforço que posteriormente a Revolução Mexicana ampliou consideravelmente.

Hoje existe uma estrada de ferro que “vai de Chihuahua, Chihuahua a Los Mochis e Sinaloa. Em um abrir e fechar de olhos, os tecnocratas acabaram com a ilusão dos liberais do século 19, que viam na comunicação ferroviária a melhor via para fazer progredir o México”, relata o livro de Obrador.

“A chegada de Fox à Presidência da República apenas serviu para recompor o velho regime e continuar com a mesma corrupção. Na realidade se tratou do sexênio do gatopardismo [leopardo], manobra em que, aparentemente, tudo muda para que tudo siga igual. Fox, desde antes de tomar posse na Presidência, se subordinou aos organismos financeiros internacionais e, obviamente, continuou servindo aos potentados do país. E mais, não apenas manteve inalterável a política econômica, como também se apoiou no mesmo grupo de tecnocratas que vinha atuando desde a época de Salinas”.

Algumas páginas adiante, o autor assinala que “hoje quase todas as instituições bancárias pertencem a estrangeiros, não outorgam créditos para fomentar o desenvolvimento do país, invertem os valores governamentais, cobram as taxas de juros mais altas do mundo, obtêm salários fabulosas e são fonte fundamental de traslado de recursos às suas matrizes na Espanha, Estados Unidos e Inglaterra”.

“Com Fox, seguiram-se sendo entregues os bens do povo e da nação a particulares, nacionais e estrangeiros […]. Com Fox se estendeu sem limites a entrega do território nacional para a exploração de ouro, prata e cobre, […] se modificou a Lei de Minérios para outorgar concessões únicas de exploração e exportação com vigência de até 50 anos e com a possibilidade de serem prorrogadas […]; até dezembro de 2008, haviam sido concedidos 24.816.396 hectares, 12% do território nacional, equivalente ao estado de Chihuahua, o maior do país”.

Algo verdadeiramente assombroso e surpreendente, inclusive para os que têm a pior opinião do neoliberalismo, são os dados que oferece López Obrador na parte final do capítulo 1 de seu livro.

Durante o governo de Fox, afirma: “em 2005, durante o foxismo, voltou-se a modificar a lei de imposto sobre a renda para novamente conceder 100% dos benefícios às grandes corporações. Para compreender melhor o que isso significa, tenhamos presente que, em 2008, segundo números oficiais, 400 grandes monopólios que obtiveram injeção de 5 bilhões de pesos – segundo cifras oficiais, mais da metade do produto interno bruto desse ano – só pagaram 1,7% do imposto sobre a renda e do Imposto Empresarial a Taxa Única (IETU)”.

“Além disso, o governo Fox foi o período em que houve mais devoluções de impostos em favor dos chamados grandes contribuintes e, como é óbvio, tanto os governos do PRI [Partido Revolucionário Institucional] como os do PAN quiseram este canonicato fiscal com a falácia do fomento ao investimento. Se isso fosse certo, nos últimos 27 anos teríamos tido crescimento econômico e não a paralisia, que no final prevaleceu. Assim mesmo pode-se demonstrar que as devoluções de impostos são superiores ao incremento do investimento privado; somente no período 2001-2005, enquanto os investimentos privados cresceram em 279 bilhões de pesos, as devoluções em impostos alcançaram 604 bilhões, ou seja, mais que o dobro. A corrupção está tão oficializada na cúpula do poder que o Instituto Federal de Acesso à Informação Pública (Ifai) resolveu manter em segredo por 12 anos – até 2019 – os nomes das empresas que em 2005 resultaram beneficiadas pelo Serviço de Administração Tributária (SAT) com a devolução multimilionária de impostos”.

Essas foram exatamente as palavras pronunciadas por Carlos Ahumada quando o prendemos em Cuba por violação de nossas leis. López Obrador as conhece porque enviamos a ata junto com o deportado Carlos Ahumada, em 28 de abril de 2004.

O fato constituiu, sem dúvida, a maior fraude política da história da América. Há alguns outros pontos que esclarecerei com total precisão.

No próprio capítulo 1, sob o título “Os amos do México”, López Obrador escreve: “Durante o tempo que fui chefe do governo da Cidade do México (2000-2005), conheci quase todos os integrantes desta elite”.

Também compartilho aqui a opinião de López Obrador sobre Carlos Slim. Eu também o conheci. Visitou-me sempre quando fui ao México e uma vez quando esteve em Cuba. Presenteou-me com um televisor – o mais moderno que havia então – que conservei em minha casa até um ano atrás. Não o fez com a intenção de me subornar. Não pedi nunca, tampouco, favor algum. Apesar de ser o mais rico de todos, com uma fortuna que supera os 60 bilhões de dólares, é um homem inteligente que conhece todos os segredos das bolsas e mecanismos do sistema capitalista.

Haveria multimilionários com ou sem Salinas, com ou sem Fox, embora naturalmente nunca seria tanto como sob a máfia que se apoderou do México. López Obrador os vai incluindo em seu livro e identificando o poder desse grupo que tomou conta do país.

Abandono, corrupção e pobreza

O capítulo 2 se intitula “Abandono, corrupção e pobreza”. Fala sobre o PIB dos países do mundo no período 1982-2009; com admiração, se refere ao crescimento do da China: 10,1%. O PIB de 2009 é maior, disse em parágrafo à parte. Assinala que “como se isso não bastasse, esse ano, o México ocupou, nessa questão, o último lugar entre todos os países do continente americano e, por incrível que pareça, estivemos abaixo do Haiti”.

“Os tecnocratas atuaram como fundamentalistas. Não apenas acataram a ortodoxia dos organismos financeiros internacionais, como converteram em ideologia suas recomendações”.
“O México rural foi o mais afetado com as chamadas políticas neoliberais. O abandono do campo é dramático. No entanto, recordo que Pedro Aspe, secretário de Fazenda no governo de Salinas, se ufanava dizendo que não tinha importância o fomento das atividades produtivas do setor agropecuário porque em um mundo globalizado era mais econômico comprar no estrangeiro o que consumimos”.

“O conjunto de políticas neoliberais aplicadas ao campo originou um grave atraso produtivo do setor agropecuário em relação ao crescimento da população. Do triênio 1980-1982 ao de 2007-2009, o PIB agropecuário, florestal e pesqueiro por habitante se reduziu 15,2% ao ano”
“A partir de 1996, a produção de petróleo seguiu aumentando até chegar em 2004 à cifra recorde de 231,14 bilhões de barris. Entre 1996 e 2004, as exportações de [óleo] bruto se elevaram de 563 a 683 milhões de barris ao ano. Este incremento coincidiu com a superexploração do complexo Cantarell, que de 2000 a 2004 incrementou sua produção de 47% a 61% da produção nacional, convertendo-se no campo de petróleo com maior rendimento da história mundial”.

“Enquanto a exportação de petróleo ia aumentando, as reservas comprovadas registraram uma estrepitosa diminuição: em 1982 estas eram de 48, 3 bilhões de barris; contudo, no ano de 2009 caíram a 10 bilhões. Somente durante o governo de Fox se consumiu uma terceira parte das reservas”.

“Também esta absurda política tecnocrática produziu estragos na refinação, no gás e na petroquímica. As empresas vinculadas a essas atividades foram privadas de recursos para sua expansão e modernização. Desde 1979 não se constroi uma nova refinaria no país.

Recentemente, por nosso movimento, Calderón se viu obrigado a dizer que faria uma refinaria; contudo, passaram-se dois anos desde o anúncio e, no entanto, ainda não se colocou um tijolo da obra”.

“Ao mesmo tempo, se estabeleceu como preço de referência o praticado nos EUA, que é o mais caro do mundo. Por causa disso, nos convertemos em importadores de gás”.
“No caso da petroquímica, ante a falta de investimento e o abandono, a única coisa que se fez foi reduzir ‘as perdas’ dos complexos petroquímicos mediante a suspensão de linhas de produção”.

“As grandes corporações empresariais e financeiras optaram por confiscar da Pemex todos seus ingressos. De 2000 a 2009, esta empresa registrou vendas acumuladas de 8,84 bilhões de pesos e pagou impostos na ordem de 6,18 bilhões de pesos, ou seja, o equivalente a 70% de suas vendas. […] Os investimentos públicos diretos na Pemex (sem incluir a dívida) foram de 437 bilhões de pesos, cifra que representa 5%de suas vendas totais”.

“Como é lógico, a partir da adoção da política neoliberal, vinculou-se estreitamente o setor energético aos interesses externos. Neste período se distanciou mais a possibilidade de integrá-lo e utilizá-lo como alavanca de desenvolvimento nacional, e todos os governos neoliberais mantiveram a ideia e o propósito de privatizar tanto a indústria elétrica como a petrolífera”.

“Não aceitamos nenhuma ocupação de nosso território. O México deve seguir sendo um país livre, independente e soberano. Não queremos nos converter em colônia”.

“[…] Nessa ocasião terminei recordando o que uma vez disse o general Lázaro Cárdenas Del Rio: ‘governo ou indivíduo que entrega os recursos nacionais a empresas estrangeiras trai a pátria’. Contudo, nestes tempos, desgraçadamente, pode mais a corrupção do que o patriotismo”.

“Um dos negócios mais rendosos em benefício de funcionários e contatados foi a compra de gás a empresas estrangeiras. Por esta razão, aos tecnocratas nunca importou realmente nem extrair o gás, nem evitar que fosse desperdiçado. O México é o país petrolífero que mais gás lança na atmosfera”.

Desemprego alarmante e educação carente

“Nestes dias, o que mais preocupa as pessoas é a falta de trabalho. O desemprego é alarmante. O atraso foi crescendo de maneira exponencial. Calcula-se que cada ano ingressa ao mercado de trabalho um milhão de jovens e os novos postos que têm sido criados na economia formal não dão conta nem sequer de 25% da demanda”.

“Mesmo os que puderam conservar seu emprego têm salários que não cobrem nem sequer o mais indispensável. Em uma reportagem investigativa de janeiro de 2010, o Centro de Análises Multidisciplinares da Faculdade de Economia da Unam sustentou que 17,7 milhões das pessoas que recebem menos de dois salários mínimos e representam 41% da população economicamente ativa, dizem que os salários não lhes permitem adquirir uma cesta básica minimamente recomendável, considerando os aspectos nutritivos, culturais e econômicos”.

“Quanto à educação, a carência é impressionante: a população de 15 anos ou mais sem o primário completo chega a 34% e o analfabetismo é de 9,46%, mas em estados com maior grau de marginalização como Oaxaca, Guerrero e Chiapas, esse índice chega a ser de 23%”.
“No México, somente dois de cada dez jovens têm acesso à educação superior, o que corresponde a 20%. A Unesco estabeleceu como parâmetro de referência para este nível um patamar entre 40% e 50%”.

“Em fevereiro de 2010, o doutor José Narro Robles, reitor da Unam, informou que dos 115, 73 mil estudantes que prestaram vestibular, apenas 10.350 foram selecionados, ou seja, 8,9%”.
“Nos últimos 20 anos, como consequência do abandono da educação superior por parte do Estado, a matrícula nas instituições privadas cresceu de 16% a 37%”.

Falta de infraestrutura

No capítulo 3, Lopez Obrador reafirma: “a oligarquia, máfia do poder, se sentiu ameaçada e não se importou em derrubar o pouco que havia sido construído para estabelecer a democracia no México”.

“O tempo e a realidade demonstraram que a fraude causou um dano imenso: feriu os sentimentos de milhões de mexicanos, minou as instituições, degradou por inteiro a chamada sociedade política”.

“Hoje, 9 de março de 2009, aqui, em Temazula, Durango, onde nasceu o primeiro presidente mexicano, Guadalupe Vitória, termino a viagem que fiz por 2.038 municípios de regime de partido que existem no país. Agora, somente me faltam os 418 municípios indígenas de usos e costumes do estado de Oaxaca, que visitarei no último quadrimestre deste ano”.

“Durante 430 dias, transitamos por 148,17 mil quilômetros de caminhos pavimentados e de terra, para chegar aos povos mais afastados do México”.

“É notória a carência de infraestrutura e serviços básicos nos municípios. Dos 2.038 que visitei, 108 não contam com caminhos pavimentados em suas áreas centrais. O estado mais atrasado neste aspecto é Oaxaca; de seus 152 municípios de regime de partido, há 36 sem pavimento. Ali e na região da montanha de Guerrero, constatei não apenas o péssimo estado das estradas, como vi que as novas, as que estão sendo construídas são de péssima qualidade e no máximo em um ano voltarão a ser de terra”.

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“É ilógico que se consuma tanta Coca-cola ou seu equivalente”. “Creio que este consumo de refrigerante, calculado em um milhão de litros diários se deve fundamentalmente à publicidade e chegou a ser, em certas regiões, algo que dá status”.

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Perversão da política

“É indispensável eliminar a atual política econômica que nem em termos quantitativos deu resultado. O México é um dos países que menos cresceu nos últimos anos”.

“É necessário mudar a forma de fazer política. Este nobre ofício se perverteu por completo. Hoje a política é sinônimo de enganação, arranjos de cúpula e corrupção. Os legisladores, líderes e funcionários públicos estão longe dos sentimentos do povo; segue prevalecendo a ideia de que a política é coisa dos políticos e não assunto de todos”.

“A transformação que necessita o país não apenas deve ter como propósito alcançar o crescimento econômico, a democracia, o desenvolvimento e o bem-estar. Implica também e, sobretudo, cristalizar uma nova corrente de pensamento sustentada na cultura de nosso povo, em sua vocação para o trabalho e em sua imensa bondade; no desenvolvimento de valores como o da tolerância, o respeito à diversidade e a proteção ao meio ambiente”.

“Em março de 2009, concluí minha viagem pelos 2.038 municípios de regime de partido do país, com base nessa experiência elaborei um texto chamado “O país desde baixo: apontamentos sobre meu giro pelo México”. Em 20 de novembro terminei de visitar os 418 municípios indígenas”.

“O povo de Oaxaca pôde sobreviver de sua cultura. Dela emanam sua mística de trabalho, seu talento e suas fortes relações familiares e comunitárias. Sua vinculação à terra os ajuda a manter uma economia de autoconsumo sustentada na produção de milho, feijão e aves, assim como o cultivo do café, o aproveitamento dos bosques, o tecido de palma e o sombrero, os artesanatos e outras atividades. Nas cidades do país, nos campos agrícolas do norte e no estrangeiro, é muito apreciada sua criatividade e sua força de trabalho. Nos EUA, os mexicanos ganharam a fama de serem os melhores trabalhadores do mundo”.

“Devido ao abandono do governo, Oaxaca é o estado com maior pobreza e marginalização do país. E nesses tempos, sentem-se muito mais. Partamos do fato de que a gente tem três fontes fundamentais para o sustento: a economia de autoconsumo, os apoios governamentais e o dinheiro que provém da migração. No primeiro caso, o principal é o cultivo do milho. Esta bendita planta é o que assegura que não faltem os alimentos básicos, entre outros, a tortilha, que se complementa com feijão, chile, nopal e permite aplacar a fome. Contudo, em 2009, pelo atraso nas chuvas, se perderam as plantações e foi preciso comprar milho”.

“Por último, a terceira fonte de divisas são as remessas que, em 2009 diminuíram em torno de 18%, devido à crise econômica nos Estados Unidos e em nosso país. Em 2008, por este conceito foram recebidos em Oaxaca 1,45 bilhões de dólares e em 2009 se estima que apenas tenham sido obtidos 1,19 bilhões de dólares”.

“Partiu-me a alma ver homens chorando quando expressavam a difícil situação que padecem e o abandono em que se encontram”.

“Em matéria de saúde, o abandono também é constante. Há municípios sem médico e ainda que nas cabeceiras haja clínicas de alto nível, os médicos só trabalham de segunda a sexta e em todas as partes há necessidade de medicamentos”.

“Quanto à educação, apesar do esforço de alunos e professores, é notável o atraso. As escolas estão abandonadas, em péssimas condições, faltam quadro-negro e carteiras e as aulas são dadas com materiais precários. O mais lamentável é que muitas crianças e adolescentes caminham horas para assistir as aulas e quase todos chegam sem ter se alimentado”.

“No âmbito pessoal, tenho sido tachado de messiânico e louco. Aqui, abro um parêntese para contar que recentemente participei de um ciclo de conferências no Colégio do México e o historiador Lorenzo Meyer me perguntou se eu teria pensado em fazer algo para enfrentar os ataques que sofro porque se em 2006 haviam me associado com Chávez, a quem nem conheço, não é descabido pensar que, visando a eleição de 2012, chegassem a me comparar com Osama Bin Laden”.

“A campanha contra mim chegou a tal ponto que muitos ficaram felizes com os rumores de que eu teria bastante dinheiro e luxuosas residências no país e no estrangeiro. Alguns, ofuscados pelo seu direitismo e outros, manipulados por completo, não podem aceitar o fato de eu não ser corrupto e de lutar por ideais e princípios, o que estimo ser o mais importante em minha vida”.

“Contudo, é motivo de orgulho que, apesar de terem tentado, não terem conseguido nos destruir. Não apenas porque temos autoridade moral, como também porque as mulheres e os homens que, como eu, participam dessa luta professam um profundo amor pelos semelhantes; e, para além de traições e frente a todo tipo de adversidades, mantemos a firme convicção de construir uma sociedade mais justa, mais humana e mais igualitária”.

Síntese do pensamento político

No capítulo final, López Obrador coloca dez objetivos como síntese de seu pensamento político:

1. Resgatar o Estado e colocá-lo a serviço do povo e da nação;
2. Democratizar os meios massivos de comunicação;
3. Criar uma nova economia;
4. Combater as práticas monopolistas;
5. Abolir os privilégios fiscais;
6. Exercer a política como imperativo ético e levar praticar a austeridade republicana;
7. Fortalecer o setor energético;
8. Alcançar a soberania alimentar;
9. Estabelecer o estado de bem-estar social;
10. Promover uma nova corrente de pensamento.

“E se pergunta: o que fazemos com a máfia?”

“…nossa pergunta sobre o que fazemos com a máfia, ou melhor, que faremos com os oligarcas, vai em outro sentido e parte da nossa concepção de que o principal problema do México é, precisamente, o predomínio de um punhado de pessoas que detêm o poder e são responsáveis pela atual tragédia nacional. E, como é óbvio, se estamos empenhados em estabelecer a democracia e transformar o país; é melhor que desde já se saiba o que faríamos com os oligarcas quando do triunfo de nossa causa”.

“Desgraçadamente, o que predominou no país é a ganância e o fazer dinheiro a todo custo, sem escrúpulos morais de nenhuma espécie. Em outras palavras, prevalece a cultura do agandalle e a máxima de que o que não engana, não avança”.

Finaliza na página 205 com as seguintes palavras:

“Está em marcha, pois, a revolução das consciências para construir a nova República. A tarefa é sublime, nada no terreno público pode ser mais importante do que conseguir o renascimento do México. Nenhuma outra atividade produz mais satisfação do que a de lutar pelo bem dos outros. É motivo de orgulho viver com arrojo e, ademais, ter a felicidade de fazer história”.

Apontamentos de Fidel

Seu livro é uma valente e irrefutável denúncia contra a máfia que se apoderou do México. Mas:

– Não se menciona o fato de que nos Estados Unidos criou-se um colossal mercado de drogas e de que sua indústria militar, provida das mais sofisticadas armas, converteu o México na primeira vítima de uma sangrenta guerra em que estão morrendo, a cada ano, mais de cinco mil jovens mexicanos. Compreendo que um homem que incessantemente viaja aos mais remotos municípios do país não poderia abordar esse assunto; no entanto, de minha parte, considero um dever recordar o povo mexicano que este problema se soma aos fatos mostrados na valente denúncia de López Obrador.

– Não se registra, tampouco, o fato de que a mudança climática se converteu em um colossal perigo para a sobrevivência da espécie que, realmente, está criando gravíssimos problemas como o que sofre atualmente a Rússia, onde o número de vítimas do calor, da fumaça dos incêndios nos bosques e na turfa, duplicou o número de pessoas que requerem os serviços funerais em Moscou e outras cidades. O México é, precisamente, o país onde acontecerá a Cúpula sobre Mudança Climática e outras muitas atividades relacionadas com este tema.

– Omite-se toda a referência ao iminente risco de uma guerra nuclear que poderia fazer desaparecer nossa espécie. Contudo, é justo assinalar que no dia 24 de maio de 2010, quando López Obrador finalizou seu livro, o Conselho de Segurança da ONU não havia ainda adotado a Resolução 1929, de 9 de junho de 2010, onde ordena a inspeção dos navios mercantes iranianos, criando uma situação da qual não se podia escapar.

No entanto, López Obrador será a pessoa que mais tem autoridade moral e política do México quando o sistema for derrubado e, com ele, o império. Sua contribuição à luta para evitar que o presidente Obama desarme essa guerra será de grande valor.

Por Fidel Castro

Tradução e intertítulos: Vermelho