Inácio Arruda: Semiárido Brasileiro e o Desenvolvimento Nacional

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Seca

Acontece em Fortaleza a Segunda Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas, a ICID 18. O evento tem entre seus objetivos gerar informações para subsidiar governos na busca pela sustentabilidade econômica, ambiental e social de regiões semiáridas, especialmente no contexto do aquecimento global e das mudanças climáticas. A ICID 18 é uma contribuição para a Rio 20 – Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, que acontecerá em 2012.

O Brasil vive, na atualidade, um período extremamente favorável de expansão, no qual a construção e a consolidação de um projeto nacional de desenvolvimento despontam como tarefa de todos os brasileiros e que passa necessariamente por uma concepção de Estado enquanto agente articulador e propulsor das condições para a efetivação deste modelo de desenvolvimento.

A perspectiva desenvolvimentista que marcou o ideário do país na década de 1950, sem dúvida, teve o mérito de pensar o Brasil a partir de sua própria realidade. Mas, por razões históricas, não conseguiu ultrapassar o viés economicista, que, no tocante ao Nordeste brasileiro associava o conceito de desenvolvimento exclusivamente a elementos de ordem econômica. Uma exceção a esta tendência foi o trabalho de Celso Furtado. Em 1959, no comando do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, Celso entregou um relatório ao então presidente Juscelino Kubitscheck, no qual expressava claramente a noção segundo a qual o desenvolvimento do Nordeste passava pela articulação entre o econômico, o social e o político.

Em contraposição ao economicismo dominante no ideário desenvolvimentista dos anos 1950, o atual padrão de desenvolvimento defendido pelas forças progressistas da sociedade brasileira pauta-se pela indissociabilidade entre progresso econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental. Tal modelo de desenvolvimento tem como uma de suas referências as diversidades regionais com suas demandas e potencialidades, o que aponta para a necessidade de construir e efetivar políticas de Estado que possam fazer dessa diversidade uma oportunidade de articular diferentes interesses na direção de um projeto nacional de desenvolvimento.

Nessa perspectiva, a parte do território do Brasil conhecida como semiárido apresenta condições singulares de tornar-se protagonista desse processo de desenvolvimento, rompendo definitivamente com a concepção que criou no imaginário social a noção de um semiárido limitado em suas potencialidades, refém de insuficientes recursos hídricos que, segundo alguns, seria a causa de seus problemas sociais e políticos.

O semiárido brasileiro é um imenso território que abrange 86% da região Nordeste e norte da região Sudeste, composta por áreas rurais, mas também por pequenos e médios centros urbanos, onde vivem aproximadamente 30 milhões de pessoas, ou cerca de 15% da população nacional, e que abriga, além de sua biodiversidade e de seu potencial geológico e energético, um significativo patrimônio cultural, histórico e humano.

Tais características, ademais de conferir ao semiárido brasileiro uma importância singular, justificam sua inserção prioritária em um projeto de desenvolvimento nacional, com os investimentos revertidos seguramente em benefício de sua população e de todo o país. Tal projeto possibilitará aproveitar todo o potencial do semiárido e comprovar em definitivo que a principal causa dos problemas não está na irregularidade do ciclo pluviométrico, mas na ausência de políticas comprometidas com a busca de alternativas econômicas e com a superação das persistentes desigualdades sociais, é justamente a expansão de iniciativas voltadas para estes dois aspectos que transformará o semiárido em um pólo de desenvolvimento regional, contribuindo significativamente com o desenvolvimento do Brasil.

O Semiárido Brasileiro para além das Definições Climáticas

O semiárido constitui um sistema ecológico complexo e diversificado e que, não obstante todo o conhecimento já produzido sobre sua dinâmica e suas peculiaridades, ainda é associado à escassez de água. Isto porque em geral é aceito que, na perspectiva climática, a semiaridez se caracteriza pela precipitação escassa, pela grande variação interanual, por médias térmicas elevadas (acima de 26° C) e pela intensa evaporação. Tais características conformam o que se designa como acentuado déficit hídrico que, historicamente tem sido responsabilizado pelos tímidos padrões de desenvolvimento da região.

As variadas demarcações espaciais do semiárido, em que pese sua singularidade, foram elaboradas em virtude do combate aos efeitos da seca. Uma lei federal de 1965 definiu o Polígono das Secas como sendo uma área de 936.993 km², identificando este recorte territorial com o semiárido. Dez anos depois, o anuário do IBGE publicou uma estimativa da Coordenadoria Regional de Defesa Civil considerando que a área do Polígono corresponderia a 950.000km². Em 1981, esta mesma área seria estendida para 1.399.186 km². A mais recente delimitação do semiárido brasileiro, datada de 2005, ampliou os critérios de inclusão dos municípios (precipitação pluviométrica, índice de aridez e risco de seca) e estabeleceu a área vigente hoje em dia: 969.589 km².

Por outro lado, o bioma Caatinga, que ocupa mais de 80% do semiárido, é freqüentemente identificado como área inóspita e inviável a qualquer iniciativa que tenha por objetivo a sustentabilidade humana, social e econômica.

Contrariamente a esta concepção, vale ressaltar que o bioma Caatinga existe apenas no território brasileiro.

Situada no único clima tropical semiárido do mundo, a Caatinga é a zona semiárida com a maior biodiversidade do planeta, tanto no que se refere à fauna quanto à flora, com espécies endêmicas de alto valor biológico e expressivo potencial forrageiro, madeireiro e medicinal. Aproximadamente 50% de seus solos possuem origem sedimentar, ricos em águas subterrâneas. Tais elementos são suficientes para atestar que a Caatinga é um bioma tão importante para o país quanto os demais biomas do território brasileiro (Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal, Pampa e Zona Costeira (Mapa 1) conferindo ao semiárido um significativo patrimônio ambiental com potencialidades econômicas ainda por descobrir.

No tocante aos aspectos do ambiente natural fica evidente que a escassez de chuvas é um dado que embora possuindo importância em relação à segurança hídrica da região, não deve ser o único fator a ser considerado na construção e consolidação de um projeto nacional de desenvolvimento que contemple uma interface com as realidades regionais. Há um imenso e inexplorado potencial de recursos que, uma vez aproveitados dentro de padrões de sustentabilidade, modificarão toda a face do semiárido.

Obviamente isto demandará capacidade técnica e vontade política para compreender e intervir no semiárido para além de fatores climáticos. No espaço territorial do semiárido atuam outros fatores tais como estrutura fundiária, as configurações demográficas, a dinâmica econômica, a organização do trabalho, as relações de poder, a cultura, os intercâmbios regionais, que devem ser levados em conta na construção de alternativas que objetivem fazer do semiárido o que ele pode ser: um celeiro de recursos que podem impactar positivamente no desenvolvimento do país como um todo.

A fragilidade das delimitações do semiárido, inclusive dos esforços mais aprimorados e que reconhecem sua diversidade, reside justamente na abstração de aspectos econômicos, sócio-culturais e políticos. Sociedades não têm suas características definidas apenas pelo ambiente natural; práticas econômicas, formas de organização social e política influenciam diretamente as condições de vida de suas populações e a viabilidade de iniciativas para o seu crescimento. A própria vastidão espacial do semiárido, que abriga áreas com atributos variados, diferentes microclimas e grandes zonas de transição, compromete as análises que se limitam ao enfoque climático, entendido como uma espécie de “fatalidade” que condenaria o semiárido a uma “natural” subordinação às demais regiões do país.

Contrariamente a esta idéia, podemos constatar, sob diversos aspectos que, da colônia à atualidade, ao semiárido couberam papéis relevantes, definidos pela divisão espacial do trabalho, comprovando que o desenvolvimento brasileiro não pode prescindir da contribuição multifacetária da zona em questão, com destaque para a produção de riquezas e sua inserção na economia mundial.

A relevância do semiárido para o desenvolvimento nacional

Até períodos recentes da história brasileira, o semiárido não era considerado como espaço de inestimável riqueza nacional, mas como área sem perspectiva promissora, costumeiramente apresentada como à margem da modernidade e uma ameaça à unidade nacional. Desde o Brasil – Colônia, passando pelo Império e durante várias décadas do século XX, o semiárido teve como principal atividade econômica a criação extensiva de bovinos. A pecuária foi responsável não apenas pela alimentação, mas também pelo transporte, pela força de tração e pelo couro empregado na confecção de utensílios para o empreendimento açucareiro, a mineração, a fazenda de café e o abastecimento da população litorânea. Ao tempo em que constituía mercado consumidor para os produtos manufaturados no Sudeste, o semiárido participava da pauta de exportações brasileiras, mas limitado à comercialização de produtos de baixo valor agregado como o algodão e variados produtos do extrativismo vegetal (cera de carnaúba, borracha de maniçoba, óleo da oiticica).

Historicamente, tais atividades se mostraram insuficientes e incapazes de promover o crescimento da região. Em muitos casos, limitaram-se ao enriquecimento de poucas famílias ou grupos econômicos locais sem proporcionar melhores condições de vida para a população ou contribuir efetivamente com o desenvolvimento nacional.

Na primeira década do século XXI houve um significativo avanço na superação deste quadro. A renovação de lideranças políticas e o maior comprometimento do Estado como agente de fomento e indutor do desenvolvimento por meio de programas e projetos na área sócioeconômica e de investimento em grandes obras estruturantes estão mudando este cenário. São exemplos desses investimentos em infraestrutura a Ferrovia Transnordestina e as obras de revitalização do Rio São Francisco e de sua integração com as bacias do Nordeste Setentrional que, seja na perspectiva do abastecimento, seja na viabilização da hidrovia, apresentam impactos positivos sobre as populações que somente agora começam a ser compreendidos.

A Ferrovia Transnordestina, que interliga os portos de Pecém (CE) e Suape (PE) ao município de Eliseu Martins (PI), tem uma missão de enorme responsabilidade: iniciar um longo ciclo de desenvolvimento regional. Seu objetivo é elevar a competitividade da produção agrícola e mineral do Nordeste com uma moderna logística que une uma ferrovia de alto desempenho e portos de calado profundo que podem receber navios de grande porte.

Já a integração do Rio São Francisco visa possibilitar o desenvolvimento sustentável por meio da garantia hídrica do semiárido, mediante o atendimento a 12 milhões de habitantes, com o propósito de aumentar a disponibilidade de água para o consumo humano e possibilitar a diversificação da cadeia produtiva.

Porém, ainda há muito que fazer, considerando as potencialidades da região. No setor energético, por exemplo, surge a perspectiva de que o semiárido torne-se referência em matrizes condizentes com as atuais necessidades de sustentabilidade ambiental: a energia eólica e solar e a produção de biocombustíveis, isto para citar apenas as fontes não fósseis de energia, uma vez que o gás natural também apresenta um gigantesco potencial que apenas recentemente começa a ser explorado.

A energia solar e a energia eólica vêm se configurando como promissores campos de pesquisas e desenvolvimento de tecnologias para a produção de energia limpa. Mesmo considerando o alto custo dos investimentos, representam um ganho sob o ponto de vista dos benefícios ambientais, sem contar os benefícios relativos ao desenvolvimento infraestrutural, à geração de empregos, ao aporte de conhecimentos e ao próprio potencial energético. Na estimativa do potencial eólico brasileiro vários estudos indicam valores significativos. O Atlas do Potencial Eólico Brasileiro estima um potencial da ordem de 143 mil megawatts o que equivale a 20 usinas de Itaipu.

Assim, ao considerarmos que cerca de 90% do potencial eólico do Brasil está localizado no Nordeste, mais especificamente nos litorais do Ceará e do Rio Grande do Norte e no semiárido, podemos antever o que isto representa para o desenvolvimento da região.

Ainda sobre o potencial energético do semiárido brasileiro, o biodiesel desponta como elemento de grande alcance, seja pelo impacto da tecnologia envolvida em sua produção, seja pelos efeitos positivos em toda a cadeia produtiva de suas matérias-primas. O biodiesel é uma denominação utilizada para combustíveis e aditivos derivados de fontes renováveis como mamona, dendê, amendoim, babaçu, soja, girassol, canola, além de gordura animal, óleos e gorduras residuais resultantes de processamento doméstico, comercial e industrial. Como é sabido, comparado ao óleo diesel, derivado do petróleo, o biodiesel pode diminuir em 78% as emissões líquidas de gás carbônico, considerando-se a reabsorção pelas plantas, reduzindo, ainda, em 90% as emissões de fumaça e praticamente eliminando as emissões de óxido de enxofre.

Nessa direção, em futuro não muito distante, o semiárido deve estar preparado para alavancar as novas fontes renováveis de energia, o que demandará necessariamente aumento do volume de investimentos advindo, por sua vez, do compromisso com as mudanças estruturais que tais iniciativas irão proporcionar. De fato, colocar o semiárido no seleto circuito dos que influenciam um setor altamente estratégico como o da produção energética significa alterar sensivelmente a dinâmica do poder na região Nordeste e, certamente, se refletirá em uma visão mais ampla dos interesses que orientam o Estado brasileiro. Isto porque o investimento em matrizes energéticas alternativas exigirá, igualmente, um investimento maciço em educação para formar profissionais qualificados não apenas nas funções de execução, mas na produção de conhecimento. Esta preocupação, aliás, não envolverá apenas o setor energético, mas também outros ramos da pesquisa, notadamente aqueles voltados para o aproveitamento dos recursos minerais presentes na região, tais como quartzo, ferro, petróleo, fosfato e urânio, possibilitando a expansão de um parque para alavancar o setor de eletromecânica, mecânica pesada e siderurgia.

Outro fator que definitivamente conferirá ao semiárido um lugar de destaque no desenvolvimento nacional é o fortalecimento de implantação de zona franca no semiárido, com o objetivo de centralizar um eixo de circulação de mercadorias para os países do Mercosul.

A consolidação do Mercosul já permitiu um aumento considerável da exportação de produtos do Brasil e do Nordeste, em particular, para seus países-membros e, por conseqüência, maior geração de emprego e renda nos setores produtivos vinculados a esse comércio. Este quadro tende a se expandir, pois, na condição de novo pólo econômico, a zona franca atrairá um grande volume de novos investimentos à região, acarretando ganhos de escala econômica para todo o Nordeste, movimentando novas demandas em termos de mão de obra de qualidade e infraestrutura adequada.

Em suma, a instalação de zona franca no semiárido terá como foco central a geração de empregos, a ampliação da oferta de divisas e a promoção de transferência de tecnologia, descongestionando áreas urbanas, incrementando o comércio exterior, sobretudo, as promissoras relações multilaterais com os parceiros do Mercosul.

A zona franca no semiárido possui potencial para a geração de quinze mil novos empregos envolvendo somente a atividade comercial da região, desconsiderando o impacto no ramo de indústrias, serviços e agronegócio. No entanto, é no campo industrial que se funda sua principal base de sustentação com a perspectiva de possuir mais de cem unidades de alta tecnologia, gerando mais de meio milhão de empregos diretos e indiretos, possibilitando a venda de produtos para o mundo inteiro.

Porém, ao fazermos referência aos elementos propulsores do desenvolvimento do semiárido brasileiro, não podemos deixar de citar o impacto da implantação de terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL) para regaseificação, estocagem e liquefação. A instalação de refinarias como a Abreu e Lima em Pernambuco, e as Premium I e II localizadas respectivamente nos estados do Maranhão e Ceará, processarão óleo pesado da Bacia de Campos e produzirão combustíveis de elevada qualidade.

O semiárido face à integração sul-americana

As perspectivas de desenvolvimento do semiárido, assim como do Brasil, vinculam-se à dinâmica política e econômica mundial. Deste quadro, infere-se que os agentes envolvidos no desenvolvimento regional precisam acompanhar atentamente a conjuntura mundial e sul-americana.

A cooperação entre as nações sul-americanas ocorre nos domínios da produção e distribuição de energia, nas políticas ambiental, sanitária, de ciência e tecnologia, de transporte, de infraestrutura, da comunicação de massa e de defesa e segurança. Estão em curso empreendimentos de alcance estratégico como a criação de um banco de investimento e da moeda única sul-americana. Diante deste cenário, o Brasil e, particularmente, os estados e regiões com grande potencial de desenvolvimento, como é o caso do semiárido, precisam acompanhar atentamente tais ações e situar os rumos do desenvolvimento regional no âmbito das tendências continentais.

Nesse contexto, vale destacar as atividades direcionadas à ampliação das oportunidades de inserção internacional do Brasil e do Nordeste em particular. A despeito de os fluxos econômicos e financeiros do Mercosul ainda se concentrarem em estados do Sul e Sudeste do Brasil, a tendência é de o processo integracionista amenizar as diferenças espaciais do desenvolvimento. Confirmado o ingresso da Venezuela, o Bloco irá se estender da Terra do Fogo ao Caribe (72% do território sul-americano), com população de 270 milhões de habitantes (70% da população sul-americana) e PIB de US$ 2,3 trilhões (80% do PIB sul-americano). A adesão venezuelana, certamente seguida da entrada dos países vizinhos ao norte do Continente, fortalece a presença do Mercosul no Nordeste e Norte do Brasil. Alguns benefícios palpáveis para o desenvolvimento destas regiões já estão em curso com a consecução de projetos estruturantes, como a Refinaria Abreu e Lima, já citada anteriormente, a linha de transmissão de energia “Linhão de Guri”, a conexão de fibra ótica de internet e a interconexão elétrica para melhor aproveitamento do regime das chuvas.

O semiárido e o fortalecimento dos laços Brasil-África

Dentre as perspectivas de desenvolvimento do semiárido brasileiro, destacam-se as relações internacionais do Brasil e, em particular, do Nordeste com o continente africano. O diálogo Brasil-África ganha novo impulso com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista diplomático. Em sua gestão, foram abertas dezesseis novas embaixadas no Continente e o Presidente visitou pessoalmente mais de vinte países.

Consideradas estritamente sob o aspecto econômico/comercial, pode-se avaliar a intensificação dessas relações a partir do aumento das importações que registraram um acréscimo de 478% na última década, sendo que no período compreendido entre 2002 e 2006, as cifras saltaram de US$ 2,6 bilhões para US$ 8 bilhões, o que representa um significativo aumento de 315% em apenas quatro anos. A corrente de comércio nos dois sentidos do Atlântico passou de US$ 6 bilhões em 2003 para US$ 15 bilhões em 2006. No que concerne às relações comerciais do Brasil com o continente africano, desde 2002, o valor de intercâmbio triplicou.

Hoje, o fortalecimento das relações entre o Brasil e os países africanos é fato concreto como demonstra a parceria estabelecida com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), que vem executando projetos de treinamento para produção e/ou processamento de mandioca, castanha de caju, biocombustível, agricultura de conservação e biotecnologia. A linha de frente da atuação brasileira na África envolve o bloco regional formado pelos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), criado em 1996 e com o qual o Brasil mantém profícua parceria, representando 74% do volume total de recursos alocados à cooperação técnica neste Continente.

Com o intuito de aprofundar os laços Brasil-África, o governo brasileiro decidiu implantar a Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (Unilab) e agregar os países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mediante intercâmbio acadêmico, fomento de pesquisas e oferta de ensino superior público a países tais como Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial, além de Timor Leste e Macau, no continente asiático. A iniciativa governamental busca formar pessoal capacitado em áreas de comum interesse dos países acima citados. Inicialmente, das cinco mil vagas a serem ofertadas pela Unilab, em sua sede no município de Redenção (CE), metade destinar-se-á a alunos brasileiros e metade a estrangeiros, sobretudo provenientes de países africanos lusófonos.

Os fortes laços entre as nações africanas e o Nordeste brasileiro não decorrem apenas da proximidade geográfica ou da expressiva influência da cultura negra neste que é o território mais antigo de colonização portuguesa na América. Intensificam-se as relações comerciais, aumenta a cada dia a comunidade estudantil oriunda de países lusófonos, a cooperação tecnológico-científica se amplia e consegue abarcar múltiplos campos, com ênfase em atividades agrícolas, educação ambiental, qualificação profissional, segurança e saúde pública.

Sem dúvida, esta aproximação demandará um novo olhar sobre a dinâmica da integração que tende a articular múltiplos aspectos do intercâmbio entre nações e sobre as tendências que se apresentam no sentido de aprimorar as relações afro-brasileiras. Afinal, trata-se de um relacionamento estratégico que contribui para o enriquecimento e a diversificação de nossa inserção conjunta no cenário mundial. O semiárido, por todas as razões aqui expostas, possui capacidade para oferecer expressivas contribuições a este processo.

Futuro promissor para o semiárido

Descortina-se para o semiárido um futuro promissor que adote um modelo de desenvolvimento aliando os saberes tradicionais às tecnologias mais avançadas, articulados à imensa riqueza cultural da região. O momento atual abre caminho para a inovação tecnológica enquanto fator determinante para o desenvolvimento socioeconômico do Nordeste. Nesse sentido, a política de expansão e consolidação das universidades; institutos de pesquisas e IFETS contribuem de forma significativa na geração e transferência do conhecimento. O semiárido brasileiro pode liderar uma nova fronteira tecnológica a partir de seus recursos renováveis e sua biodiversidade, mas sobretudo, no desenvolvimento de tecnologia de ponta. As inúmeras obras de caráter estruturante devem associar-se a um sólido embasamento científico, ambiental e social para dar sustentação aos variados sistemas de produção.

A consolidação das políticas de geração de emprego e renda, por sua vez, devem valorizar todo o potencial criativo e empreendedor de nossa gente, viabilizando o acesso ao crédito, em condições adequadas para a inclusão social de amplas parcelas da população.

O semiárido pode ser um centro de excelência de microeletrônica, biotecnologia, robótica, nanotecnologia, telemedicina, associado a um amplo desenvolvimento de programas voltados para a Química Verde lastreado a um plano de ação em ciência, tecnologia e inovação para o semiárido.

O futuro abre perspectivas para o fortalecimento das Biorrefinarias; Oleoquímicas, biocombustiveis e energias renováveis. Estas são novas fronteiras promissoras que precisam de aporte de conhecimento e de investimentos de grande amplitude, o que coloca para o Estado o papel de agente indutor, seja na criação de políticas públicas seja no financiamento de iniciativas nesses setores.

São enormes as nossas potencialidades também no setor da pesca e aqüicultura na agregação de valor e escalas em nossos produtos. A título de exemplo, o desenvolvimento do cultivo de microalgas na região semiárida apresenta grande potencial de produção de alimentos e biocombustíveis com produtividade até 20 vezes superiores a culturas convencionais. Por outro lado, o cultivo de microalgas possui estimativa de produção anual de óleos vegetais por hectare da ordem de 20.000 e 50.000 litros. Além disso, atualmente há grandes perspectivas para o desenvolvimento do cultivo de tilápias nos açudes públicos como alternativa de produção sustentável de alimento humano, integrado à produção de bionergia.

A Química Verde caminha com celeridade, pois já desenvolvemos o primeiro óleo ecológico para transformadores de energia produzido a partir do Líquido de Castanha de Caju (LCC), substância que não resulta em impactos ambientais e que pode trazer um grande incentivo e sustentabilidade para a economia regional, que tem como ponto forte a cultura do caju. O LCC é uma alternativa orgânica para os aditivos químicos e um excelente antioxidante.

Os antioxidantes são utilizados para combater a formação de radicais livres, por exemplo, no refino de petróleo, gasolina e óleos lubrificantes. Ou seja o caju pode virar matéria-prima para a indústria nacional. Produto tipicamente nativo, pode ser a solução para vários problemas do Nordeste. O caju é um grande aliado no combate à fome, à desnutrição infantil e ao desemprego, auxiliando na recuperação de números positivos na balança comercial brasileira.

O semiárido proporcionará uma enorme contribuição científica e tecnológica com conseqüências positivas para o sistema econômico social em termos de indução de um desenvolvimento sustentado, preservando espécies, agregando valor às nossas matérias primas, além da geração de emprego e renda.

Inácio Arruda é Senador da República pelo PCdoB/CE

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