EUA podem estar a caminho de uma recaída na recessão
O Índice Dow Jones Industrial, da maior bolsa de Nova York, recuou 1,32% nesta terça-feira (24) devido ao mau humor dos investidores com as últimas notícias sobre a venda de imóveis usadas nos Estados Unidos, que despencaram 27,2% em julho, descendo ao menor nível desde maio de 1995.
Por Umberto Martins
Publicado 24/08/2010 20:07
O fato é interpretado por muitos observadores como um sinal de que a maior economia capitalista do mundo pode estar a caminho de uma nova recessão. O Ibovespa acompanhou a tendência e caiu 1,25%, para 65.156 pontos, o menor nível de fechamento em cinco semanas.
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Crise persiste
A rigor, não se pode dizer que a economia norte-americana saiu da crise iniciada em dezembro de 2007. Embora muitos economistas anunciassem a recuperação das atividades no país, com base na revalorização das ações e nos lucros extraídos pelos bancos, a chamada economia real continua patinando e o principal indicador disto é o desemprego em massa.
As estatísticas oficiais indicam que mais de 8 milhões de postos de trabalho foram destruídos nos Estados Unidos desde o início da recessão. O mercado de trabalho ainda não deu sinais de recuperação e a taxa de desocupação, que estava abaixo de 5% antes da crise, deve fechar 2010 em torno de 10%. Os críticos estimam em mais de 30 milhões de pessoas o número de desempregados e subempregados nos EUA.
De efeito a causa
Alavancado pela crise, o desemprego realimenta a recessão e de efeito passa à condição de causa da queda da produção, evidenciando as contradições que acompanham e caracterizam o modo de produção e reprodução do capital. Sem emprego, o trabalhador não só deixa de produzir, respaldando a recessão. Ao perder a fonte de renda, também reduz forçosamente o nível de consumo. Com isto, joga lenha na fogueira do que Karl Marx e outros economistas caracterizaram de superprodução relativa.
A superprodução ocorre quando as mercadorias produzidas pelos trabalhadores não encontra compradores e encalham nas prateleiras das lojas, nos pátios ou, ainda, nos terrenos usados para construção. Quando o capital investido nas empresas não se realiza através da venda, a produção cai ou mesmo cessa.
Aberração
No caso dos EUA, a taxa de consumo responde por 70% do PIB, o que não deixa de ser uma aberração provocada pelo parasitismo econômico. De todo modo, quando uma massa de milhões de assalariados é expulsa do mercado consumidor pela recessão o resultado imediato é o agravamento da crise. Isto é hoje visível no ramo imobiliário.
Especialistas afirmam que o número de despejos nos Estados Unidos em 2010 deve superar a marca de 1 milhão. O novo contingente de sem-tetos, que não parou de crescer durante a crise, é formado basicamente por trabalhadores e trabalhadoras que perderam o emprego.
Recuperação? Só dos lucros
O governo pouco tem feito para aplacar o sofrimento das famílias operárias, o que explica o avanço do desemprego e dos despejos. É notável o contraste com o apoio do Estado capitalista aos bancos e banqueiros, contemplados com trilhões de dólares para contornar a falência. É por isto que, enquanto os apologistas do capital financeiro celebram a recuperação (das ações e dos lucros empresariais) a maioria do povo acredita que a recessão não só não foi vencida como está piorando. Do ponto de vista do capital financeiro, a recuperação (dos lucros) pode ser um fato, mas para a classe trabalhadora, castigada pelo desemprego e pelos despejos, a sensação é bem diferente.
O comportamento do mercado imobiliário é particularmente preocupante. Os gastos associados à construção civil, incluindo mobiliário, corresponderam a cerca de 15% do PIB estadunidense no segundo trimestre deste ano, de acordo com informações da Moody´s Analytics à agência de notícias Bloomberg.
Paradoxo
Nos anos em que a bolha imobiliária estava em ascensão (2000 a 2005), com os preços dos imóveis subindo às nuvens provocando o “efeito riqueza”, os proprietários refinanciaram suas hipotecas e usaram o dinheiro para comprar carros e outros bens de consumo. Desta forma, o boom da construção civil contribuiu fortemente para a expansão geral do consumo. Com a chamada crise do subprime, os preços dos imóveis desabaram a partir de 2006, precipitando a recessão.
As moradias retomadas ou inadimplentes que acabarão sendo colocadas à venda somavam 7,3 milhões no primeiro trimestre do ano, segundo Laurie Goodman, analista da Amherst Securities de Nova York, corretora de títulos hipotecários entrevistada pela Bloomberg. Transparece aí uma contradição típica do capitalismo: milhões de sem-tetos em confronto com milhões de residências vazias ou ociosas, aguardando compradores. Fica claro que o objetivo da produção no sistema não é o consumo, mas o lucro, razão maior das crises de superprodução.
As vendas de casas antigas diminuíram expressivamente também em função do fim de um crédito tributário para o comprador de imóvel concedido pelo governo Obama, mas paradoxalmente os preços das moradias continuam em alta, conforme a Associação Nacional de Corretores de Imóveis dos EUA (NAR, na sigla em inglês).
Nova ordem mundial
A economia norte-americana padece de fortes desequilíbrios e vive um processo histórico de declínio cuja contrapartida é a ascensão vertiginosa da China, que já é a primeira do mundo em exportação de mercadorias e se cacifa agora como grande investidora internacional.
A (lenta) queda do império está associada à baixa taxa de poupança e ao gigantesco parasitismo de Tio Sam, refletido na chocante dependência de capitais estrangeiros para financiar o apetite aparentemente insaciável por produtos importados. A crise impulsiona o desenvolvimento desigual das nações, favorecendo (até agora) a China e outros emergentes, e reforça, com isto, a necessidade de organizar uma nova ordem econômica e política mundial, na qual o papel do dólar e dos EUA certamente já não será o mesmo.