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Osvaldo Bertolino: o X-tudo da mídia golpista

Parece haver nas ações da direita brasileira de hoje cada vez mais coisas entre o céu, onde está a imaginação, e a terra, onde se vive a realidade, do que sonha a nossa vã filosofia. Pelas melhores regras do que se considera ser a ciência política, pela sabedoria acumulada nas academias e até pelas experiências do passado, tais e tais causas deveriam gerar tais e tais efeitos; desta ou daquela situação teria de resultar esta ou aquela conseqüência.

Por Osvaldo Bertolino

Mas não tem sido assim. Isso se deve à mais interessante inovação que a direita trouxe para o debate político: o Departamento de Gerência de Falsidades e Mentiras. Ou seja: a mídia.

É o que acontece agora com os factoides criados por algumas figuras teatrais e patéticas que tentam relançar o espetáculo circense do “mensalão” — esquema de captação de recursos para campanhas eleitorais por meio de “caixa dois” criado pela malta de corruptos que dominou a “era FHC”. O fato é que “o caso das violações” está ficando velho e um novo ato precisa ser encenado.

Surge, então, o “caso da Casa Civil”. O circo não pode parar. Esses “casos”, examinados de perto, mostram que, como na parábola do camelo da Bíblia, não levam nenhum dos acusadores a entrar no reino dos céus — ou, até, em lugares onde o ingresso exige méritos muito mais modestos.

O bicho teria menos trabalho para passar pelo buraco de uma agulha do que um desses acusadores para ser abrigado na morada dos justos. A calamitosa seqüência de truques para justificar as acusações que pesam contra as vítimas dessa execração pública inescrupulosa é uma prática que faz primeiro o sujeito perder a pose, depois o respeito e por fim qualquer condição de continuar falando em moral, ética e bons costumes. Mas nada disso parece incomodar os acusadores. É aí que reside a natureza didática do caso: eles se repetem tanto que acabam se tornando uns chatos, uns tolos.

Guerra do Vietnã

Nos países onde se vive sob a proteção das leis, o Poder Judiciário funciona como uma garantia para os cidadãos. Sua ação gera um ambiente de tranqüilidade, a expectativa de ordem e o conforto de saber que as decisões serão tomadas sempre de acordo com as mesmas praxes e critérios.

No Brasil, a mídia quer transformar essa vertente democrática em um fator de tumulto. Seus mandantes a todo momento interferem nos atos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Eles invalidam leis que o Congresso aprovou, inventam regras novas no meio do jogo e decidem o que a Constituição quis ou não quis dizer a cada artigo.

A “comentarista” da rádio CBN Lúcia Hipólito, por exemplo, já avisou que a punição ao “escândalo da Casa Civil” tem de ser ”razoável”. O que será que ela e seus iguais consideram ”razoável”? Vai ser preciso adivinhar, ou perguntar a eles, ou, quem sabe, pedir que escrevam eles próprios novas leis para o país.

Se perguntados o que pretendem fazer, suas respostas certamente serão parecidas com aquela célebre explicação dada por um oficial norte-americano, durante a Guerra do Vietnã, após pulverizar uma aldeia acusada de abrigar guerrilheiros comunistas: ”Para salvar a aldeia, tivemos de destruí-la.”

O Brasil, como já se disse mais de uma vez, tem um dos piores sistemas de mídia do mundo — possivelmente o pior. Não é ruim o suficiente, porém, para as necessidades dos manda-chuvas de sempre — e mesmo de algumas personalidades do mundo político que se imaginam do mundo das artes cínicas… ops, cênicas — , que sempre combinam entre si uma tramóia para torná-lo ainda pior do que já é. Trata-se de uma manobra para retirar do eleitor, ou reduzir pela metade, o seu direito de escolher os nomes das autoridades públicas que gostaria de eleger.

Isso explica porque esses factoides são uma espécie de X-tudo. São enfiados ali, à medida que vão sendo encontrados, os ingredientes mais diversos e disparatados entre si — qualquer coisa serve, desde que faça volume. Entram “denúncias” requentadas, “denúncias” que estão paradas há tempos e “denúncias” que talvez um parlamentar oportunista faça algum dia. Nesse vale-tudo, a mídia vai se revelando como de fato ela é — uma máfia. O problema é que nada disso abala a credibilidade do governo e da candidata Dilma entre o povão.

Galinheiro

Pouca coisa, em resumo, está saindo como eles esperavam que saísse. Que razões haveria para isso tudo? Quando se coloca a pergunta, as respostas começam com um ”veja bem” — e a partir daí não se vê mais nada com clareza. Na melhor das hipóteses, seguem-se explicações que desvendam só um pedaço da charada.

Na maioria das vezes, o que se tem são análises difíceis de entender, defeituosas na lógica, contrárias aos fatos ou tudo isso ao mesmo tempo. Ao fim e ao cabo, fica-se na mesma. É um mistério, como a feira de Acari.

O Brasil está com um problema sério em sua democracia. Ele se chama ”comportamento da mídia”. Já existem fatos concretos para medir o tamanho deste problema — o que leva a duas certezas. A primeira é que ele não vai sumir do mapa político brasileiro tão cedo. A segunda é que dessa semente só vai germinar coisa ruim.

Já vemos uma crescente perturbação do ambiente democrático do país. Num momento em que potenciais infratores do Código Penal — como a revista Veja — tentam dar o tom à atividade política do país, é preciso considerar a intenção expressa por Dilma de ampliar os direitos do cidadão.

A experiência aconselha a dar atenção quando os chefes de Estado ou de governo querem ampliar os direitos públicos. Quem fala em ampliar direitos está dizendo que quer mexer neles — e quando se mexe em direitos muitas vezes eles acabam ficando menores para alguns para ficarem maiores para outros. Isso explica, de forma cabal, a essência da recorrente crise política brasileira. Ou seja: os métodos que as raposas utilizam na luta para retomar a chave do galinheiro.