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Arrocho fiscal na Inglaterra condena 500 mil ao desemprego

Pretexto do pacote é conter déficit público recorde; serviço público deve perder 500 mil postos de trabalho até 2015.

O governo da Grã-Bretanha anunciou nesta quarta-feira (20) o maior pacote de cortes de gastos públicos desde a Segunda Guerra Mundial. O objetivo proclamado pelos líderes conservadores que administram o país é combater o crescente déficit público, mas a oposição aponta motivos ideológicos.

As medidas, anunciadas pelo ministro das Finanças, George Osborne, no Parlamento, afetam todas as áreas do governo, incluindo saúde, bem-estar social, transporte e segurança pública.

Trabalhador paga o pato

A classe trabalhadora será a principal vítima do ajuste, que prevê cortes de 7 bilhões de libras (cerca de R$ 18,7 bilhões) em gastos com benefícios sociais, o enxugamento de 4% ao ano no financiamento à segurança pública e 8% de cortes no orçamento de Defesa nos próximos cinco anos.

Serão cortados em média 19% dos orçamentos dos departamentos do governo, o que deve provocar o fechamento de 490 mil postos de trabalho no serviço público até 2015. Nos próximos quatro anos, os cortes devem chegar a 83 bilhões de libras (cerca de R$ 220 bilhões). Também devem ser elevados impostos para aumentar a arrecadação em 29 bilhões de libras (cerca de R$ 77 bilhões).

A Grã-Bretanha tem hoje o maior déficit público de sua história, de mais de 150 bilhões de libras (cerca de R$ 398 bilhões). Isso equivale a 11% do PIB do país, o mais alto déficit estrutural entre todos os países europeus, segundo Osborne. A dívida pública cresceu em setembro para 57,2% do PIB. Um ano antes esta relação era de 49%.

Pacote polêmico

Obviamente, o pacote é polêmico. Os conservadores esgrimem o pretexto da crise fiscal, mas a oposição acusa o governo de agir ideologicamente, para promover um enxugamento do Estado e de ameaçar jogar a economia britânica de volta à recessão.

A injustiça social implícita no pacote é flagrante. O déficit subiu na esteira da crise financeira internacional em consequência da ajuda bilionária que o governo concedeu aos bancos para resgatá-los da falência. Os gastos públicos explodiram e agora os conservadores apresentam a conta ao povo trabalhador, enquanto o Estado se obriga a pagar bilhões em juros da dívida acrescida pelo socorro aos banqueiros.

Osborne admitiu que os cortes seguem as recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI) e contam com o apoio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE) e pelo Banco da Inglaterra (banco central britânico).

O arrocho fiscal estava desenhado desde as eleições britânicas de maio, que resultaram na derrocada do Partido Trabalhista e em um governo de coalizão entre o Partido Conservador e o Partido Liberal Democrata. Os conservadores fizeram campanha com a bandeira de tomar uma “ação urgente” para equilibrar as contas públicas.

Logo após tomar posse, o governo já havia anunciado, como “ação urgente”, cortes de mais de 6 bilhões de libras (cerca de R$ 16 bilhões) já neste ano fiscal. O governo argumenta que os cortes reduzirão a proporção da dívida pública acumulada em relação ao PIB e deixarão tanto o déficit público como a dívida em níveis menores e mais sustentáveis.

Recessão

Durante debate no Parlamento antes do anúncio dos cortes, o líder dos trabalhistas, Ed Miliband, acusou o primeiro-ministro, David Cameron, de “fazer uma aposta irresponsável” com o crescimento, os empregos e as vidas de uma geração de britânicos.

Em linha com o que está ocorrendo no resto da Europa, o arrocho fiscal promovido pelos conservadores britânicos vai deprimir o consumo, reduzir o emprego e obstruir a recuperação da economia, que pode mergulhar novamente na recessão.

Com base em cálculos do FMI, o jornalista Martin Wolf, editor do Financial Times, estima que o arrocho fiscal anunciado pelos conservadores ingleses pode provocar uma queda de 4% do PIB. Não é pouco.

“Primeiro, uma consolidação orçamentária de 1% do PIB tende a reduzir a demanda interna real em 1% e o PIB em 0,5% num curso de dois anos”, argumenta Wolf no artigo Reino Unido e EUA em rotas diferentes (alusão ao fato de que os EUA estão ampliando os gastos públicos e inundando o mundo de dólares, deflagrando uma verdadeira guerra cambial). “Se assim for”, conclui, “a consolidação no Reino Unido reduziria a demanda real – tudo o mais suposto constante -, num total de 8% e o PIB em 4%”.

Saúde e educação protegidas

As áreas de saúde e educação serão protegidas, a julgar pelas informações do governo. O orçamento do Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla em inglês), deve contar com 2 bilhões extra para assistência social. Os conservadores também prometeram aumentar o orçamento de escola todos os anos até 2015.

Implantado após a Segunda Guerra, o sistema público de saúde britânico (gratuito e reconhecido como um dos mais eficientes do mundo) parece ser uma conquista tão consagrada que nem a direita tem coragem de mexer. Quanto à educação, é considerada atualmente com muita razão como um fator essencial para o desenvolvimento e a competitividade da economia. Só por isto foi preservada.

Alvo de fortes críticas da oposição, o arrocho fiscal também deve despertar indignação e revolta na classe trabalhadora, especialmente (mas não só) no setor público. Esta vai amargar o desemprego decorrente da provável recessão e também o aumento da idade de aposentadoria de 65 para 66 anos a partir de 2020.

Confira os números do arrocho fiscal

                • Cerca de 490 mil postos de trabalho serão destruídos no setor público e o número total de demitidos pode ultrapassar 1 milhão
                • Redução de 19% nos orçamentos de setores do governo nos próximos quatro anos
                • 7 bilhões de libras em cortes adicionais em benefícios sociais
                • Orçamento da polícia reduzido em 4% ao ano
                • Idade de aposentadoria aumentará de 65 para 66 a partir de 2020

Com agências