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O G20 e a “guerra cambial” dos Estados Unidos contra a China

De acordo com informações publicadas segunda-feira (8) pelo jornal Valor, os Estados Unidos querem que o G20 assuma compromisso com uma “banda indicativa” para déficits ou superávits em conta corrente, restringindo-os a 4% do PIB. O pretexto é combater os desequilíbrios da chamada economia mundial, mas o alvo do império é a China, cujo crescimento a uma velocidade cinco vezes superior à das potências ocidentais é percebido como uma ameaça intolerável à hegemonia de Tio Sam.

Por Umberto Martins

A ideia já tinha sido insinuada dias atrás, mas foi fortemente bombardeada não só pela China e outros “emergentes”, entre eles Brasil e Índia, como principalmente pela Alemanha, que exibe um saldo positivo em transações correntes equivalente a 6,1% do seu PIB.

Artimanha

Washington refez a proposta original para livrar a cara da Alemanha e tentar obter o apoio dos europeus. Desta vez, conforme o jornalista Assis Moreira, do Valor, “membros de uma união monetária teriam suas políticas cambial e monetária examinadas coletivamente”. Como a zona do euro, em conjunto, fecha a conta externa com déficit de 0,4%, os alemães não teriam porque se preocupar com o “ajuste”. 

“Ou seja”, constata Moreira, “não é o superávit de 6,1% do PIB nas contas correntes da Alemanha que seria avaliado, para examinar o impacto no comércio internacional, e sim o déficit de 0,4% da zona do euro, que está em plena convergência na banda proposta pelos americanos. Na prática, a ´banda´ de 4% exigirá da China, com superávit de 4,7% nas contas correntes, que altere políticas na área cambial, faça cortes no orçamento e altere regulações e impostos, para reduzi-los.”

Trata-se de uma artimanha com o nítido propósito de isolar a China e forçá-la a bancar, sozinha, o ônus da correção dos desequilíbrios econômicos internacionais. Pela proposta, o país que acumular superávit superior a 4% do PIB será submetido a quotas de exportações e terá de tomar medidas para reduzir as vendas no exterior, ampliar o consumo interno e valorizar a moeda.

Multilateralismo de conveniência

É pouco provável que a sugestão dos EUA prospere em Seul, mesmo porque a maioria já se deu conta de que a responsabilidade maior pela chamada guerra cambial deve ser atribuída à potência hegemônica, que pratica um unilateralismo descarado (não só na política econômica) e advoga, sempre que lhe interessa, um multilateralismo de conveniência. É o que se vê no G20.

As autoridades estadunidenses fizeram ouvidos moucos ao clamor internacional contra a recente decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central do país) de imprimir 600 bilhões de dólares para comprar títulos do Tesouro, mesmo conscientes de que um volume expressivo desses recursos fluirá para as economias “emergentes”, acentuando a inflação mundial do dólar, os desequilíbrios globais e os conflitos cambiais.

Crise do padrão dólar

No fundo, os já famosos desequilíbrios, traduzidos em déficits colossais (que têm por contrapartida os superávits da China, Alemanha e Japão, entre outros), refletem o crescente parasitismo de Tio Sam, que vive além dos próprios meios e cultiva uma assustadora necessidade de financiamento externo. Não se logrará corrigi-los sem reduzir o consumo de importados, aumentar as exportações e a taxa de poupança interna dos EUA. Tudo isto passa pela depreciação do dólar, como reconhecem muitos economistas.

O alarido do império contra o superávit chinês pouco ou nada tem a ver com preocupações sobre o destino da economia internacional, o equilíbrio nas relações entre as nações ou o tão falado multilateralismo. É motivado, antes, por receios com a ascensão da China, nos marcos de um desenvolvimento desigual que alterou a geografia econômica do mundo e despertou a necessidade objetiva de uma nova ordem (ou governança) global, o que certamente coloca em xeque a hegemonia dos EUA e a supremacia do dólar. É imperioso deter o avanço chinês para preservar a própria hegemonia.

A guerra cambial não é mais do que um novo intrigante capítulo da crise do sistema capitalista e da ordem imperialista, com potencial para se desdobrar em guerra comercial e em conflitos internacionais mais sérios. O uso e abuso da posição especial que o dólar ocupa nas transações econômicas internacionais por parte das autoridades estadunidenses, que estão se lixando para o resto do mundo e continuam semeando instabilidade nos mercados de moeda e tumultuando o comércio exterior, mostra que o nosso precário planeta necessita com certa urgência de um novo arranjo monetário. Enquanto não forem tomadas iniciativas mais ousadas neste sentido, continuaremos assistindo a novela da crise do padrão dólar.