BBC acusa três dirigentes da Fifa de receber propinas
O brasileiro Ricardo Teixeira, o paraguaio Nicolas Leoz e Issa Hayatou, de Camarões, teriam recebido pagamentos de empresa suíça de marketing esportivo nos anos 90.
Publicado 29/11/2010 19:48
Três dirigentes da Fifa que votarão nas candidaturas para as Copas do Mundo de 2018 e 2022, entre eles o brasileiro Ricardo Teixeira, receberam propinas durante a década de 1990, segundo reportagem do programa de TV Panorama, da BBC.
O programa alega que o paraguaio Nicolas Leoz, o camaronês Issa Hayatou e o presidente da Confederação Brasileira de Futebol receberam dinheiro de uma empresa de marketing esportivo que ganhou os direitos de comercialização da Copa do Mundo.
As supostas propinas estão incluídas em um documento confidencial que lista 175 pagamentos, totalizando US$ 100 milhões. Nenhum dos três dirigentes respondeu às alegações do Panorama. A Fifa, entidade que dirige o futebol mundial, também negou pedidos de entrevistas para discutir as acusações.
O Panorama, transmitido nesta segunda-feira na Grã-Bretanha, traz ainda evidências do atual envolvimento de um quarto alto dirigente da Fifa na revenda de ingressos da Copa do Mundo para agenciadores.
A BBC foi criticada pelo primeiro-ministro britânico, David Cameron, por ter decidido levar o programa ao ar nesta semana, três dias antes da votação do Comitê Executivo que escolherá as sedes dos Mundiais de 2018 e 2022. A Inglaterra compete com a Rússia, Portugal/Espanha e Holanda/Bélgica para sediar a Copa de 2018.
A BBC defendeu o momento de transmissão do Panorama, dizendo que as informações divulgadas são de interesse público.
Empresa suíça
Segundo o Panorama, as propinas foram pagas aos membros do comitê executivo da Fifa pela empresa de marketing esportivo ISL (International Sports and Leisure) em 1989 e 1990. A empresa faliu em 2001.
A Fifa havia concedido à ISL direitos exclusivos para comercializar torneios da Copa do Mundo junto a algumas das maiores marcas do mundo. A empresa suíça recebeu ainda grandes quantias pela negociação de direitos de transmissão para a televisão.
Um ex-contador da ISL, Roland Buechel, disse que funcionários da empresa suspeitam há tempos que propinas haviam sido pagas para a obtenção dos lucrativos contratos da Fifa.
“É muito dinheiro, bilhões, que podem ser ganhos, e todas as empresas de marketing esportivo competem por eles", disse Buechel.
Alguns detalhes das alegadas propinas emergiram em 2008, quando seis dirigentes da ISL foram acusados de uso irregular de dinheiro da empresa.
Empresa de fachada
O paraguaio Nicolas Leoz, presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol, já foi citado em processos anteriores com relação a pagamentos que totalizam US$ 130 mil.
Mas o Panorama obteve um documento confidencial da ISL que lista 175 pagamentos secretos. Eles mostram que Leoz recebeu outros US$ 600 mil em três parcelas de US$ 200 mil. Leoz não respondeu a pedidos para comentar as acusações.
Ricardo Teixeira é o segundo dirigente da Fifa citado pelo programa. O presidente da CBF é responsável pela organização da Copa do Mundo de 2014, no Brasil.
A lista de pagamentos da ISL mostra que uma empresa de fachada em Liechtenstein, chamada Sanud, recebeu 21 pagamentos que totalizam US$ 9,5 milhões.
Uma investigação do Senado brasileiro em 2001 concluiu que Teixeira tinha uma relação muito próxima com a empresa. O inquérito descobriu que fundos da Sanud haviam sido secretamente desviados para Teixeira por meio de uma de suas companhias. Teixeira também não respondeu aos pedidos do Panorama para que comentasse as alegações.
A lista obtida pelo Panorama também inclui detalhes sobre os 100 mil francos (cerca de US$ 20 mil) pagos a Issa Hayatou, o vice-presidente da Fifa representando as nações africanas. Assim como os outros dois acusados, Hayatou também não respondeu às acusações.
Blatter
O presidente da Fifa, Sepp Blatter, disse por meio de um comunicado que o processo de 2008 já absolveu claramente os ex-dirigentes da ISL. Ele disse que "é importante salientar que nenhum dirigente da Fifa foi acusado de nenhuma infração criminal nestes procedimentos". Os destinatários da maior parte do dinheiro pago pela ISL para contas em Liechtenstein não foram rastreados.
As últimas alegações de irregularidades cometidas por executivos da Fifa ocorrem após dois dos 24 membros do seu comitê terem sido proibidos, no mês passado, de votar na eleição de quinta-feira para as sedes das próximas Copas do Mundo.
As proibições ocorreram após o jornal britânico The Sunday Times ter acusado Amos Adamu e Reynald Temarii de terem a intenção de vender seus votos. Críticos da Fifa afirmam que as denúncias mostram ser necessária uma investigação completa sobre o caso.
"A Inglaterra desempenharia um papel melhor se insistisse na reforma da Fifa, para tornar a Fifa mais transparente, mais responsável, em vez de bajular a Fifa para conseguir sediar a Copa do Mundo", disse David Mellor, responsável por investigações sobre os rumos do futebol no país durante o governo Tony Blair.
Mercado paralelo
Um quarto executivo da Fifa é citado pelo Panorama. Seu nome é Jack Warner, de Trinidad e Tobago, um dos vice-presidentes da entidade. O Panorama diz ter visto e-mails e uma fatura que mostram o envolvimento de Warner na aquisição de ingressos para a Copa de 2010 avaliados em US$ 84 mil.
Os destinos dos e-mails sugerem que os ingressos estariam destinados ao mercado paralelo. Mas o negócio planejado, incluindo 38 ingressos para a final em Johanesburgo, fracassaram porque os cambistas não queriam pagar o preço pedido. Em 2006, o Panorama revelou que Warner vendeu ingressos no mercado paralelo para a Copa daquele ano na Alemanha.
A Fifa subsequentemente ordenou que a empresa da família de Warner, a Simpaul Ravel, fizesse uma doação de US$ 1 milhão para caridade para "compensar pelos lucros obtidos com a venda de ingressos para a Copa de 2006".
Em uma recente entrevista coletiva, Blatter foi questionado sobre novas acusações contra Warner, feitas por um jornalista norueguês que divulgou a história envolvendo e-mails. Blatter respondeu que "quando isso for de nosso conhecimento, por meios oficiais, ou canais oficiais, então naturalmente vamos examinar".
A assessoria de imprensa da Fifa, quando questionada pelo jornalista norueguês ao que Blatter se referia ao mencionar "canais oficiais", teria respondido: "Não temos a menor ideia".
Com agências