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A direita na Europa: fronteiras móveis

Desde os anos 80, a direita na Europa tenta apresentar-se como algo moderno para a população.

Por Karin Priester

A nova receita do sucesso, com a qual ela tenta livrar-se do estigma de formar partidos sempre marginalizados, apoia-se em uma hostilidade de caráter étnico-nacionalista aos emigrantes e na mistura de uma retórica anti-sistêmica e anti-establishment – no segundo caso, o seu discurso volta-se apenas contra o que consideram uma elite política oligárquica, não colocando em questão o conjunto do sistema. A tentativa é fomentar o protesto político e impedir o estigma de organizações anti-democráticas.

O racismo biológico é considerado pela maior parte da direita como algo superado. Ela agora prefere trabalhar com a idéia da existência de diferenças insuperáveis entre etnias, que deveriam permanecer separadas em um Apartheid global. Nesse sentido, ela prefere usar o termo pluralismo étnico que soa como sendo algo mais moderno. Mas não só isso.

Como a direita européia vem tentado articular a questão social com a "preferência nacional" ?

Desde os anos 60, com certo atraso na Itália e na França, a extrema- direita vem aproveitando-se do fenômeno chamado de "class dealignment" (algo que procura designar um desligamento de classe social), a separação de uma situação social original, e os decorrentes efeitos sobre o comportamento político e eleitoral. Isso tem feito com que a direita consiga inclusive penetrar em áreas antes identificadas com a esquerda – trabalhadores, desempregados, etc.

Nos anos noventa, com a globalização, a desregulamentação e o neoliberalismo, a direita além de dirigir-se principalmente aos "aplicados e esforçados" da classe média, voltou-se também para o "zé-ninguém", pois os problemas sociais agravaram-se.

Na Alemanha, o partido neonazista NPD declara em seu programa: "A globalização significa desemprego, arrocho salarial, desmonte das conquistas sociais, destruição da natureza e doença."

Na França, a Frente Nacional do direitista Le Pen explorou até o limite um discurso apenas nacionalista, mas se isso lhe garantiu em 1997, 14,95% dos votos, em 2007 reduziu-se a apenas 4,5%. Isto é, a pura retórica contra a emigração deixou de ser elemento suficiente para um bom resultado eleitoral.

Le Pen reformulou seu discurso: ele passou a dirigir-se não apenas aos "autóctones" (em francês, français de souche), como também ao eleitorado de origem emigrante. No Comitê Executivo do Comitê Central da Frente Nacional participam dois franceses de cor e um de origem árabe. Na Grã-Bretanha, o BNP tem a maioria de seus membros em áreas desindustrializadas e entre a população branca dos bairros multiétnicos. Frenquentemente, trata-se de antigos eleitores do Partido Trabalhista.

Também na Itália, a Lega Norte conseguiu beneficiar-se do descontentamento de muitos trabalhadores do norte do país. E partidos ainda mais à direita, como a Forza Nuova, procuram apresentar-se como uma espécie de advogado do "zé-ninguém", embora muitos deles sequer interessem-se por eleições, ou mesmo pela política em geral.

Já no Leste Europeu, o exemplo mais evidente desse processo envolvendo a direita talvez seja a Hungria: o partido de extrema-direita Jobbik (Movimento por uma Hungria melhor) aproveitou-se não apenas do protesto contra a liberalização, a privatização e a redução dos direitos sociais, como também do trauma nacional causado pela perda de regiões do país após a Primeira Guerra Mundial.

Recrutando trabalhadores especializados e estudantes, e implantando-se em áreas menos favorecidas do país, o Jobbik conseguiu 16,7% dos votos para o parlamento em abril desse ano, tornando-se a terceira força política local.

Tal como no passado a direita procura se organizar internacionalmente. Se antes havia, entre Berlim e Tóquio, o Pacto contra a Internacional Comunista, mais recentemente, sobretudo após a entrada no Parlamento Europeu de deputados de direita e de ultra-direita, em meados dos anos 80, realizam-se esforços no sentido da coordenação internacional da atividade direitista.

A última grande iniciativa deu-se em 2009 com a criação, na cidade de Budapeste, da "Aliança dos movimentos nacionais europeus", impulsionada pela Frente Nacional francesa e o partido húngaro Jobbik. Essa aliança empenha-se agora em ser reconhecida como um partido europeu.

Para as novas gerações dos direitistas, as formas de organização mais fluídas e livres – nacionalistas autônomos, grupos de camaradas, etc -, são preferidas no lugar de uma militância partidária. Também nesse terreno, ocorrem mudanças: em vez de hierarquias de comando claramente definido, um agrupamento não hierárquico, policêntrico e não dependente de um único líder. E a exemplo do movimento da direita americana (Tea Party), os partidos direitistas europeus também atraem mílicias, grupos patrióticos chauvinistas e mesmo seitas que ainda pregam a superioridade das populações brancas sobre as demais.

O cimento ideológico da direita é o darwinismo social, entendido como uma ideologia da supremacia natural do forte perante o fraco, da elite frente a massa. Além de criticarem o "culto da igualdade", os partidos europeus de direita elegem como alvo central de seu ataque o islamismo, considerado por eles como o novo grande inimigo.

Nesse sentido, a direita européia encontra-se perante um dilema: caso se volte muito contra o islamismo para ganhar novos eleitores, ela pode perder a sua identidade enquanto bastião da "resistência nacional" na luta contra alguns valores ocidentais negativos e identificados com o capitalismo. É preciso lembrar que o partido nazista de Hitler levava no nome oficial o adjetivo socialista.

Hoje alguns de seus seguidores continuam empunhando bandeiras sociais e criticando as mazelas capitalistas. Mas, no caso do desemprego por exemplo, a causa é identificada na presença de muitos emigrantes na Europa. O mesmo ocorrendo com a criminalidade, sobretudo a juvenil. E com esse discurso, a direita vai ampliando a sua influência nos setores da classe média, inseguros em relação ao seu futuro. A chamada "luta entre culturas" também é tema da propaganda direitista, mesmo que seja acentuada de forma diferente por esses partidos.

Muita coisa ainda não está definida na situação européia atual. De todo modo, após o esforço étnico-pluralista de modernização dos anos 80, a direita européia empenha-se em uma nova tentativa de atualização sob o manto da luta contra o islamismo.

Fonte: Aus Politik und Zeitgeschichte. Tradução do alemão de Luciano C. Martorano