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Eline Jonas: O novo milênio é nosso

Em artigo, a diretora da União Brasileira de Mulheres (UBM) Eline Jonas, apresenta os dados alarmantes sobre o quadro de violência contra as mulheres no Brasil, em suas variadas formas, e em seguida apresenta os avanços recentes de políticas públicas para as mulheres e pauta os principais desafios a serem enfrentados pelo governo Dilma Rousseff, que marcará a história por ser a primeira vez que a Presidência da República será conduzida por uma mulher no Brasil.

Vamos construir nossa emancipação! No Brasil. Na America Latina. No Mundo.

Por Eline Jonas*

Os fatos

A violência provoca lesões no corpo e na alma das mulheres. Afeta os filhos, familiares, as outras mulheres e a sociedade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a violência doméstica como um problema de saúde pública, pois afeta a integridade física e a saúde mental das mulheres. Esta é a cara da violência no Brasil:

Ameaças e lesões corporais foram os principais crimes denunciados a Central de atendimento à violência da SPM – Ligue 180. Os dois crimes juntos representaram cerca de 70% das ligações. No total, o Ligue 180 registrou de 2006 a 2010 a cifra de um milhão de atendimentos. Em 2010 de janeiro a junho foram registrados 343.063 atendimentos de denuncias sobre casos de violência. Desses, 14,7% (ex-namorado ou ex-companheiro; 72,1% delas convive com o agressor diariamente; 50% delas declararam correr risco de morte ; 68% afirmaram que os filhos também foram submetidos à violência e nos últimos 5 anos foram 34.000 denuncias de violência ocorrida entre casais homoafetivos.

Em quatro anos de atividade, a Central atendeu 371.537 pedidos de informações sobre a Lei Maria da Penha, sendo que, desses, 67.040 somente nos seis primeiros meses deste ano. Esses dados nos assustam e constrangem pois trata-se de uma realidade que afeta a dignidade da metade mulher que é guerreira na luta cotidiana para a sobrevivência e produtora da riqueza de nosso país.

Mulheres e desenvolvimento

A discriminação e a violência contra as mulheres reduzem a produtividade de quase metade da população mundial. Um em cada cinco dias de falta de mulheres ao trabalho decorrente da violência doméstica. Fato que causa impacto emocional afetando a auto-estima das mulheres além do impacto econômico negativo inclusive nos gastos dos serviços públicos de saúde. Denuncie a violência. Está na Lei!!

Apesar da maior participação das mulheres no mundo do trabalho ainda persiste a discriminação por aparência; a segmentação das profissões por sexo, salários inferiores para as mulheres no mesmo tipo de trabalho, o assedio sexual e moral e a divisão desigual das responsabilidades com a família e trabalho domestico com maior responsabilidade gerando uma sobrecarga para a mulher. Denunciar a discriminação e a violência no trabalho faz parte da construção da emancipação e autonomia das mulheres.

Quase dois bilhões de mulheres, não têm seu potencial profissional aproveitado pela falta ou dificuldade de acesso à educação, saúde, justiça. Exigir os direitos humanos das mulheres e o pleno exercício da cidadania.

Violência sexual

O número de mulheres infectadas pelo vírus da Aids vem aumentando mais que o número de homens.

Isso porque a violência doméstica e sexual contra mulheres e meninas aumenta o medo de negociar o uso da camisinha. Isso, o preconceito e a falta de informação são fatores determinantes no aumento de casos. Essa situação pode mudar com uma política eficiente de saúde pública dos governos, mas principalmente com a consciência de todas as pessoas sobre a importância do sexo seguro.

A mulher que sofre agressão física, psicológica ou sexual fica tão humilhada, machucada, amedrontada, que não vê saída. Ela pensa que não vai ter forças para enfrentar o agressor, que não vai receber apoio de ninguém, que não será feliz de novo… não isso, não aquilo! É tanto “não” que a gente só tem uma coisa a dizer pra ela: SIM ! Dá para mudar essa história, você não está sozinha.

Homens pelo fim da violência contra as mulheres

É certo que há homens que agridem e violentam mulheres. Porém, existe um número bem maior de homens que não cometem esse tipo de violência, não aceitam, condenam e querem o seu fim. É preciso romper o silêncio e unir esforços. 6 de dezembro é do dia nacional de luta dos homens pelo fim da violência contra as mulheres.

A história de não meter a colher em briga de marido e mulher não existe mais! Qualquer pessoa pode e deve denunciar uma situação de violência que tenha presenciado.

Politicas públicas: compromisso com as mulheres e com o Brasil

Em nível internacional as evidencias apontam que aquelas sociedades que adotam a abordagem integralizada sobre a violência e onde existe um dispositivo de articulação com os diferentes setores do poder publico e destes com a sociedade civil houve uma redução da violência de gênero.

No Brasil, o compromisso político de parlamentares e do governo federal imprimiu um olhar e ações específicas voltadas para as mulheres em vários aspectos. Dentre eles, o que trata da violência com duas medidas importantes:

Em 2006 foi aprovada a Lei Maria da Penha cuja diretriz é a de garantir para as mulheres uma vida sem violência com direito de fazer suas próprias escolhas como cidadãs. Essa lei tem também um efeito simbólico de chamar a atenção da sociedade para o fenômeno da violência à mulher, até então desconsiderada e escondida em quatro paredes e. a 2ª medida, em 2007, consistiu no Pacto Nacional de enfrentamento à Violencia que desde 2008 já foi assumido por 23 Estados brasileiros. Trata-se da possibilidade de desenvolver estratégias com medidas articuladas entre Legislativo, Judiciário e Governos Federal, Estaduais e Municipais no enfrentamento à violência.

No entanto, essas políticas devem ser implementadas em sua integralidade com o suporte do poder publico e com a garantia do compromisso dos gestores, e nós, movimento social popular e sindical devemos fiscalizar sua aplicação, pois sabemos que, ainda quando as mulheres têm a coragem de denunciar a agressão, em muitos casos não encontram respostas do serviço público.

Uma Presidenta do Brasil e o compromisso com as mulheres

Passados 80 anos da conquista do voto feminino elegemos a primeira presidenta do Brasil. Isso significa um novo marco para o país. As mulheres brasileiras estão mais empoderadas, com a auto-estima fortalecida e certamente mais encorajadas para denunciar a violência e ousar novas conquistas para vivenciar a cidadania plena.

Isso reforça o espírito de luta das mulheres brasileiras por novos espaços e uma referencia importante para a expectativa de que teremos um olhar especial para a situação de violência, que ainda continua impune em muitas situações.

É certo que vivemos num país patriarcal e machista, onde a violência contra as mulheres e meninas ainda é naturalizada. Para desconstruir e enfrentar esta realidade a mulher precisa estar certa de que pode contribuir para mudar as referencias sociais e culturais que nos colocam em situação de subalternidade. E nós, como parte dessa sociedade, organizadas e unidas com os setores mais progressistas somaremos forças para combater o conteúdo patriarcal das instituições sociais presentes na vida cotidiana e que oprimem as mulheres e meninas em pleno século XXI.

O direito humano a uma vida sem violência e o enfrentamento à violência contra as mulheres nos instiga a uma discussão/ação amplas, permitindo-nos desvendar e desconstruir as amarras da cultura milenar que estruturou e consolidou as desigualdades de classe e de gênero. Esse é o nosso grande desafio para desta, que é a mais longa das lutas!

Desafios para as mudanças rumo à emancipação

Dentre os desafios, cabe vencer as barreiras políticas, econômicas e sociais para a conquista do desenvolvimento humano das mulheres, alterando a atual realidade que reflete a cultura patriarcal que as impede do exercício da plena cidadania pois, a desigualdade dificulta a sua presença em espaços valorizados e de poder. São situações identificadas cotidianamente.
A realidade nos permite constatar importantes conquistas nos últimos 70 anos que, no entanto, serviram também para apontar os grandes desafios para a consolidação dos direitos humanos das mulheres. São muitas as dificuldades a serem enfrentadas pelas mulheres no cenário das lutas políticas do povo brasileiro.

Neste contexto, reafirma-se a importância das políticas publicas específicas de igualdade e do monitoramento das ações do poder Público exercido pelos Conselhos da Mulher além das campanhas do movimento organizado de mulheres e Sindical para a ruptura de praticas culturais tradicionais mescladas de preceitos que impedem o avanço para a conquista da sociedade da igualdade social e sem a discriminação de gênero.

O dia 25 de novembro é simbólico e a situação de violência contra a mulher nos indica que para ser superada exige um esforço maior por meio de Campanhas e de ações durante todo o ano nos diferentes espaços sociais para construir consciência de gênero e reforçar a coragem das mulheres para denunciar a opressão e a violência vivida cotidianamente.

Desafios

Cabe, neste momento político, garantir a implementação da Lei Maria da Penha em sua integralidade e a inserção no novo Código Penal dos direitos nela conquistados; garantir o reconhecimento e a inclusão do aborto legal como um dos Direitos Humanos das Mulheres, junto à Comissão de Direitos Humanos que elabora, neste momento- 2010, o Programa Nacional de Direitos Humanos.

Além disso, para avançar na luta pela emancipação, urge romper as barreiras que impedem a presença das mulheres nos diferentes espaços de poder e sua representação política em igualdade de condições.

E na América Latina há a expectativa de implementação, em todos os países, da Convenção de Belém do Pará, para responder ao chamamento mundial das Nações Unidas (Unete) para dar um basta às violências e discriminações baseadas no gênero, na raça, na etnia, na orientação sexual e em todo o tipo de diferença.

Outro mundo possível

Enfim, outro mundo é possível e para tanto, é necessário que as mulheres continuem ousando e ampliando a consciência sobre sua situação, superando padrões e papeis estabelecidos que, com menos intensidade, ainda tem reforçado ideologicamente a sua condição de desigualdade e de subalternidade.

*Eline Jonas é socióloga, diretora da União Brasileira de Mulheres (UBM) e do Centro Popular da Mulher de Goiás (CPM-GO).


Da redação, com informações da CTB