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Batistti: Barroso e Genro alertam contra ditadura judicial

Desde o anúncio brasileiro de 31 de dezembro, de que Cesare Battisti não seria extraditado, a Itália lançou na mídia um grande número de bravatas, que encontraram repercussão no Brasil apenas na classe alta europeizada e na classe média revanchista.

Por Carlos Lungarzo*

Entretanto, enquanto esses brados estimulavam os profetas do alarmismo nestas terras ex(?)-coloniais, foram diminuindo em intensidade nos meios políticos da metrópole, tanto que um dos porta-brados, o chanceler, mudou significativamente sua maneira de
agir.

O ministro de Relações Exteriores Franco Frattini é famoso por duas coisas: por ser um dos poucos entre os altos dignitários italianos que nunca passou por um partido neofascista, e por seu incansável combate à difusão dos videogames. Parece
que as cenas de sexo (às vezes há algumas figurinhas brincando na tela) pervertem a pureza da alma infantil.

No começo, Frattini acompanhou o embalo de seus colegas. Mas, quando viu que o antigo líder fascista juvenil de Milão de 1973, Ignazio La Russa, ameaçava o Brasil com retaliações truculentas, decidiu descer do cavalo, e nos últimos três dias optou por dizer
que ninguém ganha nada com retaliações e bloqueios.

Não sabemos, mas talvez tenha lembrado que a Fiat tem sua maior fonte de receita nos consumidores brasileiros…

Muito mais racional que os outros, o chanceler cada vez usa ameaças mais suaves e discretas, e já no 06 de janeiro fez apenas uma ligeira menção ao que fora, até o dia anterior, seu carro chefe: o Tribunal de Justiça de Haia. Talvez pela necessidade de testar os jogos eletrônicos para poder fundamentar sua censura, o ministro parece
possuir uma grande habilidade tática e sabe mudar a posição do joystick em um décimo de segundo.

Como sempre, a “torcida” do mundo periférico corre atrás, e tanto pelos jornais como pela TV a cabo, alguns especialistas brasileiros em generalidades internacionais continuam ameaçando com o fantasma daquele tribunal. Vale a pena ver rapidamente esse assunto da ICJ (Tribunal Internacional de Justiça) de Haia, que tanto reboliço
está causando.

Só para acalmar o público humanitário (que os ideólogos das elites tentam manter perturbado com informações alarmistas, cuja falsidade nem todos podem aferir), lembremos que a burocracia internacional, por pomposos que sejam seus cargos, está interessada em relações de interesses e vantagens e, salvo alguma exceção, não se importa por justiça nem por direitos humanos (uma exceção à qual desejo fazer justiça é o francês Guy Primm, com quem estive vinculado no Acnur).

Quanto à eterna chantagem, que se funda sempre na tendência de elite brasileira à submissão, deve pensar-se que não é inevitável que uma atitude independente afaste o Brasil do 1º Mundo.
Por um lado, se a Itália fosse suficientemente poderosa para barrar a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, usaria esse poder para obter uma cadeira para ela própria.

Por outro lado, o governo brasileiro tem mostrado ultimamente menos fascínio por aquela tão difícil quanto inútil conquista: entre a subserviência da época Collor-FHC e as pretensões de voltar ao império, deve existir um ponto intermediário mais sensato.

Aliás, se a imagem internacional depende da seriedade do país, deveríamos refletir até que ponto seria considerado sério um estado cujo governo se ajoelhasse perante um governo integrado pela máfia, o Vaticano, o neofascismo e a embaixada americana.

Os colegas dos movimentos humanitários que se sentem alarmados pelas profecias antiasilo difundida por charlatões qualificados, podem acalmar-se: o maior volume das desinformações atuais é constituído por guerra de boatos.

Não se deve esquecer que muitos consultores privados em assuntos internacionais possuem grandes conexões com a altíssima elite mundial, e seus palpites são bem recompensados por grandes empresas exportadoras, fabricantes de armas, exércitos e governos, quando não…

Salvo as poucas exceções que confirmam a regra, sua tarefa é tornar submissa a opinião pública de seus países para que aceite as condições dos grandes patrões, sejam subsídios agrícolas, planos militares, pactos antiterroristas ou outras camisas de força.

Os menos bem sucedidos, se conformam com colher algumas migalhas que recebem por serviços de desinformação, como tem acontecido permanentemente com o Caso Battisti.

Além disso, pensem que desde que se inventou a ciência no século 16 (aliás, justamente por um italiano, Galileu), o conhecimento verdadeiro está ao alcance de todos, e acreditar na falação de mestres, ungidos ou iluminados é pura ingenuidade. Que
eles possam vencer é verdade, pois têm o dinheiro e a força bruta, mas suas vigarices não convencem.

Tribunal Internacional de Justiça

A International Court of Justice (ICJ, conhecida em português como Tribunal Internacional de Justiça) foi criada em 1945, como o organismo judicial da ONU, e não deve ser confundida com o Tribunal Penal Internacional. A ICJ tem duas missões juridicamente diferentes: a de dirimir conflitos entre os estados membros, e a de fornecer consultoria legal solicitada por governos e agências, ou pela Assembléia Geral da ONU.

Seu funcionamento, porém, começou em 1946. Sua primeira tarefa foi arbitrar um conflito entre o Reino Unido e a Albânia, por causa das minas colocadas por esta república no canal de Corfu.

A Corte depende da ONU, cuja carta estabelece no artigo 15º que o tribunal está obrigado a aceitar as decisões do Conselho de Segurança. Teoricamente a ICJ tem jurisdição compulsória sobre todos os países membros, mas, na prática, os Estados Unidos têm-se colocado fora dessa jurisdição desde 1986, depois que o órgão condenasse este país por sua guerra não declarada contra a Nicarágua, considerada ilegal.

Este exemplo mostra que, estando integrado por países dos mais diversos estilos e localizações, o Tribunal não atua como servidor das grandes potências, como algumas pessoas acreditam. Com efeito, os linchadores de Battisti entendem que a ICJ seria tão servil com os perseguidores de Cesare, como o foi a Corte Européia de Direitos
Humanos, quando ele reclamou por ter tido seu refúgio revogado pela França.

Esta opinião parte de um equívoco, embora qualquer corpo judicial oficial possa ser, obviamente, alvo de conflitos de interesses. Mas a
CIJ não está orientada a defender o colonialismo e o imperialismo.

O tribunal tem 15 juízes, eleitos pela Assembléia Geral da ONU e pelo Conselho de Segurança, escolhidos entre os candidatos apresentados pela Corte Permanente de Arbitragem. O estatuto impede que haja mais de um membro de um mesmo país.

Além disto, segundo as declarações de princípios da organização, os candidatos são escolhidos nos diversos lugares do planeta, para representar da melhor maneira possível a pluralidade de idéias e culturas.

Pelo menos em teoria, o intuito da Corte é ministrar uma verdadeira justiça, o que quiçá explique a reticência dos estados para submeter casos para julgamento.

Um aspecto importante é o caráter não vitalício dos juízes, o que diferencia o tribunal das cortes da maioria dos países, embora o prazo de nove anos, renováveis, seja excessivo.

Neste momento, e até 2018, Brasil está representado por Antonio Augusto Cançado Trindade, professor da Universidade de Brasília, e
um dos mais importantes sistematizadores e pesquisadores da teoria do Direito Humanitário, inclusive internacional.

Seu trabalho é notável e muito apreciado no exterior, onde é considerado o mais prestigioso juiz da ICJ. Lamentavelmente, Trindade não é muito conhecido fora do meio dos ativistas de direitos humanos brasileiros por seu estilo discreto e nada performático.

Dos países europeus, estão atualmente representados o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Rússia e a Eslováquia. Os restantes
representam as diversas regiões do Planeta.

Casos e Precedentes

Desde 1947, quando a Corte começou a funcionar de maneira contínua, o número de casos tratados por ela é pequeno, tendo em conta que sua jurisdição abrange todos os países da ONU.

Até 2010, a Corte tinha tratado 132 casos contenciosos (casos de litígios entre estados) e se tinha manifestado em 27 procedimentos consultivos.

Os casos litigiosos tratados pela Corte envolvem, em sua enorme maioria, grandes problemas dos países litigantes, como a segurança regional ou nacional, as divergências no uso de fontes naturais,
delimitações de fronteiras, cuidado da fauna e da flora, contaminação, produção e extração de produtos nocivos.

Um dos assuntos que têm ocupado quase 10% das pautas são os acidentes aéreos. Seguem-se os relativos a fronteiras, caça e pesca, e interpretações genéricas sobre tópicos de direito internacional.

É menor o número de casos que se referem a violações massivas aos direitos humanos, manutenção de tropas de ocupação, genocídios, racismo e discriminação. Mas estes também são casos coletivos, em que dois estados litigam por causa das decisões que devem ser tomadas sobre milhares de pessoas.

Eventualmente, alguns conflitos envolvem um número menor de cidadãos, como o caso de Avena e outros 53 mexicanos, aprisionados, julgados e condenados a morte pelos EUA (janeiro/2009), no qual a Corte condenou tal país.

Aliás, mesmo nestes casos, quando se tratam problemas de direitos humanos, as sanções da Corte têm caído sobre os estados que aplicam punições e não sobre os que ofereceram proteção.

Ademais, mesmo os casos contenciosos e não consultivos incluem com freqüência amplas questões de princípio, como a legitimidade do
uso da violência, a duração do mandato de uma força de paz, e assim por diante.

Casos de asilo e extradição

Em seus 64 anos de história, a ICJ tratou de apenas dois casos de asilo e/ou extradição, enquanto no mesmo período milhares de extradições foram negadas e milhares de asilos e refúgios foram concedidos no subcontinente latino-americano, onde requerentes ou suplicantes eram de diversos lugares do mundo.

O primeiro caso originou-se no asilo diplomático concedido pelo embaixador da Colômbia em Lima, no dia 3 de janeiro de 1949, na sede de sua legação, a Victor Raúl Haya de La Torre (1895-1979), líder populista, fundador e líder da Aliança Popular Revolucionária do Peru.

Haya era tão conhecido como hoje é Hugo Chaves ou o ex-presidente Lula. Em 3 de outubro de 1948, ele tinha tentado uma revolta contra o governo peruano, e este o acusava, como sempre, de crimes comuns (ninguém que pretende a devolução de um refugiado reconhece que seus delitos são políticos ou ideológicos…).

A Colômbia reclamou do Peru um salvo-conduto para que Haya pudesse deixar a embaixada rumo a Bogotá, mas o Peru recusou e ambos os países trocaram ofensas (nada aproximado, porém, às da Itália contra o Brasil), até que a Colômbia apresentou seu pedido junto à ICJ, enquanto Peru oferecia uma réplica.

No julgamento de novembro de 1950, por 15 votos a 1, a Corte determinou que rebelião não é crime comum, mas político. Apesar disso, negou que o Peru fosse obrigado a entregar um salvo-conduto, pois este documento é requerido só quando o país suplicante exige que o asilado abandone a embaixada, e deva passar pelo território do qual está fugindo para dirigir-se ao país da embaixada asilante, sofrendo risco de captura.

Não se precisa curso de diplomacia ou de RI para perceber que o caso não tem nada em comum com o de Battisti. Mas, por via das dúvidas, observemos. Haya foi acusado, com ou sem motivo, de colocar em risco o sistema político do Peru naquele momento. Sua ação, portanto, modificaria a vida de milhões de pessoas, seja para bem ou para mal.

Mais: a Colômbia não se limitou a asilar o perseguido, mas exigiu um documento que o Peru tinha o direito de negar, pois não havia nenhum fator (saúde, etc.) que exigissem a saída de Haya da embaixada, um palácio confortável.

Finalmente, apesar do caráter extraterritorial das embaixadas, o Peru poderia ter argumentado (o que, com bom critério, não fez) que a soberania da Colômbia sobre o território da embaixada era condicionada, pois dependia de uma concessão do Peru.

Numa questão adicional colocada pelo Peru, a Corte retomou o assunto em 13 de junho de 1951, e deliberou, por 13 votos a 1, que a Colômbia não tinha obrigação nenhuma de entregar Haya de La Torre às autoridades peruanas (veja o documento original aqui). Portanto, protegeu o requerido, apesar da pressão internacional de Peru contra
a Corte.

De fato, este é um caso de asilo, mas não é bem um caso de extradição. Aliás, o único contencioso de extradição tratado pela ICJ foi o conflito Bélgica contra Senegal, cujos detalhes podem ser vistos aqui.

Em 19 de fevereiro de 2009, a Bélgica entrou na ICJ com uma ação contra Senegal para a perseguição de Hissène Habré, ex-presidente do Tchad (morando oficialmente nesse país africano desde 1990). A Bélgica exigia ou que fosse julgado em Dakkar, ou que fosse extraditado à Bélgica por violação da Convenção Internacional contra a Tortura (1984).

O caso do ditador Habré é uma situação típica de crime contra a humanidade, um estilo de crime que certamente não é político, e tampouco é comum, como é tratado pela rotina jurídica que ainda não tomou conhecimento dos eventos de Nuremberg nos anos 40.

Um crime contra a humanidade é uma atrocidade executada por quem possui o poder, com o objetivo de atingir membros de grupos designados, como raças, nacionalidades, religiões ou, simplesmente, grupos de pessoas definidas como inimigas.

Os crimes atribuídos a Habré foram cometidos entre 1982 e 1990, ou seja, a reclamação da Bélgica foi formulada com acentuado atraso.

Crimes contra a Humanidade possuem, essencialmente, uma jurisdição planetária, embora esta verdade natural seja contestada por alguns estados (como os EUA e Israel, p. ex.) que não gostariam de ver seus nacionais sendo condenados por crimes de guerra.

Trata-se de um caso no qual o perigo que representa a pessoa procurada (pela atrocidade, intensidade e extensão de seus crimes) justifica uma ação compulsória para obrigar à extradição.

Apesar disso, a Corte não aceitou a reclamação da Bélgica de tomar medidas provisionais contra o Senegal, argumentando que o criminoso estava suficientemente vigiado no Senegal e seria julgado em tal país, segundo prometeu o governo.

E aqui temos uma má notícia para os linchadores de Battisti: o único voto contra este parecer foi o do representante brasileiro, Antonio Augusto Cançado Trindade. O pior não é que seu mandato expire só em 2018, mas que ele é especialista em Direitos Humanos, e que sua eleição para a CIJ no Conselho de Segurança da ONU teve 14 votos a favor e apenas uma abstenção: os Estados Unidos.

Trindade já foi presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (não confundir com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH), na qual destacou-se como um militante devotado e corajoso. Aliás, ele foi um crítico da própria CIDH, pela lentidão com que esta tratou os crimes e atrocidades que se praticam na Febem brasileira. O fato de que o voto do professor Trindade tinha sido vencido na ICJ no caso de Habré não significa necessariamente que, num imaginário caso em que o julgado fosse Battisti, também seria vencido.

O que acontece é que o Tribunal Internacional de Justiça, talvez por razões complexas que dependam de seu histórico e de sua miscigenação e cultura, destaca-se por sua tendência “garantista”, quando os veredictos afetam pessoas específicas.

O fato de que seu “garantismo” proteja crimes contra os Direitos Humanos não é certamente elogiável, mas, é melhor isso que a cumplicidade com perseguidores e linchadores.

E então?

Os assessores de linchamento (uma nova profissão sobre a qual as elites do Brasil e da Itália poderiam produzir uma bem sucedida joint venture) excederam-se na sua picaretagem em várias declarações.

Uma delas é a de que, apesar de as sentenças da CIJ não serem de cumprimento obrigatório (o que é verdade, talvez a única em todas as opiniões que vomitaram na mídia), seria absurdo pensar que possam ser desobedecidas. Não desejo entediar o leitor, mas há muitos contenciosos onde as sentenças da Corte foram não apenas desobedecidas, mas totalmente ignoradas. (É só conferir no site que mencionei acima).

Outra é a que o Brasil seria condenado, se a Itália apresentasse queixa. Acho uma crença muito negativa a de pensar que, neste complicado mundo, toda instituição é subornável, e nada se salva.

Temos exemplos no Brasil, onde os juízes defenderam sua independência, do qual serve de exemplo o próprio caso Battisti. A ilegal revogação da condição de refugiado foi perpetrada graças a um voto (apenas 11% do total) e o direito do chefe do Estado a decidir foi reafirmado também por um voto.

Mas, não há certeza de que a Itália apresente uma reclamação na ICJ. Este é um ponto intrigante, porque o atual estado italiano aproveitou todos os ensejos de fazer papel ridículo, colocando em situação embaraçosa um povo que deveria ser identificado com o Renascimento e o Iluminismo, e não com esta onda decadente, que esperemos seja transitória.

Pessoalmente, penso que não se arriscaria a fazer mais uma triste figura, porque ridículo também tem hora.

Quanto à sugestão de um jurista que fez parte da sempre lembrada sociedade de gênios de Fernando Collor, de que Brasil deva recorrer à Corte Européia de Direitos Humanos, é tão descabida que nem vale a pena comentá-la.

Por que não à Organização Mundial do Comércio, ou a OMS, ou ainda à Unicef? Os nossos linchadores abusam de uma maneira impiedosa da falta de informação do público sobre assuntos jurídicos.

Aliás, não é porque o público seja omisso: o caráter hermético do Direito foi criado especialmente para que ninguém saiba o que é verdadeiro e o que é falso.

Finalmente, as predições sobre o STF, cujo plenário, segundo os linchadores, reprovará o decreto de Lula, não me parecem exatas.

É verdade que vários de seus membros deram uma imagem triste da justiça brasileira ao revogar o ato de refúgio. Mas, não vejo motivo para alguns deles perseverem nos deslizes.

Mesmo porque, desta vez, isto seria contraditório, de maneira totalmente ostensiva, sem necessidade de nenhuma reflexão, com o que a maioria aprovou na última oitiva do julgamento de Battisti.

O presidente decidiu, sem a menor dúvida, em plena harmonia com o artigo 3º, inciso “f” do Tratado Brasil-Itália, e a fundamentação da AGU, embora pudesse ter sido muito mais forte, ainda assim é mais do que suficiente.

Os que talvez votem contra a decisão de Lula, eu imagino, serão minoria, e são apenas os que têm uma vocação profunda de inquisidor. Ora, uma vocação tão forte Deus só concede a poucos escolhidos…

Um grave alerta: "Peluso viola o Estado democrático de direito"

Pouco dado a declarações bombásticas, o advogado de Cesare Battisti, Luís Roberto Barroso, desta vez se viu obrigado a deixar de lado sua fleuma, tamanha foi gravidade da decisão do presidente do Supremo Tribunal, de prolongar a prisão ilegal (sequestro, portanto) do escritor italiano, bem como das inaceitáveis declarações que Cezar Peluso fez à imprensa na tentativa de justificar seu desatino, não só prejulgando o caso que poderá vir a ter de julgar, como deixando perceber sua intenção de revisar a palavra final do Estado brasileiro, dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

"[O] Ministro Peluso (…) viola a decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, o princípio da separação de poderes e o Estado democrático de direito.

[Peluso, que] votou vencido no tocante à competência do Presidente da República na matéria (…) não pode, legitimamente, transformar sua posição pessoal em posição do Tribunal. Como
qualquer observador poderá constatar da leitura dos votos, quatro Ministros do STF (Ministros Marco Aurélio, Carlos Ayres, Joaquim Barbosa e Carmen Lúcia) entenderam que o Presidente da República poderia decidir livremente. O quinto, Ministro Eros Grau, entendeu que, se o Presidente decidisse com base no art. 3, I, f, do Tratado, tal decisão não seria passível de revisão pelo Supremo. O Presidente da República fez exatamente o que lhe autorizou o Supremo Tribunal Federal, fundando-se em tal dispositivo e nas razões adiantadas pelo Ministro Grau.

A manifestação do Presidente do Supremo (…) constitui uma espécie de golpe de Estado, disfunção da qual o país acreditava já ter se libertado. Não está em jogo o acerto ou desacerto
político da decisão do Presidente da República, mas sua competência para praticá-la. Trata-se de ato de soberania, praticado pela autoridade constitucionalmente competente, que está sendo descumprido e, pior que tudo, diante de manifestações em tom impróprio e ofensivo da República italiana.

De mais a mais, as declarações das autoridades italianas após a decisão do Presidente Lula, as passeatas e as sugestões publicadas na imprensa de que Cesare Battisti deveria ser seqüestrado no Brasil e levado à força para a Itália, apenas confirmam o acerto da decisão presidencial. Em uma democracia, deve-se respeitar as decisões judiciais e presidenciais, mesmo quando não se concorde com elas".

Tarso Genro: STF age de forma "ilegal" e "ditatorial"

Também o ex-ministro da Justiça e atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, subiu o tom, acusando o STF de agir de maneira "ilegal" e "ditatorial", o que causa um "prejuízo institucional grave" e um "abalo à soberania nacional" (vide notícia completa aqui).

Para ele, não é desde o último dia 31 que o escritor italiano está sequestrado pelo STF, mas sim há dois anos:

"Battisti está preso ilegalmente desde o momento em que eu despachei o refúgio, pois a lei que rege o assunto determina que o processo de extradição fica interrompido a partir deste ponto.

Quando o Supremo Tribunal Federal, que é a instância máxima do Judiciário, age de forma absolutamente ilegal e ditatorial como agora, cria-se a pior das situações, pois não há mais a quem recorrer.

Esta deixou de ser uma questão jurídica. É uma questão política".

*Carlos Lungarzo é jornalista e escritor.

Fonte: Blog Náufrago da Utopia