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Robert L. Hirsch: A iminente desordem energética mundial 

Hirsch trabalhou toda a sua vida na área da energia, desde o setor petrolífero a numerosas formas de produção de energia elétrica. Em 2005, a sua equipe publicou "The Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation & Risk Management". Nesta entrevista, o especialista fala sobre o declínio do petróleo e as consequências da escassez desta fonte de energia sobre as sociedades, algo que ele acredita não estar linge de acontecer.

Robert L. Hirsch, Roger Bezdek e Robert Wendling foram co-autores de "A iminente desordem energética mundial: O que é e o que significa para si" ("The Impending World Energy Mess: What It Is and What It Means to You"), da editora Apogee Prime. A entrevista que segue, conduzida por Steve Andrews, foi publicada no boletim da ASPO-USA, Peak Oil Review, em setembro de 2010.

Andrews: No seu trabalho anterior de cinco anos atrás, mostrou-se relutante em prever um prazo temporal para o Pico Petrolífero. Parece que neste livro houve uma grande mudança sob este aspecto. Poderia comentar?
Hirsch: Nos anos passados havia considerável incerteza no meu pensamento acerca de quando o declínio da produção mundial de petróleo poderia começar. Recentemente tornou-se claro para mim que ela será mais cedo do que tarde. Acredito que o início do declínio da produção mundial de petróleo é provavelmente nos próximos dois a cinco anos. E quando digo "petróleo" quero com isso dizer todos os combustíveis líquidos.

Andrews: O senhor diz que, uma vez atingidos pelo declínio da oferta de petróleo, provavelmente todos nós experimentaremos um agravamento da situação econômica mundial. Como é que isto pode desdobrar-se? Qual é o cenário mais provável?
Hirsch: Nossa ideia é que o que aconteceu nos dois choques petrolíferos súbitos de 1973 e 1979 provavelmente será repetido quando começar o declínio da produção. Aqueles foram dois exemplos do mundo real de choques petrolíferos que surpreenderam as pessoas e provocaram pânico. Acreditamos que a mesmo espécie de coisa está em vias de acontecer outra vez, exceto que o problema é para perdurar porque, ao contrário de antes, haverá muito poucas válvulas não utilizadas de abastecimento de petróleo para abrir nesse momento.

Se bem que as economias tenha mudado desde os anos 1970, a dependência e a importância dos combustíveis líquidos não mudou. E a natureza humana não mudou. As pessoas entram em pânico quando são subitamente aterrorizadas. Muito embora o "Pico Petrolífero" seja reconhecido por um certo número de pessoas, ele está por perceber numa escala vasta.

Neste livro evitamos considerar fenômenos tais como anarquia, guerras e outras catástrofes que são concebíveis. Vemos muito pouca probabilidade de que as coisas venham a ser melhor do que o que descrevemos, mas elas poderiam facilmente ser piores.

Além disso, temos fé em que a espécie humana não está em vias de entrar em colapso por causa do problema do declínio do petróleo. O mundo vai entrar em considerável sofrimento por um longo tempo. No entanto, temos muita fé na resiliência humana. As pessoas recuperar-se-ão, ficarão muito pragmáticas, trabalharão arduamente e farão o que é necessário para enfrentar os desafios. Em resultado, quando tivermos atravessado tudo isto – o que vai levar mais de uma década – as sociedades que emergirão serão muito mais fortes e mais pragmáticas do que hoje.

Andrews: Você observa que não haverá consertos rápidos. Que combinação de programas de emergência recomenda atualmente como centro de quaisquer esforços políticos acelerados?
Hirsch: Nós delineamos opções práticas de mitigação física para o mundo. Elas são aquelas que descrevemos em 2005, mais ou menos umas poucas mudanças devido ao fato de sermos agora um pouco mais inteligentes em algumas áreas. No livro, acrescentamos aquilo que chamamos "atenuação administrativa", tais como partilha de carros (carpooling) obrigatória, trabalho a distância obrigatório e racionamento. Há benefícios a serem ganhos com estas opções, mas a sua implementação não será simples.

Por exemplo: o racionamento parece um conceito relativamente simples mas, depois de se considerar os pormenores, é incrivelmente complicado devido a decisões que têm de ser feitas, às burocracias que têm de ser montadas e a fiscalização do cumprimento que tem de aplicada. O entendimento das complexidades é necessário para a tomada de decisões práticas.

Andrews: O senhor introduz uma nova sigla no seu livro. O que significa LFROI?
Hirsch: Ela representa Liquid Fuels Return on Investment (Retorno de Combustíveis Líquidos sobre o Investimento). A questão é simplesmente que temos de investir combustíveis líquidos no processo que vai produzir combustíveis líquidos, temos de preferência de obter um grande multiplicador sobre o nosso investimento em combustíveis líquidos ou o esforço não valerá a pena. O conceito é claramente de importância fundamental. As opções em que LFROI é de particular preocupação são os processos biomassa-para-líquidos, como o milho e o etanol celulósico, em que grandes investimentos de combustíveis líquidos são exigidos para colher e transportar biomassa para processamento.

Andrews: Convém recordar aqui que, desde 1978, a maior parte do investimento regular que temos feito em combustíveis alternativos é em etanol a partir do milho. Se o senhor fosse discursar perante o presidente dos EUA e o Senado como Czar da Energia, o que é que lhes diria acerca da política que efetuamos em relação ao etanol do milho?
Hirsch: Eu lhes diria para aprenderem com os erros passados. O etanol do milho era atraente sob muitos aspectos, mas verificou-se ser um perdedor do ponto de vista da energia, do custo e do ambiente. As pessoas estavam a agarrar em palhas – trocadilho intencional, desculpe. As pessoas no governo federal queria fazer algo para coibir importações de petróleo e ajudar os agricultores. Eu próprio quero proteger os agricultores, parte da minha infância foi na propriedade agrícola do meu avô.

Ao invés de agarrar esta ou aquela opção que parece boa, para uma abordagem séria o governo precisa efetuar uma análise energética imparcial de modo a que possam ser tomadas decisões pragmáticas e que o sector privado possa executar a sua aplicação inteligente e livre. Exatamente agora estamos metido numa confusão porque os governos estão a escolher vencedores e perdedores e a estrangular os nossos sistemas energéticos.

Dentre outras coisas que discutimos no livro está a produção de energia elétrica de origem solar e elétricas, as quais são perdedoras porque não proporcionam o que o público pede – energia elétrica quando solicitada (on demand). E não esqueçamos o fato muitas vezes ignorado de que as opções de produção de energia elétrica terão pouco impacto sobre as nossas importações de petróleo e os iminentes problemas de escassez de petróleo durante muito longo tempo.

Andrews: O senhor declara que as prioridades da sociedade mudarão dramaticamente. Pode expô-las?
Hirsch: Uma das maiores questões em cima da mesa é a alteração climática – aquecimento global. As preocupações relacionadas com o mesmo terão de ser abandonadas às necessidades urgentes da existência humana imediata depois de a produção mundial de petróleo começar a declinar. As nossas economias não podem florescer com preços muito elevados de combustíveis líquidos cuja escassez está a agravar-se. Será exigida atenuação maciça, rápida e séria. Não podemos tudo ao mesmo tempo, o que significa que os esforços quanto ao aquecimento global e os sonhos de um futuro com energia renovável estarão a ser secundarizados frente à necessidade urgente e ampla de recuperar alguma espécie de razoável equilíbrio econômico.

Andrews: Como algumas destas mudanças de prioridade na sociedade serão refletidas a nível individual?
Hirsch: Todos nós sofreremos impacto com o declínio da produção mundial de petróleo. Os custos do combustível líquido subirão dramaticamente – foi o que aconteceu em 1973 e 1979 e isso acontecerá outra vez. Haverá escassez, a qual provocará toda espécie de problemas. Haverá aumento do desemprego e declínios dramáticos nos mercados de ações. E haverá inflação. Isso aconteceu antes e é lógico que acontecerá outra vez, exceto que desta vez o sofrimento perdurará um bocado mais.

A questão então vem a ser o que é que cada um de nós como indivíduo faz para nos protegermos. No penúltimo capítulo do nosso livro discutimos as questões e os investimentos que as pessoas deveriam evitar, lugares para onde olhar a fim de proteger o seu pé-de-meia e coisas que se podem fazer para minimizar seu dano pessoal. Por exemplo: se tiver uma casa no país, longe de uma mercearia e de lugares onde possa trabalhar, provavelmente terá um tempo muito árduo quando o valor daquela propriedade declinar. Recorde que a razão primária de aqueles lugares serem viáveis foi a gasolina abundante e barata, a qual permitia às pessoas irem e virem dali.

Andrews: Quando se chega às opções pessoais, o senhor escreve que os indivíduos precisam entender a situação a fim de efetuarem as opções mais inteligentes. Qual é a chave desse entendimento? Por que não há mais pessoas a compreendê-lo?
Hirsch: A chave para fazer opções inteligentes é ter 60-80% da informação relevante. Menos de 50% é insuficiente muitas vezes, enquanto esperar por mais de 90% significa que provavelmente esperará demasiado. O assunto do declínio da produção petrolífera mundial ("Pico Petrolífero") é desagradável e penoso, de modo que tentar escondê-lo pode ser compreensível, mas o problema não irá embora. Quantos de nós realmente gostam de ouvir más notícias e quanto de nós são suficientemente pragmáticos para atuar racionalmente diante de notícias más?

A administração atual e anterior dos EUA tentou arduamente minimizar a discussão do "Pico Petrolífero" porque é realmente má notícia. Quando a consciência do público for elevada sobre este assunto, este ficará furioso com os governos: por que não nos contaram acerca disto e o que vão fazer quanto a isso? Educar-se a si próprio adiante do problema dá-lhe a melhor oportunidade de enfrentá-lo efetivamente, ao invés de ser arrastado com a corrente.

Andrews: Voltando um pouco atrás, que opções está a fazer na sua vida pessoal e familiar que antecipem os problemas de energia que se aproximam?
Hirsch: Um dos diapositivos na próxima apresentação na conferência da ASPO-USA em Washington intitula-se "Algo do que tenho feito". Ali listo seis pontos. Anos atrás, passei por um ajustamento mental e emocional relativamente ao que provavelmente aconteceria quando a produção mundial de petróleo declinasse e ponderei quando poderia começar. Considerei que não sabia, mas que queria estar à frente do problema e não atrás dele. Assim, pus "à prova de Pico Petrolífero" os meus investimentos e a minha vida pessoal num grau que considero razoável.

Pelas razões esboçadas no nosso livro, livrei-me de quase todas ações e títulos. Investi em algumas anuidades (annuities, pensão anual), as quais pagam bom juro e das quais podia sair rapidamente, e raciocinei que o ouro ia subir dramaticamente quando a inflação relacionada com o petróleo atacasse. Mudamo-nos para uma casa mais próxima para ir às compras e da massa de trânsito e troquei o meu carro beberrão de gasolina por um Prius. Os primeiros quatro passos por acaso ajudaram-nos a aguentar a "Grande Recessão". Uma vez que acredito agora que a produção mundial de petróleo provavelmente começará a declinar dentro de dois a cinco anos, penso que fiz tanto quanto podia para proteger a minha família.

Andrews: O senhor no livro diz que escava "realidades que outros estão relutantes em discutir". Como assim?
Hirsch: Estávamos a referir-nos ao iminente declínio da produção mundial de petróleo e o seu significado; a questão da alteração climática, ambas as incertezas e os jogos deploráveis efetuados por muitos na comunidade ambiental. As realidades das outras fontes de energia, incluindo renováveis — nós usamos a expressão "as pessoas estão intoxicadas sobre renováveis" — e finalmente que ações as pessoas podem tomar para minimizar o dano que é provável quando a produção mundial de petróleo entrar em declínio.

Andrews: Para pessoas já familiares com a mudança de paradigma que relatou em 2005, o seu livro é primariamente uma construção lógica sobre aquele fundamento ou pensa que se afastou substancialmente das descobertas daquele estudo?
Hirsch: As descobertas do nosso estudo de 2005 mantiveram-se notavelmente bem ao longo dos últimos cinco canos. Ninguém argumentou com veemência de que as nossas estimativas de atenuação estivessem erradas. Alguém poderia argumentar acerca de pormenores das nossas estimativas, mas a história permanece basicamente a mesma. No livro, atualizamos nossas considerações anteriores e acrescentamos algumas coisas.

Uma das maiores diferenças entre 2005 e os dias de hoje é que, naqueles tempos, tendíamos a pensar em termos de "Pico Petrolífero" como um pico relativamente agudo — a produção a ascender e então, subitamente, entrando em declínio. Foi isso que aconteceu nos EUA-48 estados. Agora não pensamos em termos de um pico agudo porque a produção mundial de petróleo tem estado num planalto flutuante desde meados de 2004 — com produção mundial essencialmente constante. Consideramos que o planalto muito provavelmente continuará durante os próximos dois a cinco anos e então começará o declínio. Assim, quando digo "Pico Petrolífero" o que estou realmente a falar é acerca do iminente declínio da produção mundial de petróleo em relação à flutuação existente. Por vezes utilizo a expressão "Pico Petrolífero" porque ela é amplamente conhecida, mas agora não é um descritor estritamente preciso. A propósito, sabe de alguém que tenha previsto o atual planalto de cinco anos na produção mundial de petróleo? Eu não sei.

Andrews: Então, afinal de contas, porque escreveu o livro?
Hirsch: Juntamente consigo e muitos outros, estive a falar e a escrever acerca deste assunto durante anos. Um certo de número de livros e artigos foram escritos, mas a questão ainda está "abaixo do horizonte" para o público em geral. Minha esperança era que o tipo de livro que podíamos escrever pudesse fazer uma diferença sensível. Assim, fizemos o esforço.

Ao colocar as questões do petróleo, da energia e do clima e ao escrever selecionado cuidadosamente as nossas palavras, esperamos sermos capazes de melhor comunicar uma audiência vasta de pessoas e de modo concebível fazer uma diferença. Foi por isso que o escrevemos.

Andrews: Por que as pessoas deveriam comprar o livro?
Hirsch: As pessoas deveriam comprar porque as questões são muito importantes para elas nas suas vidas pessoais. Elas precisam entender os problemas, ainda que desagradáveis. As probabilidades de não ficarem queimados são essencialmente zero. Ser prevenido é estar preparado.

Fonte: Resistir.info