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Tortura por engano: ditadura confundia Mário Oba com Mário Japa

Mário Oba já tinha passado por 18 meses de prisão, havia deixado a militância no movimento estudantil e estava recém-casado. Era final de 1970, ele voltava à Universidade Federal do Paraná para concluir o curso de engenharia elétrica. Em Curitiba, foi surpreendido por uma unidade do Exército na rua. “Fui pego na pancada”, conta ele. Três dias e muitas sessões de tortura depois, a repressão concluiu: não era ele o alvo.

A história de Mário Oba, hoje com 65 anos, revela novos erros do regime militar — que prendeu e torturou por duas vezes seguidas o homem errado. Cerca de um ano depois, entre 1971 e 1972 (Oba não se lembra da data precisa), a história se repetiu: ao sair do trabalho, o agora engenheiro foi novamente preso nas dependências do Exército.

Até que os militares tivessem a certeza de que erraram de novo, Mário Oba foi mais uma vez seviciado: telefone (tapas nos ouvidos), latinha (onde era obrigado a se equilibrar de pé), afogamentos, choques elétricos… “Eles queriam saber coisas da VPR [Vanguarda Popular Revolucionária], ligações com outros militantes. Muitas das pessoas — descobri depois — já estavam na clandestinidade ou tinham saído do país. Eu sabia que eles queriam um japonês, também de nome Mário, mas que não era eu.”

O outro Mário, alvo procurado pela ditadura, também é um nissei (filho de japoneses) e tem a mesma idade de Mário Oba. Chizuo Osava, conhecido na luta armada como Mário Japa, era um dos homens mais temidos da repressão. Guerrilheiro da confiança de Carlos Lamarca, integrava o comando da VPR.

A confusão entre os jovens surgiu, provavelmente, a partir de uma versão criada por Mário Japa. “Quando caí na clandestinidade, no final dos anos 1960, espalhei para a família e amigos que estava me mudando para Curitiba, cidade em que tinha morado quando jovem. Acho que por isso o pegaram”, contou Mário Osava, que adotou o codinome da luta armada.

Osava diz ter ficado “espantado” com a história de Oba, revelada a ele somente agora. Não mais de 20 nipônicos pegaram em armas contra a ditadura militar. Mário Oba, contudo, diz que nunca fez parte de uma organização armada de esquerda. Ele cumpriu 18 meses de prisão por ocupar a reitoria da Universidade Federal do Paraná (era professor de karatê e liderou a ocupar). Antes, tinha sido detido por participar de um congresso estudantil de Ibiúna, em 1968.

Quando o Exército prendeu e torturou Oba duas vezes por engano, Mário Japa, o alvo, já estava banido do país. Preso em São Paulo no início de 1970 ao capotar um carro que continha um arsenal de guerra, ele ganhou a liberdade, uma semana depois. Foi trocado pelo cônsul do Japão na capital paulista, que havia sido sequestrado pela VPR. Osava só voltou ao Brasil com a Lei da Anistia, em 1979, após se exilar em países da América Latina, da Europa e da África. Desde então é repórter da agência Inter Press, no Rio.

Confundido com um guerrilheiro temido, Mário Oba teve sorte de sair das duas prisões vivo. Seu último susto, conforme conta, ocorreu ainda na década de 1970. Foi alvo de um atentado, em Curitiba, quando recebeu um tiro no antebraço esquerdo. O autor do disparo, diz, foi um membro do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), organização paramilitar de extrema direita que combatia opositores da ditadura. “Mas eu nunca soube se fui novamente confundido com o Japa”, conta ele.

Hoje aposentado, vivendo em Brasília, Mário Oba diz que só muito tempo depois das duas prisões por engano, ao ler jornais, descobriu quem era o verdadeiro alvo. “Mas, modéstia à parte, sou muito mais bonito que ele”, brinca. Para não “revirar coisas do passado”, ele não quis conhecer Osava.

Desde 2008, Oba espera da Comissão de Anistia do governo federal o julgamento de seu pedido de anistia e reparação econômica. “De qualquer forma, foi um privilégio ter vivido aquela época. Foram anos ricos e bastante agitados.”

Da Redação, com informações da Folha de S.Paulo