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Wander Geraldo: A Reforma Urbana é necessária para evitar mortes 

Os deslizamentos e as enchentes em nosso país têm causado mortes, perdas de moradias e prejudicado muito a população que convive com essas situações. Principalmente nos meses de janeiro, fevereiro e março, quando os níveis de chuva são mais intensos, o Brasil tem assistido tragédias irreparáveis todos os anos. Em 2011 vivenciamos a maior delas até aqui. 

Por Wander Geraldo da Silva*

De um lado, especialistas comprovam que as alterações climáticas, fruto de mudanças ambientais, exercem grande influencia no aumento dos níveis pluviométricos. A questão do possível aumento dos extremos climáticos nos remete imediatamente ao problema da vulnerabilidade das populações e dos ecossistemas a essas mudanças. As periódicas secas do Nordeste, as enchentes, as inundações, os deslizamentos em encostas em regiões metropolitanas e serranas nos apontam que a vulnerabilidade da população, especialmente a mais pobre, é realmente muito alta.

O Instituto Polis realizou em Novembro de 2010 um seminário denominado “Plataforma de políticas públicas e ações para adaptação do meio urbano à mudança climática” com especialistas que concluíram: “com um clima mais quente, haverá mais vapor d’água na atmosfera e uma aceleração do ciclo hidrológico. Essa é uma das projeções de mudanças climáticas onde há bastante certeza. A aceleração do ciclo hidrológico implica em aumento da freqüência de tempestades severas e intensas. Deslizamentos de terra em encostas, enchentes e inundações provocadas por tempestades severas são dois desastres naturais responsáveis por grande número de vítimas no país”. O documento cita ainda: “O papel dos governos é se antecipar aos eventos que possam colocar em risco parcelas relevantes da população do Brasil. Por isso, é fundamental elaborar políticas públicas capazes de atenuar os efeitos do aquecimento climático no território brasileiro”. O texto continua: “Para tal, é importante ter claro que as diferenças sociais com as quais convivemos podem ser, mais uma vez, fonte de agravamento das desigualdades. Segundo apontam os estudos do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, na sigla em inglês], a população carente é mais sujeita às ameaças da elevação da temperatura, o que pode acarretar em mortes, migração e novas formas de pressão social. Ou seja, podemos esperar que os eventos climáticos aumentem a cada ano as chuvas e temporais; não basta, portanto, sermos pautados por índices fluviais de décadas passadas e sim dessa nova realidade.

Daí torna-se necessário que o debate seja feito analisando quais as medidas de curto e médio prazo que o poder público deve tomar para impedir as catástrofes que recorrentemente temos vivenciado com as chuvas, todo período inicial de ano.

O modelo capitalista de construção das cidades não atende às demandas sustentáveis de desenvolvimento. O principal problema decorrente da acelerada urbanização que ocorreu no Brasil foi a concentração da riqueza que se fortalece com a especulação imobiliária, um dos elementos utilizados pelo poder econômico para interferir junto ao poder público no planejamento e na construção das cidades. Ao lado disso, o Estado brasileiro em grande parte não detém instrumentos de monitoramento dos riscos geológicos, não investe o necessário em habitação e saneamento e não aplica instrumentos previstos no Estatuto das Cidades, como o IPTU progressivo no tempo e a implementação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), onde poderiam ser designadas áreas seguras para habitação, combatendo assim a especulação imobiliária.

Segundo dados do próprio governo federal, mais de 5 milhões de pessoas vivem em áreas de riscos de alagamento ou deslizamentos, o que deve ser alvo de investimento do Programa Minha Casa Minha Vida, dentre outros programas a serem desenvolvidos pela três esferas de governo.

Sob a lógica da indústria automobilística, não é valorizado o transporte público de massas e cada vez mais se amplia o número de pistas asfaltadas e impermeabilizadas. As áreas de várzea não são respeitadas, sendo utilizadas para a construção de avenidas ou para uso habitacional, por falta de uma política nessa área; e como toda área de várzea enche nas fortes chuvas, logo se vêem os alagamentos. O manejo de águas fluviais é agravado pela ausência de uma política de acondicionamento, coleta, disposição final e tratamento de resíduos sólidos urbanos. Também pouco se investe em reciclagem de resíduos sólidos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, que recolhe diariamente 17 mil toneladas de lixo, somente 120 toneladas são recicladas, 0,7% do total.

Muitas propostas foram elaboradas nos últimos anos nas Conferencias e no Conselho das Cidades assim como na 1ª Conferencia Nacional de Defesa Civil, realizada em 2010, dentre outras. Porém pouco saiu do papel e, quando sai, não tem prioridade política em sua aplicação. Dos 5.565 municípios do país, somente 1000 têm sistema de Defesa Civil e, dessas, poucos estão preparados para enfrentar situações difíceis.

A Cidade de Nova Friburgo, que contabilizou até o dia 22 de janeiro o maior número de vítimas fatais (386) na catástrofe deste início de ano, foi premiada em 2008 pela Caixa Econômica Federal como um dos melhores Planos Diretores do Brasil, porém o mesmo Plano ainda não foi regulamentado e, portanto também não foi aplicado. Lá está prevista a desapropriação de áreas improdutivas socialmente e a implementação de ZEIS para o atendimento habitacional de pessoas que vivem ou viviam em áreas de risco, muitas soterradas no último dia 11 de janeiro. Talvez essas vidas tivessem sido salvas se o poder público aplicasse a tempo o Plano Diretor que em sua elaboração contou coma participação dos movimentos sociais, setores técnicos e especializados da cidade.

Daí, os desafios do Governo Dilma, dos governadores e dos prefeitos são muitos, mas perfeitamente possíveis em um país que busca o desenvolvimento econômico e social. A tecnologia, o combate à especulação imobiliária, as leis já existentes e a riqueza aqui produzida devem servir para que as catástrofes sejam evitadas, tendo em vista que as chuvas devem aumentar cada vez mais.

A luta pela Reforma Urbana é o caminho!

*Wander Geraldo da Silva é Coordenador Nacional de Reforma Urbana e Movimento Comunitário no Comitê Central do PCdoB.