Renato Rabelo: A marca da mensagem de Dilma
Mensagens ao Congresso Nacional são momentos em que governantes procuram se colocar acima de meras situações conjunturais. O termo “mensagem” diz muito, principalmente num país cuja construção não foi marcada por via reta e sim pela cristalização de complexidades em variados níveis.
Por Renato Rabelo*
Publicado 04/02/2011 11:37

Determinadas afirmações funcionam como senhas capazes de sensibilizar para algo que interesse aos mais diversos setores, inclusive os de classe social. Foi exatamente este o teor da mensagem lida pela presidente Dilma Rousseff na abertura dos trabalhos da 54ª Legislatura do Congresso Nacional.
Existem algumas marcas muito fortes na mensagem de Dilma Rousseff ao Congresso Nacional. A primeira que relaciona diretamente os avanços democráticos do país com a necessidade de se solucionar, de uma vez por todas, a chamada “questão social”, sintetizada numa luta renhida contra a pobreza extrema. Daí a presidente conclamar a sociedade brasileira por um pacto social para enfrentar e vencer este problema. Pode passar despercebido, mas essa relação entre democracia e erradicação da pobreza extrema guarda significado histórico e civilizacional sem precedentes para um país com uma herança autoritária tão forte como a do Brasil. Transformar essa relação em essência da própria reprodução do Estado e da Nação brasileira tem uma simbologia muito mais profunda do que imaginamos. E talvez a sedimentação desta relação seja a herança mais nobre do período 2003-2010. Uma avanço, repito, diante da própria história do Brasil.
O status conquistado pela “questão social” no país nos últimos anos se confunde com a própria mensagem de clara continuidade em relação ao mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Neste sentido, outro ponto positivo de sua mensagem é a menção ao crescimento econômico como antítese do voluntarismo no tocante à erradicação da pobreza. Basta termos claro que uma verdadeira cultura contra o crescimento econômico ainda impera nos meios de comunicação e mesmo em altas esferas governamentais. Afirmar a necessidade de crescimento econômico é salutar, independentemente da convicção da necessidade, exposta pela presidente, de “ações firmes de controle à inflação”.
Na esfera do desenvolvimento econômico, o histórico e o futuro papel do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram auspiciosos: a previsão de investimentos em infraestrutura – entre 2011 e 2014 – foi da ordem de R$ 955 bilhões, distribuídos em empreendimentos diversos. A grande questão com que nos deparamos ante esta expectativa é o da combinação entre este objetivo planejado com a crescente pressão que o governo sofre por “corte de gastos” e a utilização dos juros para conter a inflação. É de se esperar, e lutar, para saber até onde o país (e os necessários investimentos em infraestrutura) poderão resistir diante de tamanha “força contrária”. Trata-se de uma batalha eminentemente política e que deverá moldar a própria face deste governo que se inicia.
Outra sinalização importante, que serve para pautar a própria polêmica sobre o valor do salário mínimo, está no apontamento da presidente em “superar o atual quadro”, instituindo regras estáveis e extra-governamentais encetando uma contínua valorização do salário mínimo. Ao mesmo tempo em que é importante esta sinalização, devemos ter claro que o próprio fato de existir a possibilidade de se instituir regras estáveis não significa que a luta pela valorização do salário mínimo será amainada. Muito pelo contrário. Ao colocar esta possibilidade, Dilma Rousseff, está abrindo um novo campo de lutas nada tranquilas para os que pensam o país sob a ótica dos trabalhadores. É importante que regras estáveis sejam instituídas, mas isso não pode ser um fim em si mesmo.
Mesmo um discurso sob forma de mensagem serviu para que a presidente tocasse em pontos mais sensíveis da vida dos brasileiros. Saiu-se bem das generalizações impostas pela formalidade para demonstrar como enfrentará problemas que vão desde a segurança pública, passando pela cultura, educação e até a saúde. Merece destaque o fato de já haver uma estratégia para o óbice da saúde sob três pilares: 1) financiamento adequado e estável para o SUS; 2) valorização das práticas preventivas e 3) organização dos vários níveis de atenção aos usuários, garantindo atendimento básico e ambulatorial nas unidades básicas de Saúde. Veio em boa hora o anúncio de investimentos da ordem de R$ 5,5 bilhões para a construção das UBA`s. Sua observação sobre o equívoco histórico do papel da Defesa Civil na prevenção ante desastres naturais marcou o fim de uma era para quem à Defesa Civil cabia um papel quase lúdico nestas questões. Os desastres naturais recentes na região sudeste colocaram em questão não somente a capacidade deste ou daquele órgão na prevenção de acidentes. Colocou a olho nu a própria capacidade do Estado Nacional brasileiro de gerenciar, num mundo em que a grande tecnologia se faz presente no enfrentamento de problemas desta ordem em seu próprio território. Fica implícita na mensagem de Dilma que o ponto de partida será outro nesta matéria, sendo que o princípio será o da prevenção já, sem espera.
Se existiu espaço aberto em sua mensagem ao Congresso para um certo nível de demarcação de pontos de vista com determinados setores da sociedade, este espaço teve auge no momento em que Dilma condicionou, veementemente como ela própria disse, o desenvolvimento nacional com o próprio desenvolvimento – econômico, social e político – da América do Sul. Foi além, ao exclamar uma dita política diplomática de Estado baseada nos “valores clássicos da tradição diplomática brasileira”: promoção da paz, respeito ao princípio de não intervenção, defesa dos Direitos Humanos e fortalecimento do multilateralismo. O compromisso do Brasil com a democratização das relações internacionais ficou latente na decisão de governo em continuar a lutar por um reordenamento do Conselho de Segurança da ONU. Afirmar e reafirmar essa tendência não é pouca coisa na medida em que todos os dias a política externa encampada pelo então presidente Lula sofre críticas pesadas e com forte teor ideologizado É motivo de estima para uma organização política de valores internacionalistas como o PCdoB a afirmação da continuidade desta linha de ação externa. Trata-se de uma grande conquista nacional a ser defendida no fundo de nossas mais profundas convicções.
O PCdoB está de pleno acordo com o caráter otimista da mensagem de Dilma Rousseff. Temos também clareza das possibilidades abertas ao Brasil por dois governos de caráter democrático e progressista. Os frutos estão aí tanto para serem colhidos, assim como para realizar novas semeaduras. Como partícipes da “grande política nacional” temos a consciência de nosso papel neste futuro desenhado na mensagem da presidente ao Congresso Nacional. O princípio é a luta e a disputa por rumos. Em quase 90 anos de existência uma de nossas marcas registradas foi o de tomada de responsabilidades diante de toda e qualquer situação posta pela conjuntura nacional. Estamos prontos para ajudar a Dilma Rousseff a construir o Brasil que tanto sonhamos. Um lugar mais digno para nascer, crescer e realizar as imensas potencialidades de nosso povo.
*presidente nacional do PCdoB