Sem categoria

Os ventos de mudança entre os trabalhistas britânicos

As complexas manobras políticas e as grandes mudanças no panorama político britânico descritos a seguir têm como pano de fundo a situação econômica. O desencadeamento da crise mundial capitalista tem servido para que o governo do Partido Trabalhista caia em descrédito, provocando um aprofundamento nos questionamentos ao sistema.

Por William Thompson

As complexas manobras políticas e as grandes mudanças no panorama político britânico descritos a seguir têm como pano de fundo a situação econômica. O desencadeamento da crise mundial capitalista tem servido para que o governo do Partido Trabalhista caia em descrédito, provocando um aprofundamento nos questionamentos ao sistema, que ainda não soube conduzir ao surgimento de uma alternativa socialista clara.

O New Labor (Novo Trabalhismo) consistiu na mudança de linha política dos trabalhistas que a ala direita levou a cabo nos termos de Tony Blair e Gordon Brown em 1994. Os trabalhistas eram da oposição desde 1979. Depois do recuo nos êxitos em matéria de linha política e democracia interna alcançados pela esquerda do partido nos convulsivos anos 1970, Tony Blair se fez responsável pelo partido e imediatamente removeu os objetivos socialistas incorporados na “Cláusula Quatro” dos estatutos. Desnecessário dizer que nenhum dos governos anteriores da ala de direita trabalhista fez alguma tentativa de levar a cabo uma política socialista. Uma vez colocado enquanto primeiro-ministro, Blair foi, no entanto, incapaz de completar a transformação do Partido Trabalhista em um partido abertamente capitalista ao não poder romper os vínculos com os sindicatos. Este feito é crucial para o futuro.

O poder de Tony Blair sobre o partido residia na crença de que só o New Labor podia ganhar eleições, o que sempre foi um mito. Os trabalhistas teriam ganhado as eleições de 1997 de qualquer forma, devido à desordem dentro do partido Tory (Conservadores), o partido tradicional da burguesia. Apesar das decepções sem fim e das contra-reformas do governo trabalhista desde 1997, a mensagem constante à base do partido era que somente podiam se manter no governo com uma política direitista.

Tal mito se desmoronou nas eleições de 6 de maio de 2010 com a derrota esmagadora dos trabalhistas, que obtiveram somente 29% dos votos, a porcentagem mais baixa desde 1983. Gordon Brown, o sucessor de Blair como primeiro-ministro, ostentava na sua época de que “não haveria um retorno a períodos de altos e baixos” econômicos. Como ministro da Economia, ele havia presidido sob um regime de “regulamento leviano” bancário (diferentemente do Estado espanhol) e parecia ter engolido o programa neoliberal por inteiro. Na realidade, o New Labor teve a sorte de governar durante um período de alta que se prolongou mais de uma década… até o golpe da recessão mundial. Como resultado, a maioria dos trabalhadores (ainda que não todos) desfrutaram de um aumento em seu nível de vida. O New Labor foi capaz de melhorar pouco a pouco todos os serviços sociais como Saúde e Educação, e não houve uma agitação sindical significativa.

Seja como for, em maio os trabalhistas obtiveram 5 milhões de votos a menos que em 1997, desiludindo cada vez mais e mais trabalhadores com sua política. O argumento básico do New Labor é de que eles eram capazes de gerir o sistema capitalista melhor que os conservadores, o que está hoje provado como falso. A classe dominante, em geral, apoiou o New Labor nas eleições de 2001 e 2005, mas, em 2010 não há dúvida que, assolados pela crise, fizeram campanha por um governo de maioria conservadora para levar a cabo seu trabalho sujo. Os ativistas do Partido Trabalhista passaram meses antecipando uma vitória conservadora arrasadora. Durante a última semana da campanha eleitoral houve uma recuperação dos votos trabalhistas, à medida em que os trabalhadores viam mais claramente a possibilidade do odiado partido dos conservadores, o partido de Thatcher, voltar ao poder. David Cameron tem empregado um tempo como líder do partido conservador “desintoxicando a marca Tory” para apresentar uma cara mais amável de seu partido.

A campanha eleitoral viu também um ressurgimento do partido Liberal-Democrata (lib-dems). Pode-se descrever os lib-dems como um partido capitalista centrista com apoio de votantes trabalhistas e conservadores descontentes com seus partidos. Há muita gente nesta categoria, muitos que não creem que os principais partidos ofereçam soluções à crise do capitalismo. Nas zonas majoritariamente de trabalhadores, onde os conservadores são fortemente odiados, os lib-dems tendem a se beneficiar do voto anti-trabalhista. Nas zonas rurais, diferentemente, os liberais são geralmente a principal oposição aos Tories. Durante a campanha eleitoral, os lib-dems prometeram abolir a matrícula universitária que atualmente sufoca os estudantes com dívidas. Transcorridas poucas semanas eles racharam e se comprometeram, como parte do governo de coalizão, a apoiar um aumento brutal das matrículas universitárias, o que desacreditou os liberais frente a seus mais tradicionais eleitores, como se vê nas pesquisas de opinião.

Chegadas as eleições os lib-dems obtiveram somente 57 cadeiras de um total de 650 das que constituem o Parlamento. Em parte isto se deve às restrições impostas pelo sistema eleitoral majoritário (“first past the post”) que rege as eleições britânicas: os 23% dos votos emitidos se traduzem somente em 9% dos assentos. “First past the post” (o primeiro a cruzar a meta) significa que o candidato com mais votos ganha a cadeira, e o resto dos partidos fica sem nada.

A formação do governo de coalizão

O resultado das eleições de maio foram tais que, ainda que os conservadores tenham saído como partido majoritário no parlamento, não houve um partido que pudesse formar um governo sem o apoio de outro partido. Para ser breve: todos perderam. Este é um resultado pouco comum na política britânica, dado que o “first past the post” tende a produzir maiorias parlamentares. Após um período de manobras encenadas no qual pareciam possíveis todos os tipos de acordos, os tories e os lib-dems finalmente surgiram com um acordo para governar em coalizão. Alguns militantes liberais demonstraram preocupação, temendo que a se associar a cortes duros e impopulares iria acabar com seu apoio eleitoral. Ainda está aberta a possibilidade de uma revolta parlamentar contra a política de coalizão.

Há consenso geral de que Gordon Brown foi o homem que fez os trabalhistas perderem as eleições. Durante as negociações para a formação de governo entre os trabalhistas e os lib-dems, o líder liberal Nick Clegg exigiu a renúncia de Brown como preço a pagar pelo Partido Trabalhista. Brown renunciou, mas não houve acordo. Os trabalhistas, portanto, se puseram a buscar um novo líder.

Eleições para líder dos trabalhistas

Os ex-membros do governo trabalhista que haviam levado o partido ao desastre eleitoral estavam determinados a que não se questionasse o passado, que a linha política permanecesse igual. Sem perder tempo, deram seu respaldo a David Miliband como “herdeiro de Blair”. Houve vários milionários que também decidiram financiar a campanha de David. O resultado foi que os militantes do partido se viram bombardeados de cartas, ligações telefônicas e e-mails promovendo David Miliband de maneira muito unilateral. Foi como se o establishment trabalhista pensasse que podiam implantar na direção o candidato “correto”.

Temos indícios do começo de um novo ambiente no Partido Trabalhista. Em algumas poucas semanas, durante e depois das eleições, se afiliaram 30 mil novos militantes para combater a coalizão dominada pelos Tories. O PT se fundou como ala política dos sindicatos, os quais por sua vez estão, em sua maioria, asociados ao partido como organizações sindicais. A eleição do líder se decide com um terço dos votos provenientes dos sindicatos asociados, outro terço que vem dos militantes do partido e o terço final vem dos parlamentares. Este sistema é uma pequena variante do proposto por Militant e aprovado pelo congresso trabalhista nos anos 80. A fórmula original proposta foi de 40:30:30, com 40% dos votos nas mãos dos sindicatos. Anteriormente a este sistema os deputados tinham 100% de votos na hora de eleger o líder.

Logo se tornou evidente o ponto fraco deste sistema: somente os deputados podem propor candidatos. A experiência demonstra que muitos, desesperados para conseguir um posto no governo, se alinham de maneira servil com o candidato que pensam que será o próximo dirigente. Para ser candidato é necessário conseguir o apoio de 30 deputados. Por que, se perguntam os militantes, os sindicatos não podem propor candidatos se representam milhões de trabalhadores?

O candidato óbvio da esquerda era John McDonnell, um combativo e firme reformista de esquerda. John é popular em congressos sindicais e também entre a base do partido, onde a esquerda tem mais apoio. John não pode conseguir apoio suficiente entre os parlamentares, e não há dúvida de que alguns deputados se viram pressionados a “considerar qual seria seu futuro político” (se apoiassem John). O resultado é que John não pode ser candidato e não houve discussão sobre os óbvios erros dos treze anos de New Labor, o desastre eleitoral de maio e o caminho a ser seguido no futuro.

O único candidato não “Blairista” foi Diane Abbott, uma deputada negra. Diane tem historicamente se colocado sempre à esquerda no partido. Nos últimos anos viu-se Diane trabalhando na televisão, na companhia de um antigo deputado Tory. Diane fez uma fraca campanha. Os outros quatro candidatos eram todos ex-ministros do governo New Labour entre 1997 e 2010. O que é interessante é que, apesar dos históricos, todos exceto David Miliband, a quem se via como o candidato da hierarquia, tentaram desesperadamente distanciar-se do New Labour e posicionar-se à esquerda de Miliband. Francamente, que outra coisa deveria ser feita? No final Ed Miliband, o irmão mais novo de David, ganhou com o apoio dos sindicatos. Por não estar no governo em 2003, Ed Miliband teve o luxo de poder se opor à invasão do Iraque, o que fez com que ganhasse a simpatia de milhões de partidários trabalhistas.

Não há dúvida de que a vitória de Ed Miliband representa um pequeno triunfo da base do partido. Foi um golpe na hierarquia do partido. Somente restava ver as caras dos ex-ministros do New Labour ao ouvir o resultado, ou escutar os comentários cheios de rancor (e ridículos) sobre “Ed o Vermelho” que o establishment do partido e a imprensa capitalita se dedicaram a disseminar. Logo após sair vitorioso, Ed Miliband começou a dar marcha ré. Obviamente, é um direitista. Mas a situação política na Grã-Bretanha está em fase de transformação.

A luta contra os cortes

Tudo isto é insignificante em comparação com o desastre econômico que se abate sobre a classe trabalhadora. A primeira fase da crise do capitalismo foi a crise bancária desencadeada pelo colapso da bolha imobiliária. A classe trabalhadora pagou o preço com a perda de rendas por horas extras, redução na semana de trabalho, congelamento salarial e cortes, e, sobretudo, com desemprego. Os governos de todas as formas correram para resgatar os bancos ao preço que fosse. Na Grã-Bretanha, Gordon Brown fez uma virada brusca em sua política e nacionalizou sem mais rodeios o banco Northern Rock. O governo também tornou-se acionista majoritário do vacilante RBS2 e do HBOS3 – tudo para sustentar o capitalismo. Agora os bancos estão obtendo benefícios absurdos e ganhando bônus monstruosos às nossas custas.

O resgate bancário custou somas enormes de dinheiro, nosso dinheiro. Enquanto isso as rendas de impostos fiscais foram reduzidas como resultado da recessão. A fase seguinte da crise, por consequência, tem se apresentado como uma crise financeira do governo. O governo britânico, tal qual os demais durante a recessão, gasta mais do que ganha. A coalizão de maioria Tory anunciou que tentará cortar 83 bilhões de libras do orçamento do Estado em quatro anos. Isto representa em média um corte de 25% nos serviços públicos. Significa também que, de acordo com as estatísticas do governo, se perca meio milhão de empregos no setor público. Dado que o setor público e privado estão entrelaçados, se estima que outro meio milhão de postos de trabalho desaparecerão do setor privado. O desemprego alcança dois milhões e meio de pessoas. Isto significa miséria econômica para um futuro próximo. Inclusive jornais burgueses como o Financial Times estão preocupados que os cortes sejam demasiado profundos e demasiado rápidos e que tragam de volta a recessão. A classe dominante está empenhada para que a classe trabalhadora pague em dobre pela crise, através de cortes no serviço público e do desemprego.

Os Tories argumentam que o déficit do governo é culpa de Gordon Brown e da administração trabalhista. Nossos leitores espanhois se darão conta que isto é uma mentira. Os déficits em escala mundial são resultado do resgate do capitalismo com dinheiro público. Há muito que os Tories sonham com a destruição do Estado de bem-estar, o maior êxito do esforço político da classe trabalhadora. Agora creem que é sua chance de fazê-lo. Os lib-dems, ao se aliarem com tudo isto, demonstraram que não passam de outro partido capitalista, algo que os marxistas sempre alegaram.

Nossos leitores desejarão saber por que não existiu um movimento massivo em nível nacional contra os cortes. Existiram lutas em âmbito local antes das eleições, por exemplo contra os cortes nos orçamentos universitários. Estes ocorreram durante as férias de verão, mas é agora no outono que a população espera se mobilizar. A razão fundamental que explica a falta de mobilizações generalizadas é a falta de direção por parte dos sindicatos, e a falta de alternativa política por parte da direção trabalhista. A imprensa direitista busca persuadir os trabalhadores de que é necesario reduzir o déficit e portanto os cortes são necesários, enguanto os trabalhistas não põem em questão a lógica do capitalismo, limitando-se a propor cortar de maneira mais lenta e sensível que a coalizão.

Existe um medo dos cortes e a vontade de resistência por parte dos militantes. Na reunião do Trade Union Congress (a organização que agrega os sindicatos britânicos) de setembro, dirigentes sindicais de esquerda como o líder dos ferroviários Bob Crow e o secretário geral do sindicato majoritário do funcionalismo, Mark Serwotka, fizeram uma chamada à mobilização unificada, mas, ainda assim, são minoria. No entanto isto é um presságio do que pode se passar no futuro

O nível de consciência sempre corre atrás dos acontecimentos. Em todo caso, o nível de consciência é contraditório. Muitos trabalhadores gregos declaravam aos pesquisadores que o déficit na Grécia tinha de ser reduzido, enquanto por sua vez se mobilizavam para defender seus postos de trabalho. A situação na Grã-Bretanha é volátil, e o nível de consciência pode mudar repentinamente.

A ameaça geral que representam os cortes ainda não se traduziu em ameaças específicas a postos de trabalho e serviços concretos. É difícil mobilizar-se contra cortes que não têm nome ou sobrenome. Quando se materializarem, a classe operária não terá outro remédio senão resistir. O governo de coalizão está obstinado a levar a cabo os cortes mais profundos do que os que tentou Thatcher nos anos 1980, e inclusive mais profundos do que os propostos pela coalizão dominada pelos Tories durante a Grande Depressão em 1931.

Como amostra disto, a coalizão quer reduzir drasticamente o Housing Benefit (as ajudas com o pagamento do aluguel das habitações às famílias pobres). Apesar de na prática o Housing Benefit pressupor um subsídio aos habitantes, devido ao alto preço dos alugueis, é a única maneira que as familias mais desfavorecidas têm para se permitir viver nas grandes cidades. Devido aos planos do governo de coalizão, os municipios londrinos estão fazendo preparativos para retirar dezenas de milhares de familias do centro de Londres e alojar-lhes em hoteis e pousadas com meia-pensão no meio do nada.

Milhões de pessoas não terão outra alternativa além de lutar. O terreno está aberto para uma explosão da luta de classes na medida em que a burguesia tenta jogar o peso da crise sobre os ombros dos trabalhadores.

Fonte: Revista Fórum. Original em http://nuevoclaridad.es/revista/index.php/internacional/303-soplan-vientos-de-cambio-en-el-movimiento-obrero-britanico. Tradução de Cainã Vidor.