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Egito: Quem representa a voz do povo?

Numerosos movimentos surgiram no Egito após a renúncia do presidente Hosni Mubarak sob o que se convencionou chamar de Revolução de 25 de Janeiro, mas nem todos são reconhecidos como legítimos pelos próprios atores dos protestos que puseram fim ao regime.

Por Adam Morrow e Khaled Moussa al-Omrani, na agência IPS

“Nenhuma tendência política pode se apropriar da revolução”, afirmou o porta-voz da Irmandade Muçulmana, Mohammad Saad Kitatni, no dia 18, na primeira aparição pública, na TV estatal, desta organização proscrita pelo regime de Mubarak. “Todos os setores da sociedade participaram do levante, e foi precisamente isso que garantiu seu triunfo”, destacou.

O presidente entregou, no dia 11, o Poder Executivo às Forças Armadas, após 18 dias de protestos em todo o país, uma mobilização sem precedentes por seu alcance e intensidade. Morreram mais de 350 pessoas. O Conselho Supremo das Forças Armadas atendeu várias reclamações da oposição, como suspender a Constituição e dissolver o parlamento. Também prometeu reformar a lei fundamental para organizar eleições presidenciais e legislativas livres no prazo de alguns meses, comprometendo-se a entregar o governo às autoridades civis eleitas nas urnas.

Entretanto, não foram atendidas outras reclamações da oposição, como libertação de presos políticos, fim da prolongada Lei de Emergência e a destituição do gabinete designado por Mubarak. Sem representação parlamentar nem Constituição, várias organizações, na maioria integrada por jovens, tentam preencher o vazio político.

A que mais se destaca é a Coalizão de Jovens 25 de Janeiro, criada no primeiro dia da revolta. Está integrada por vários movimentos juvenis: Liberdade e Justiça, 6 de Abril, Campanha Juvenil para Mohammad El Baradei e Jovens pela Mudança. Também compreende a juventude de vários partidos da oposição, como Irmandade Muçulmana, Karama, Wafd, Ghad, Tagammu e Frente Democrática.

“A autoridade legítima não deriva da Constituição de 1971, mas da Revolução de 25 de Janeiro”, diz uma declaração divulgada pela Coalizão pouco depois da renúncia do presidente. A entidade tem outras reclamações que se somam às anteriores, como dissolução do governante Partido Nacional Democrático, de Mubarak. Também expressou sua vontade de “supervisionar as medidas tomadas pelo Conselho das Forças Armadas para garantir o cumprimento das reclamações da população”.

Porém, esclareceu que “não temo o monopólio” sobre a revolução. “Nenhuma pessoa tem direito de falar em nome da revolução, nem mesmo nós”, disse à IPS o coordenador de imprensa do Movimento 6 de Abril, Injie Hamdi. “A revolta de 25 de janeiro pertence a todos”, acrescentou. A Coalizão surgiu quase em seguida ao início das mobilizações, mas vários movimentos adotaram o nome 25 de Janeiro após a queda de Mubarak.

Um grupo de destacados intelectuais, escritores, comunicadores e alguns jovens líderes anunciaram, no dia 16, a formação do Conselho de Líderes da Revolução de 25 de Janeiro, cuja missão é “fazer o acompanhamento dos êxitos”. Até alguns membros do partido governante subiram no trem revolucionário após a renúncia de Mubarak e anunciaram a intenção de criar o Partido 25 de Janeiro com jovens. Mas foram ridicularizados.

“Com a saída de Mubarak foi cortada a cabeça da corrupção, e seu corpo permanece intacto”, disse Injie. “Um corpo que consiste em figuras associadas ao regime, incluídos podres funcionários de segurança, empresários e outros que se beneficiam da imoralidade”, acrescentou. “Toda tentativa de regresso disfarçado do partido de Mubarak está destinado ao fracasso pela crescente conscientização política da população”, afirmou Amr al Shobki, analista do Centro Al Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos.

No dia 2 deste mês, nono dia de protestos, foi criado o Conselho de Sábios para mediar manifestantes e regime. Estava integrado por intelectuais e empresários, como o ganhador do Nobel de Química, Ahmed Zeweil, e o multimilionário copto Naguib Sawiris. Também foi rapidamente rejeitado pelos líderes dos protestos, muitos dos quais o viram como um estratagema para prolongar a vida do sistema. “Essa gente não nos representa, não se aproximaram para conversar”, disse à IPS o coordenador do Movimento 6 de Abril, Ahmed Maher. “Além disso, rechaçamos toda negociação prévia à renúncia incondicional de Mubarak”, acrescentou.

Os jovens líderes revolucionários também arremeteram contra os partidos de oposição “oficiais”, muitos dos quais no pior da revolta deram seu apoio ao regime. “Pediram com urgência que os manifestantes aceitassem as concessões do regime e suspendessem as manifestações. Quando Mubarak partiu deram uma guinada de 180 graus”’, afirmou Injie. A competição para ser a voz dos manifestantes “seguirá até haver eleições presidenciais e parlamentares. Depois, os eleitos terão autoridade para falar pelo povo”, disse Amr al Shobki.

Fonte: Envolverde