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Luciano T. Filho: E a terceira via?

Fomos surpreendidos, no último dia 28, com a notícia de que o governo Dilma, dentro do seu programa de corte de gastos, reduziria o repasse para o “Minha casa, minha vida” em 40%. Isso significaria um corte de mais de R$ 5 bilhões no programa que foi um dos carros-chefes da campanha de Dilma à Presidência.

Por Luciano T. Filho*

Imediatamente, a velha mídia aplaudiu o corte e, claro, não perdeu a oportunidade de mostrar seu triunfo e a contradição da presidenta. Mas por que cortar verbas de um programa de tamanha importância para o país?

A justificativa do programa de contenção das despesas do governo é o controle da inflação. Deseja-se, com esse arrocho nos gastos, cortar R$ 50 bilhões no orçamento de 2011 e, com isso, diminuir a pressão da máquina sobre a inflação. Como se dá isso? Lembram-se daquela coisinha chamada “Lei de Mercado”? É o seguinte: quando aumenta oferta sem aumentar demanda, caem os preços dos produtos, mas quando aumenta demanda sem aumentar a oferta, o preço sobe. Ou seja, se tiver muita gente querendo comprar poucos produtos, o preço dos produtos sobe e, ao contrário, quando tem pouca gente querendo comprar muitos produtos, o preço deles tende a cair. Ora, o governo federal é, de longe, o maior comprador do país. Como tal, sempre que ele entra no mercado para comprar algum produto, aumenta a demanda sobre esse produto, impulsionando a elevação dos preços e, portanto, a inflação. Sendo assim, cortar os gastos do governo diminui fortemente a pressão sobre os preços e, como resultado, diminui a inflação.

Sendo bem conservador, não há erro nas ações do governo. Pragmaticamente: a construção civil é um dos setores da economia que mais pressiona a inflação e, dessa forma, diminuindo a quantidade de dinheiro que o governo coloca nesse mercado, diminui a pressão sobre os preços e sobre a inflação.

Acontece que, do ponto de vista da justiça social, a coisa não é tão bonita quanto parece. No mesmo momento em que se corta R$ 5 bilhões de dinheiro público na construção civil, são lançados na economia R$ 23 bilhões do dinheiro público, por financiamento ou por intervenções diretas, com as obras da Copa do Mundo e da Olimpíada. Boa parte desses recursos vai para a construção civil. Ou seja, os governos podem pressionar os preços com R$ 23 bilhões, com as obras da copa, mas não podem permitir que uma camada cada vez maior da população possa realizar o sonho da casa própria? Esse “porém” na ação conservadora do governo federal não está descrito em nenhum manual de economia e nem é divulgado pela velha mídia, mas é importante para um comportamento crítico em relação ao atual estado de coisas.

O perigo dessa cartilha neoliberal é que, com o mesmo argumento, podemos derrubar o “Bolsa Família” e tantas outras conquistas do povo brasileiro. Sem a injeção do dinheiro do “Bolsa Família” na economia, teríamos, também, menos demanda em diversos setores e, portanto, uma redução da famigerada inflação, mantendo o poder de compra do salário mínimo.

Além disso, precisamos lembrar que uma terceira via é possível nesse jogo de oferta e procura. O ideário capitalista nos fez pensar que só são duas, as opções: ou o governo continua a jogar dinheiro na economia, criando a inflação, ou retira dinheiro da economia, reduzindo a inflação. Acontece que não precisamos permitir que alguns poucos empresários fiquem mais ricos com o aumento dos seus preços, enquanto o salário da maior parte da população perde poder de compra; nem precisamos cortar gastos do governo com o favorecimento da justiça social. Lembremos a terceira via: a via de esquerda, a via popular! É preciso ter em vista que uma maneira justa de conter a inflação, mesmo com a intervenção direta do governo, seria por meio de empresas estatais, que fariam, por mor da justiça social, pressão para baixar a inflação, reduzindo os seus próprios preços. Uma grande estatal, presente no setor da construção civil, por exemplo, permitiria que o governo equilibrasse os preços, mesmo jogando muitos recursos na construção de moradias. Com isso, uma parcela maior da população teria sua casa, o déficit habitacional brasileiro seria reduzido ou eliminado e não se permitiria que só ‘poucos’ ganhassem ‘muito’ com isso.

Isso se dá, pois, sem ser regida unicamente pela lei do mercado, uma estatal poderia manter seus preços baixos, forçando os empresários a baixar os seus preços, para poder se manter em concorrência com a estatal. Isso permitiria que a inflação não aumentasse, mesmo com um grande aumento da demanda.

Não quero, com isso, dizer que o projeto de mudança que o povo brasileiro abraçou, com a eleição de Lula e Dilma estão falidos. Pelo contrário, Dilma demarcou posição ao reajustar o “Bolsa Família”, colocando mais R$ 2 bilhões nesse projeto. Entretanto, é preciso ficar de olhos bem abertos para não cair no conservadorismo e na cartilha neoliberal. Precisamos, acima de tudo, lutar para que a terceira via se efetive, de fato. Ela não é irrealista: é possível, inclusive, dentro da própria estrutura capitalista. Não precisamos esperar o socialismo para fazer justiça, podemos começar agora!

* Luciano T. Filho é pesquisador de Filosofia