Política econômica de Dominique Strauss-Kahn e sua morte política
O que se segue é acerca do significado econômico e político da prisão de Dominique Strauss-Kah (DSK), o presidente do Fundo Monetário Internacional. Nada direi acerca dos méritos (ou falta deles) das acusações contra DSK.
Por Yanis Varoufakis*, em Resistir
Publicado 19/05/2011 14:11
Todos os casos de suposto assalto sexual contra homens altamente colocados apresentam duas exigências igualmente importantes (embora muitas vezes contrapostas) a todos nós: a importância de respeitar a aflição da alegada vítima (bem como de respeitar a sua luta com o espectro do terror que todas as mulheres enfrentam quando se decidem a acusar um homem poderoso) e a obrigação de respeitar a presunção de inocência do acusado. É neste espírito que nada direi acerca do caso e concentrar-me-ei numa parte importante da política econômica contemporânea.
Para abreviar, darei um exemplo pungente – um exemplo cujo significado transcende todas as anedotas acerca da maior "condescendência" que DSK teria demonstrado durante as negociações UE-FMI-governo grego sobre os termos dos empréstimos maciços de salvamento da Grécia. Para reforçar meu argumento vou citá-lo diretamente, ao invés de basear minha argumentação no ouvi dizer.
Em janeiro de 2011, DSK foi entrevistado por uma jornalista da BBC Radio 4 no contexto de um documentário sobre a história do FMI. [1] Próximo do fim do programa, ouvi a voz inconfundível de DSK a responder a uma pergunta da jornalista sobre como a economia global pode ser reconfigurada na sequência da Crise de 2008. A sua espantosa resposta foi:
Como tenho explicado alhures a função de um SRM (e as consequências da sua ausência ) com algum pormenor, desistirei de repeti-las aqui. Basta destacar a significância política e econômica do endosso de DSK à sugestão de Keynes e, em particular, a sua declaração de que Keynes estava à frente do seu tempo mas que é oportuna agora após o Crash de 2008: "Agora é o momento de avançar. E penso que estamos prontos para fazê-lo!".
Se o leitor precisar de um pouco mais de persuasão sobre a significância daquela declaração, considere isto: no contexto europeu, a declaração de DSK significa que, do seu ponto de vista, a Alemanha é um problema para a eurozona na mesma medida que a Grécia. Pois se excedentes sistemáticos têm a capacidade de minar uma área de divisa comum (ou de câmbios fixados), então o modelo de desenvolvimento da Alemanha está a minar a eurozona tanto quanto os déficits crônicos da Grécia.
Penso que DSK fez uma excelente observação. Mas o problema não é se o leitor concorda ou não comigo. A questão é a morte política de DSK (o anúncio da qual pode revelar-se prematuro) transmite um significado sem precedentes dentro e fora da Europa.
Dentro da Europa, a perspectiva de um presidente francês que acredita fortemente (e está pronto a apoiar a sua convicção com uma formidável panóplia analítica) que a eurozona não pode sobreviver sem um Mecanismo de Reciclagem de Excedentes (que canalize excedentes alemães para países em déficit sob a forma de investimento produtivo) tem o potencial para alterar radicalmente a agenda política e econômica do continente.
Tal presidência, em particular, apresentaria um contraponto estimulante à atual incapacidade mental para encarar as causas mais profundas da crise do euro e para reconhecer, finalmente, que a crise da dívida é um sintoma, não a causa, da cadeia de fracassos que ameaça a própria existência da eurozona.
Mais amplamente, o debate global acerca do que fazer com os crescentes excedentes da China também está destinado a tomar uma rota diferente conforme o presidente do FMI acredite, como DSK declarou fazê-lo, na importância de criar mecanismos automatizados, supranacionais, para reciclar excedentes (em oposição à insistência de Tim Geithner de desequilíbrios globais serem tratados apenas com ajustamentos nas taxas de câmbio).
Em suma, DSK é um dos raros responsáveis a encabeçarem uma instituição extremamente poderosa que possuem visões refrescantes atípicas de cinzentos burocratas mastigadores de números. Sua passagem política pode ficar desapercebida simplesmente porque o seu mandato no FMI foi curto e a sua presidência francesa agora é improvável que se concretize. Contudo, suspeito fortemente de que possa revelar-se como o mais significativo presidente francês já visto, bem como o mais influente presidente que já houve no FMI.
[1]. BBC Radio 4, Inside the IMF , Part Two, broadcast on 17th January 2011.
[2]. Os Estados Unidos demonstraram que não rejeitaram a ideia da própria reciclagem de excedentes ao implementarem o Plano Marshall (um exemplo fabuloso de reciclagem maciça de excedentes) e ao tomarem uma miríade de outros passos entre 1947 e 1970 para reciclar uma ampla percentagem de excedentes americanos na Europa e no Japão. O que rejeitarem foi a ideia de uma instituição supranacional que fizesse a reciclagem foram do controle político de Washington.
* Professor de Teoria Econômica da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Atenas. Autor de: The Global Minotaur: The True Origins of the Financial Crisis and the Future of the World Economy (Zed Books, 2011); (com S. Hargreaves-Heap) Game Theory: A Critical Text (Routledge, 2004); Foundations of Economics: A Beginner's Companion (Routledge, 1998); e Rational Conflict (Blackwell Publishers, 1991).