Sete palavras-chave da Porta do Sol de Madrid
Conheça detalhes das manifestações e acampamentos que varrem toda a Espanha com a reportagem de Guillermo Zapata para o La Jornada.
Publicado 23/05/2011 07:17
1 -Tempo. O tempo e e os sentidos estão agitados. O acampamento permanente na Porta do Sol de Madrid é pura vertigem. As horas passam rapidamente entre uma manifestação e a próxima, mas o tempo é dilatado. As noites são longas, contratos a longo prazo e se expandem movidas por uma maré de gente. Parece que se passaram anos aqui e não passaram mais de três dias, os motins são reais quando modificam o espaço-tempo.
O espaço-tempo criado nos últimos dias tem apenas uma obsessão: a continuidade. Paradoxalmente, é possível apenas com um piscar de olhos, mediante um ir e vir físico do sol. Manter viva a experiência ainda que você não esteja presente. Por isso o acampamento não pode ser entendido sem as redes sociais. A continuidade da experiência é obtida desterritorializando-a. Estou na Porta do Sol, embora esteja em minha casa. Eu estou lá porque continuo falando sobre isso, porque não consigo me concentrar no trabalho porque não sai da minha cabeça. E quando posso, vou para lá, corro em direção a ela, insiro-me nesse novo conector social em que se tornou a Porta do Sol para que outras pessoas possam ir dormir.
A concepção clássica das revoltas sociais representa um cenário que une a acumulação de forças à continuidade. Se continuarmos por mais tempo, seremos mais. Se continuarmos mais tempo, cairão mais tiranos. Essa mistificação parte de uma simplificação do que aconteceu no Egito e outros países árabes. Lugares dos quais tivemos notícias apenas no fim do processo, não em seu germe, não em seus anos de visibilidade e invisibilidade, em seus experimentos que falharam, em seus becos sem saída, e em suas voltas para trás. O que está acontecendo estes dias em Madrid não é o fim, não é o momento decisivo, é apenas o ponto de partida.
2. Comunicação. A comunicação é a forma de organização política. As pessoas tornam-se os meios de comunicação. As redes sociais não são tanto o meio, como o território de expressão e de organização. O senso comum é tecido na forma de fluxo e meme. Da lógica da confiança compartilhada do Facebook, passa-se para a lógica da vivência direta do Twitter.
O slogan circula multiplicado. Sem versões oficiais, o boato se transforma. Os meios de comunicação tradicionais são uma cacofonia dadaísta impossível de interpretar. Agarram-se ao que podem, projetam suas próprias abordagens. Por enquanto, a auto-narração do processo não passa de um streaming vital, mas a necessidade de contar, narrar a experiência vivida, o fato pitoresco, o “eu estava lá”, se intensifica.
A obsessão dos meios de comunicação para retransmitir as manifestações a partir de dentro , como alguém a mais, remete a uma obsessão pela perda de sua centralidade. Especialistas e analistas revelam-se como incapazes de pensar com suas próprias cabeças e devolvem uma única voz à direita e à esquerda. A sensação frente a seus balbucios é a mesma dos fãs da série Lost, que assistiram à tentativa dos comentaristas de qualquer rede de televisão para explicar o fim da série: uma mistura de choque, vergonha e brincadeira.
3. Poderes. Neste momento é exibido na Porta do Sol um enorme poder expressivo na qual toda pessoa reunida em grupo acredita ser a representação do todo. O sentimento de poder é tal que se chega a acreditar que o que cada um faz representa todos os demais. É uma lógica razoável e difícil de desaprender, mas é necessário desativá-la. O poder do movimiento vem de sua irrepresentatividade. Não nos representam … Porque não podem representar-nos.
Como acontece com qualquer rede dispersa, há uma infinidade de centros que não são o centro , mas estações de repetição de sinais, de propostas e de sentidos. Prima a criatividade. A hegemonia de quem leva a batuta em cada momento é totalmente cambiante. Dessa maneira, as assembleias não são espaços de produção de um sentido, mas sim de uma catarse coletiva. De um enorme desejo de falar e falar e falar. Misturam-se linguagens memorizadas (“O povo unido jamais será vencido” ), com novas formas de expressão ( “Erro 404, falha no sistema” ou “Baixando a democracia” ou “Não é uma crise, é uma estafa).
No campo institucional prima a loucura. Em 72 horas, vimos toda a classe política viajar entre o “Isso não está acontecendo” para “Isso não é importante”, “Isso é perigoso” e, nas últimas horas, “Nós somos vocês”! Novamente grotesco. A impossibilidade de enquadrar a mobilização no marco claro direita-esquerda que manteve o consenso social a partir da transição espanhola começa a revelar uma nova lógica de conflito: para cima e para baixo. Incapaz de controlar o que está acontecendo, o mecanismo de controle sobre o movimento é uma simples pergunta, uma pergunta constante: O que vocês propõem?
4. Propostas. A exigencia de propostas é um mecanismo de controle. Uma maneira de preencher o vazio do irrepresentável. Um mecanismo da mídia e da classe política, mas também de algumas expressões do movimento. Ter uma resposta permite outorgar um lugar para os rebeldes. Permite dizer “Ah, são utópicos” “Ah, são populistas” , “Ufff, são de esquerda”, “Ah, o que eles querem é impossível” , “Oh, são ingênuos”, “Não são radicais” ,”Oh, têm algumas coisas razoáveis”. Entretanto, impõe-se o silêncio. Ou algo parecido com o silêncio: uma cacofonia de sinais aparentemente contraditórios. Por muita angústia que nos possa gerar, talvez um bom ponto de partida seja: “Ao contrário de vocês, que fingem saber de tudo, não sabemos nada” Quem quer chegar logo a um lugar tem pressa. Não é nosso caso. Nas praças, a discussão em si é mais importante do que a sua conclusão. A responsabilidade é defender e ampliar isso. Continuar discutindo, continuar falando. Confiar no mesmo sentido comum que levou milhares de pessoas a resistir nas ruas por alguns dias. Até agora, não fomos mal.
5. Democracia real já. Esse logotipo, o lema que atravessa toda a mobilização é uma das suas partes constituintes. Por isso, a mídia e a classe polítia decidiram não pensar muito nele. No entanto, é bastante fácil: democracia, não qualquer democracia, mas uma real. O real é o que se opõe à simulação. Isso significa que o logotipo sob o qual se constitui esse movimento diz que o que o poder constituído chama de democracia é uma mentira e exige a construção de outra coisa que rompa seu simulacro. Mas não o apresenta em termos utópicos ou distantes. Nós o queremos já, o que significa urgência, nervo, significa que temos que é algo concreto, que tem que perpassar a vida, que não é palavreado, mas construção. É algo que não existe e, portanto, deve ser feito.
6. Então, e amanhã? É muito difícil pensar no amanhã, quando se está atravessado pelos acontecimentos de hoje. É ainda mais difícil quando a retórica da classe política sempre se sustentou no amanhã. No movimento o amanhã é impensável no momento. Só existe o agora.
Para o poder institucional as eleições de domingo, 22 de maio, são um momento de relegitimação. Um momento de restauração da governabilidade. Um tempo para colocar os pés sobre a mesa e redesenhar o mapa possível. As eleições têm funconado até o momento como um elemento difuso e talvez unificador em nível simbólico. Mas nos acampamentos e nas assembléias as palavras mais ouvidas são “conectar, estender, construir”. A partir de 23 de maio se começará a responder esta questão, como dizia uma pichação no dia da enorme manifestação que iniciou o movimento.
Ponto n º 7. Alegria, alegria, alegria!
Guillermo Zapata, escritor acampado na Porta do Sol, para La Jornada
Fonte: Cubadebate