Sem categoria

 Roberto Sosa: a poesia evocada como resistência em Honduras

Os desprovidos, os excluídos e a injustiça social que reina em Honduras foram os elementos fundamentais de sua obra. Na madrugada de 23 de maio, aos 81 anos, faleceu o grande poeta hondurenho Roberto Sosa, o primeiro latino-americano a receber o Prêmio Adonáis de Poesia, concedido anualmente na Espanha, em 1968. 

Três anos depois, ganhou o Prêmio Casa de las Américas, de Cuba, por sua obra Un mundo para todos dividido. Três dias antes de fechar os olhos para sempre, Sosa soube que receberia mais um reconhecimento: o prêmio espanhol Rafael Alberti pelo conjunto de sua obra.

Foi um dos intelectuais mais importantes dos últimos 60 anos de seu país e da América Latina. “Sosa sempre teve uma visão muito crítica a respeito da impressionante desigualdade de nossa sociedade hondurenha, onde a imensa maioria da população se encontra desprovida e um setor minoritário é proprietário da maior parte da riqueza”, afirmou a catedrática universitária e ativista das Mujeres en Resistencia de Honduras, Anarella Vélez Osejo.

Uma desigualdade que o poeta viveu na própria carne. Natural de Yoro, norte de Honduras, vindo de uma família de recursos muito escassos, Sosa se manteve a vida inteira com o que ganhava com o trabalho literário. “Sempre esteve ao lado das pessoas à margem da sociedade e esta posição é vista em sua literatura. Entre sua vida e sua obra, nunca houve contradição. Foi uma pessoa coerente com seu afazer literário e seu posicionamento político e social”, afirmou Vélez Osejo.

Um posicionamento que ficou mais evidenciado na denúncia do golpe de Estado que, em junho de 2009, derrubou o presidente Manuel Zelaya. “Mel, figura carinhosa, tinha sofrido um golpe militar feito com os três agravantes da lei: premeditação, aleivosia e vantagem. Vieram à minha memória as recordações da década de 1980: desaparição forçada, crime seletivo, perseguição econômica e trabalhista”, escreveu Sosa poucos meses depois do golpe.

Em várias declarações e escritos, Sosa apontou os principais artífices do golpe, o chefe do Exército, Romeo Vásquez Velázquez, e Roberto Micheletti, “monstro bicéfalo coberto pelo guarda-chuva verde da empresa privada”, que instalaram “uma ditadura de caráter fascista, traduzida em perseguição e morte, agressões e violações a mulheres, toques de recolher e assalto à mão armada aos meios de comunicação a serviço da verdade”. A dor dos excluídos e a injustiça social foram temas recorrentes da produção do poeta hondurenho.

Também ressaltou a importância do surgimento da Resistência hondurenha, “uma multidão indignada e uma força social e política estendida aos quatro pontos cardinais da doce Honduras. Uma resistência massiva e organizada que não abaixa os braços e que não deixou de se manifestar contra o governo golpista”. Sua posição o obrigou a abandonar o país por razões de segurança. Esteve refugiado por um tempo na Nicarágua e, finalmente, decidiu voltar.

“Foi o poeta universal de Honduras, o mais reconhecido de sua geração. O primeiro poeta que teve um discurso poético-social certeiro, sem metáforas, denunciando diretamente a corrupção, a violência e as condições nas quais vive a maioria do povo hondurenho”, lembrou Allan Fajardo, sociólogo e amigo pessoal de Sosa.

Em seu último adeus ao poeta, os Artistas en Resistencia declamaram: “Nossa dolorida Honduras levantou uma estrela em seus ombros e hoje vai com ela por suas ruas. Nossa poesia ganhou um ponto eterno no firmamento. Choramos o desaparecimento físico do melhor de nossa poesia viva, o poeta Roberto Sosa, homem e palavra que reuniu em si a dignidade que tantos encontramos como último recurso frente ao ataque constante daqueles que tentaram nos humilhar. Que sua poesia esteja presente nas bandeiras levantadas pelo povo em Resistência”.

Fonte: Opera Mundi