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Mazé Leite: Peter Paul Rubens, um mestre para ser lembrado

Neste 28 de junho, tivemos motivos a mais para comemorar, além das nossas festas juninas: o aniversário de nascimento de um dos maiores pintores do Ocidente: Peter Paul Rubens, a quem Eugène Delacroix (pintor francês) deu o título de "o Homero da pintura".

Por Mazé Leite*

Vênus e Adônis, óleo sobre tela, 194x236cm,
Autoretrato, 1632

Rubens nasceu em 1577 na pequena cidade de Siegen, na Vestfalia, próximo a Colônia, cidade alemã. Para lá tinham fugido seus pais por apoiarem a independência dos Países Baixos da dominação espanhola, que perseguia os protestantes. Mas o exílio também foi provocado pelo fato de seu pai, Ian Rubens, ter sido amante de Ana de Saxônia, mulher de Guilherme I, o que lhe daria pena de morte certa. Rubens nem tinha dez anos de idade quando seu pai morreu e sua mãe resolveu voltar para Antuérpia (hoje na Holanda), com seus dois filhos.

Desde cedo, Rubens queria pintar. Aprendeu desenho copiando as figuras que via numa bíblia e, passando por vários ateliês de pintores e com apenas 21 anos de idade é admitido como mestre de um grupo, a Corporação dos Pintores de Antuérpia.

Com 23 anos de idade, realiza o sonho de ir para a Itália, apoiado por sua mãe. Em Veneza, copia Veronese, Tintoretto e Ticiano, de quem fez 21 cópias.

Em 1603, Rubens é indicado pelo duque de Mântua a quem se ligara, Vincenzo Gonzaga, para uma missão diplomática junto ao rei Filipe III da Espanha. Era o começo de sua vida política, do pintor que sonhava com um mundo que vivesse em paz.

Em 1608, sua mãe adoece gravemente e ele volta para casa, nunca mais regressando à Itália. Ao chegar de viagem, sua mãe tinha morrido. No ano seguinte é nomeado pintor da Corte e recebe autorização para morar em Antuérpia. Logo, ele começa a receber uma quantidade tal de encomendas, que não conseguiria dar conta se não fosse a ajuda de seus alunos. Torna-se um homem rico, com a venda de

O Artista e sua mulher sob um caramanchão de
Madressilva, 1609-1610, óleo sobre tela, 174x143cm, Alte Pinakothek, Munique, Alemanha

seus quadros. Casa-se com Isabella Brant, de quem foi eterno apaixonado, tendo pintado o rosto de sua esposa em diversos quadros.

Rubens era famoso em toda a Europa. Pela França e pela Inglaterra, seu trabalho era conhecido, admirado e solicitado. Para atender a tantas encomendas que chegavam de todos os lugares, ele tinha uma rotina de trabalho diária que começava às quatro da manhã e terminava às cinco da tarde. Nesse período, montou um atelier que era uma verdadeira fábrica de pinturas, com muitos discípulos e ajudantes, que o auxiliavam na execução das encomendas. Dois de seus discípulos se tornaram famosos como ele: Peter Brueghel, o Velho, e Anton Van Dyck.

Em 1626, sua esposa morre aos 34 anos de idade, deixando-o desesperado e sem rumo. Para fugir desse sofrimento com a perda de Isabella, ele viaja mais, em missões diplomáticas, pela Espanha, França e Inglaterra. Era o período do que ficou conhecido como a Guerra dos 30 Anos. Rubens morreu antes de ver terminada a guerra entre esses países.

Clara Serena Rubens, 1615-1616,
óleo sobre tela, 37x27cm, Museu deLiechtenstein

Rubens era — como descreve Gilles Néret numa biografia do pintor flamengo — um homem erudito, além de um humanista cristão. Apaixonado pela antiguidade clássica, ele era escritor, que escrevia também em latim e francês, além de arquiteto amador. "O capelão da corte de Bruxelas – diz Néret – descreveu-o como 'o pintor mais culto do mundo".

Depois de Ticiano, o pintor que ele mais admirava era Caravaggio. Em 1614 ele pinta "A Sagrada Família" cuja Virgem foi inspirada no rosto de sua esposa, e o pequeno João Batista era o seu próprio filho, Albert. Essa pintura era a virada em direção a uma arte mais livre, mais madura. E mais barroca. Envolvido na luta contra a Reforma, ele, que era católico, tornou-se o grande pintor também a favor do catolicismo.

Mas as figuras pintadas por ele possuiam uma extrema sensualidade e os corpos de nus femininos povoavam suas telas, com mulheres rosadas, rechonchudas, sensuais. Mesmo nas pinturas de inspiração bíblica ou clássicas, via-se a beleza dos corpos nus das mulheres flamengas. "Suas madonas e santos estão demasiado próximos da carne a partir da qual foram pintados", diz Gilles Néret, que também destaca várias características desse mestre do Barroco: efeitos dramáticos e grandiloquentes, apaixonado culto ao movimento, busca do dinâmico em suas enormes telas, onde cada face é expressiva.

As Três Graças, 1639, óleo sobre tela, 500x617cm, Museu do Prado, Madri, Espanha

Ele não distingue muito Nossa Senhora da deusa Vênus. Seus corpos – mesmo os dos santos e anjos – são corpos "claramente habitados" e muitos houveram que se incomodaram com a nudez e pela "excessiva fisicalidade, pelo realismo imoderado: o grão perlado das dobras de carne roliça" que Rubens pintava. E o autor ousa dizer que Rubens "foi quem melhor transmitiu as cores e textura do corpo humano". E podemos acrescentar que foi Rubens o grande pintor que deu ênfase ao corpo da mulher, mostrando-o ao mundo com toda a sua pureza, beleza e sensualidade.

É interessante observar isso: Ticiano, Caravaggio, Rubens, Rembrandt, Vermeer, Vélazquez… grandes mestres da pintura universal, têm uma coisa em comum além da excelência técnica: são pintores profundamente voltados à representação do ser humano de sua época, permitindo que nós, séculos depois, possamos nos ver através desses rostos que atravessam os tempos, carregando em si e nas histórias que representam, a própria história da nossa humanidade.

Seria bom que os pintores de hoje se espelhassem na maneira de ver o mundo — a maneira humana — desses mestres…

* Mazé Leite é bacharel em Letras pela USP, artista plástica, pesquisadora de História da Arte

Fonte: artemazeh.blogspot.com