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Haiti: nem o entulho foi retirado após o terremoto

Especialista da ONU relata cenário de tragédia no Haiti, um ano e meio após o país ser atingido pelo terremoto que causou a maior catástrofe que o mundo já acompanhou pela TV

"Uma paisagem que vista de cima é toda branca. É inconfundível a cor da lona dos assentamentos que hoje abrigam mais de 600 mil pessoas, quase um ano e meio após a maior tragédia natural que já atingiu o país. Incrivelmente, para algumas das famílias acampadas, após o terremoto a situação de vida melhorou".

Quem afirma é Raquel Rolnik, urbanista da USP e relatora da ONU para a Moradia Adequada, que acaba de fazer uma viagem ao país para analisar a situação. “De alguma maneira em muitos deles a situação de vida é bem melhor que a dos bairros de onde as pessoas tinham vindo, porque pelo menos no acampamento, embora seja numa tenda provisória, existe distribuição de água potável, distribuição de remédios, muitas vezes distribuição de comida”.

Ela desembarcou no Haiti em maio, quando encontrou vestígios do estrago do terremoto de magnitude 7 que assolou o país em janeiro de 2010. “Aquilo que foi construído emergencialmente: barracões para órgãos públicos e acampamentos para as pessoas, essas coisas estão todas ali ainda funcionando, mas são coisas emergenciais, mas nem sequer todo entulho foi retirado.”

“É trágico. Do ponto de vista do processo de reconstrução, eles ainda estão extremamente lentos, e eu diria que o país está vivendo em uma situação provisória. Aquilo que foi construído emergencialmente: barracões para órgãos públicos e acampamentos para as pessoas, essas coisas estão todas ali ainda funcionando, mas são coisas emergenciais, mas nem sequer todo entulho foi retirado”, conta a especialista.

Nas contas da urbanista, no Haiti, e sobretudo em Porto Príncipe, mais de 80% da população vivia em assentamentos informais, em bairros muitos com até 30 anos de existência extremamente precários. “Isso significa que não tinham e não têm uma infraestrutura básica de sistema viário, de rede de água e esgoto, nem de equipamentos públicos como escolas e postos de saúde.”

A dificuldade para o retorno às casas, segundo Raquel Rolnik, é que muitos desses lugares eram irregulares antes do terremoto. Ou seja: não é possível comprovar, legalmente, o direito à volta ao lar. “Estamos falando em mais de 1500 acampamentos, organizados pela cooperação internacional.” Nesses lugares, aponta ela, há acampamentos que, em menos de um mês, já contava com 20 mil moradores. “E tem tudo, cabeleireiro, restaurante, oficina mecânica, tudo em volta já está ocupado.”

Além disso, diz a especialista, “para as pessoas que pagavam aluguel, e o esquema de ocupação que dá direito de a pessoa ocupar mas não é dela, sobretudo para elas, ficar no acampamento não é um problema, mas uma solução.”

O problema, aponta ela, é que em alguns lugares para onde foram levadas as famílias, antigos proprietários começam a exigir os lugares de volta. É como se, após a comoção ocasionada pela tragédia, não houvesse escombros da solidariedade inicial. “O grande problema é fazer isso sem que tenha outra opção para essas pessoas. É um crime”, resume.

“Você imaginar que vai construir um outro Haiti, um outro Porto Príncipe, isso evidentemente não vai acontecer. No Brasil começamos a fazer urbanização de assentamentos informais no nosso país há 20 anos, e não são todos os brasileiros que têm acesso à moradia digna ainda”, conclui

Fonte: Carta Capital