Sem categoria

País não deve abrir mão da energia nuclear, diz chefe de agência

Ao tomar posse na presidência da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), na última quinta-feira (7), Angelo Padilha defendeu a essencialidade da tecnologia nuclear para a humanidade. Em discurso na ocasião e também e em entrevista à Folha de S.Paulo, Padilha quis enfatizar que a utilidade da tecnologia vai além da produção de energia nuclear — que está sendo questionada depois do acidente na usina de Fukushima, no Japão, atingida pelo tsunami de 11 de março.

Especialista em materiais para reatores atômicos e professor da Escola Politécnica da USP, ele afirma que sua prioridade, bem como a do Ministério de Ciência e Tecnologia (ao qual a Cnen está subordinada), é a construção do reator multipropósito. Com essa iniciativa, o Brasil se tornará autossuficiente na fabricação de elementos usados em exames de imagem e tratamento de doenças.

Confira abaixo trechos da entrevista

Folha de S.Paulo: O sr. toma posse num momento de questionamento do futuro da energia nuclear. O governo não decidiu se fará mais usinas além de Angra 3 e disso pode depender a ampliação da capacidade da fábrica de combustível atômico de Resende, da qual a Cnen é acionista majoritária. Qual a sua posição nesse debate?
Angelo Padilha: Sempre que acontece um acidente das proporções de Fukushima, isso é horrível para a população local. Para os programas nucleares do próprio país e dos outros países, é uma oportunidade de reavaliação. Os engenheiros procuram descobrir as causas e soluções para elas. Isso já aconteceu inúmeras vezes, em Three Mile Island (1979, EUA), Tchernobil (1986, Ucrânia). É natural e está acontecendo uma reavaliação de todos os programas nucleares no mundo. Como engenheiro nuclear, não só como presidente da Cnen, o problema está na minha mente.

Folha: Qual é a sua posição?
Padilha: A parte de geração de energia é do Ministério de Minas e Energia. A decisão não tem a ver diretamente com a Cnen. Por coincidência e também por sorte para nossa área, uma das maiores especialistas em energia do mundo é a presidente Dilma Rousseff, que foi ministra de Minas e Energia e antes disso atuou nessa área no Rio Grande do Sul. A decisão de quantos novos reatores teremos ou não está em boas mãos. Estou tranquilo quanto à decisão.
Folha: Antes de Fukushima esperava-se um boom de energia nuclear no mundo, até para reduzir o aquecimento global. O acidente justifica um recuo? Como professor, qual sua avaliação?
Padilha: Nós já temos algumas decisões. Tem a da Alemanha, que é predominantemente política e não técnica. Outros países, como a China, estão mantendo. O Brasil está numa situação muito confortável porque nossa matriz energética permite várias outras alternativas. A presidente Dilma já se manifestou sobre isso ontem [quarta-feira], falou em construir novas hidrelétricas.

Folha: Ela falou em usina nuclear como um risco. Há países, como França e China, que não veem assim.
Padilha: Olha, o risco de qualquer tipo de energia é inegável, seja uma hidrelétrica, uma termonuclear. Inclusive é uma disciplina no curso de engenharia nuclear, a área de riscos. Não é nenhuma surpresa a declaração dela.

Folha: A decisão do governo sobre novas usinas poderá ter consequências para atividades em que a Cnen tem peso. Existe o projeto de uma fábrica de centrífugas para aumentar a capacidade da INB, a exploração das minas de urânio.
Padilha: A tecnologia nuclear não é só produção de energia, que no Brasil é proporcionalmente pequena. Tem a área de radioisótopos. Cerca de 3 milhões de brasileiros se beneficiam anualmente de radioisótopos, produzidos em instalações da Cnen. A Cnen tem atividades de fiscalização e licenciamento, que também continuam. A Cnen explora os minerais nucleares: urânio, tório, terras raras. Isso também continua.

É inegável a importância do acidente de Fukushima. Claro que estamos prestando atenção em decisões como a que a Alemanha tomou. Mas, no programa nuclear brasileiro, a geração de energia tem uma importância pequena. Em determinado momento, a gente pode abrir mão dessa energia, não é bom, mas podemos. Mas dos radioisótopos não podemos abrir mão.

Folha: Hoje o Brasil depende da importação de radioisótopos e até já teve problema de fornecimento. Para a construção do reator multipropósito, que resolveria esse problema, foi assinado um acordo de intenções com a Argentina para um projeto conjunto. Como analisa a participação argentina e que prioridade atribui ao projeto?
Padilha: A implantação do reator multipropósito brasileiro é a prioridade da área nuclear no MCT. É a prioridade número um da Cnen e nós já temos previstos para este ano cerca de R$ 20 milhões. Já foi assinado entre a Marinha e o MCT um termo de cessão da área em que será instalado o reator. Já tem um projeto inicial. Essa é a minha prioridade número um e eu tenho que acelerar a implantação desse reator.

Folha: E a parceria com a Argentina?
Padilha: Eu participei do projeto do primeiro reator brasileiro de potência, de propulsão para o submarino. É um PWR [reator de água pressurizada], com potência menor do que os de Angra, mas basicamente é o mesmo e as exigências são maiores, porque o de Angra está parado e o do submarino está em movimento. O Brasil tem capacidade de projetar reatores mais complicados até do que esse.

O acordo com a Argentina não é em função da nossa incapacidade técnica. Quem coordenou o projeto do reator para o submarino é o mesmo que está coordenando o do reator multipropósito, que é o engenheiro José Augusto Perrota [diretor de projetos especiais do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares]. Ele continuará na minha gestão com essas funções e talvez até maiores.

Por que então fazer em conjunto com a Argentina? A Argentina desenvolveu a capacidade de projetar reatores de pesquisa, e já projetou um muito importante, para a Austrália. Nós temos um corpo técnico muito competente, que já projetou um reator mais complicado que esse, mas com um número limitado de engenheiros e especialistas. O nosso não será exatamente igual ao da Austrália porque queremos algumas coisas um pouco diferentes.

Folha: Existe a proposta de divisão da Cnen. A atribuição de licenciar e fiscalizar iria para uma agência, como defende a Sociedade Brasileira de Física. Qual a sua posição?
Padilha: A criação da agência reguladora nuclear brasileira é um consenso na comunidade científica. Diria que é irreversível, necessária. Nós já temos um projeto inicial, que considero razoável, bom. Ele foi entregue ao MCT e já começou a receber críticas e sugestões. Eu preciso coletar todas essas sugestões, fazer uma nova proposta, que deve ser discutida novamente, para que a gente tenha um projeto de agência muito bom. Essa é uma das minhas tarefas e uma das metas da minha gestão.

A Sociedade Brasileira de Física tem uma comissão de acompanhamento do programa nuclear. Temos o maior interesse e considero uma obrigação minha me reunir com essa comissão, e acho que eles podem dar grandes contribuições para o modelo da agência reguladora.

Folha: O sr. então é a favor? Isso significa que a Cnen perderá algumas atribuições.
Padilha: Sou a favor. O que interessa é que o país ganha, não se o poder político do presidente da Cnen aumenta ou diminui. Isso é secundário. Estou exercendo uma função de Estado.

Folha: Apesar de ter grandes reservas de urânio, o Brasil ainda tem que importar.
Padilha: É por isso que a INB quer ampliar a capacidade de produção de Caetité. Eles também têm um cronograma.

Folha: O que impede hoje que se produza o suficiente para as duas usinas nucelares? Faltam investimentos?
Padilha: Isso está dentro do planejamento, mas quem tem os detalhes é o presidente da INB. O papel da Cnen é fiscalizar e licenciar.