Araguaia: Maria do Rosário ouve relatos de tortura dos camponeses

A ministra-chefe da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, cumpriu sob o abrasador sol amazônico extensa agenda em Xambioá (TO), acompanhando as escavações no cemitério daquele pequeno município araguaiano.

Por Paulo Fonteles Filho*

Maria do Rosário conversa com camponeses

 A visita, de mais de seis horas, marca a retomada das escavações em busca de desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia (1972-1975), principal movimento de resistência ao regime terrorista dos generais, expressando, dessa forma, o compromisso com que o governo federal tem tratado a questão da civilizatória luta pelo direito a memória e verdade, tão cara ao desenvolvimento da dimensão democrática do país brasileiro.

Leia também

A expedição, agora pelo Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), reúne, além da SDH, os Ministérios da Justiça e Defesa, familiares dos desaparecidos políticos, a Procuradoria Geral da República e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), organizador do movimento insurgente. O GTA substituiu o Grupo de Trabalho Tocantins do Ministério da Defesa que, entre 2009 e 2010, realizou diversas escavações na região do Araguaia e era marcado pela forte presença de militares da ativa.

No Cemitério de Xambioá

A primeira atividade da ministra foi no emblemático Cemitério de Xambioá. Depois de percorrer os dois polígonos onde estão concentradas as escavações, nas áreas do “Cimento” e “Axixá”, ela conversou com os peritos envolvidos nas buscas e procurou compreender o trabalho científico de geólogos, odontólogos forenses e médicos-legistas da Força Nacional, da Polícia Federal e do Instituto Médico-Legal do Distrito Federal, todos, enfim, envolvidos nos trabalhos de buscas e reconhecimento desde 2009.

No polígono do “Cimento”, indicação de um ex-mateiro, timidamente vai brotando das mãos dos legistas uma ossada que pode ser a do médico-guerrilheiro João Carlos Haas Sobrinho, uma das figuras mais emblemáticas das Forças Guerrilheiras do Araguaia, morto em setembro de 1972 em combate com as tropas oficiais da repressão política.

No contato com os técnicos, Maria do Rosário compartilhou das mesmas expectativas de todos da expedição – a possibilidade de estarmos diante do “Juca”. Mas o espírito geral do GTA é de cautela e comedimento.

Carta camponesa

Um grupo de 20 camponeses atingidos pela ditadura militar e organizados pela Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia (ATGA) entregou nas mãos da ministra um documento relatando um drama que se estende pelos últimos dois anos.

Do ponto de vista da ação repressiva da ditadura militar, nenhuma região brasileira fora tão castigada quanto o Araguaia e sua população, violada – no mais alto nível que se tem notícia no século 20 – em seus direitos. Não são poucos os relatos de torturas, ameaças, estupros e desaparecimentos forçados. É possível que centenas de lavradores pobres tenham sido mortos pela ação dos lobos em fardas.

O fato é que no início de 2009 os torturados do Araguaia tiveram seus direitos reconhecidos pelo Ministério da Justiça, através da Comissão da Anistia, que decidiu anistiar e reparar economicamente 44 camponeses pobres. Ato contínuo, advogados a soldo do famigerado Jair Bolsonaro – deputado federal pelo PP – ingressaram com uma ação civil pública e um juiz federal do Rio de Janeiro, José Carlos Zebulum, concedeu espúria liminar que suspendeu os direitos já concedidos pelo governo federal.

A ministra Maria do Rosário se escandalizou ao saber que cinco lavradores anistiados foram a óbito nos últimos dois anos e se comprometeu em intervir politicamente para assegurar os direitos dos alcançados pela repressão durante a Guerrilha do Araguaia.

O relato do dirigente da ATGA e indicado pelo PCdoB ao GTA, Sezostrys Alves, fora tão contundente que a ministra pediu uma reunião com a comissão de camponeses para ouvir deles os duros relatos da invasão militar ao Araguaia.

Por mais de uma hora, sem pressa, ela ouviu vários depoimentos de como se processavam as tormentas nas bases do Exército, particularmente a de Xambioá (TO) e na Bacaba (PA). Assim o fez na companhia do advogado Marco Antonio Barbosa, presidente da Comissão de Desaparecidos Políticos da SDH.

A lista dos “doutores”

Maria do Rosário recebeu das mãos dos comunistas Paulo Fonteles Filho e Leila Márcia Santos uma lista com dez nomes de militares que atuaram em processos de operações-limpeza.

Tais ações, organizadas pela comunidade de informações e militares de alta patente, ocorreram no curso dos anos que se seguiram à Guerrilha do Araguaia. O primeiro relato desse tipo de operação para apagar todo e qualquer registro da luta guerrilheira das matas do Pará data de 1976 e se estende até o início da década de 2000. O último relato se dá nas obras do Complexo Feliz Lusitânia, sob as ordens de ex-agentes do DOI-Codi encastelados na Abin-Pa.

O sentido da apresentação da lista de agentes da repressão se constitui em uma necessidade para a obtenção de informações em alto nível para a localização de dezenas de desaparecidos políticos. Na opinião dos comunistas, só os militares que participaram desse macabro evento podem dar pistas efetivas para que se encontrem dezenas de brasileiros submetidos a desaparecimentos forçados.

Na opinião de Aldo Arantes, dirigente nacional do PCdoB e que há muito advoga essa opinião, o governo federal deve envidar esforços para efetivar o recolhimento de novas informações sobre o paradeiro dos militantes políticos mortos pela ditadura militar de 64.

Quase ao cair da tarde, a ministra tomou o helicóptero rumo à Brasília, com novas tarefas no horizonte.

* Paulo Fonteles Filho é pesquisador da Guerrilha do Araguaia