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Chilenos ameaçam retomar greve após acusação de ministro

A greve de fome dos estudantes secundaristas chilenos, que terminou na noite da última quarta-feira (24), não foi o último capítulo da crise educacional que mobiliza o país há meses. No dia seguinte, o ministro de Saúde, Jaime Mañalich, declarou que cinco dos seis grevistas haviam engordado, e qualificou a greve como uma "farsa".

estudantes chilenos greve - Victor Farinelli/Opera Mundi

Segundo o ministro, apenas Gloria Negrete, estudante que estava internada desde a semana passada em estado grave, fez um jejum verdadeiro.

A nova polêmica em torno da veracidade ou não da greve de fome manteve a pequena cidade de Buin (35 quilômetros ao sul de Santiago), de pouco mais de 60 mil habitantes, no centro do noticiário. Os holofotes podem continuar por muito mais tempo, pois as palavras do ministro fizeram com que eles considerassem a possibilidade de entrar novamente em greve.

"Isso foi uma provocação! Ele falou sem ter noção do que foi a nossa greve, sem sequer ter participado de nenhum exame, somente para desprestigiar nossa manifestação e o movimento todo. Isso nos levou a pensar em retomar o jejum, em resposta ao que ele disse", afirmou Felipe Sanhueza, um dos três jovens que continuam internados e em constante observação médica.

Matías Ortega, outro dos que, segundo o ministro Mañalich, teriam simulado o jejum, explicou que "houve inspeções médicas diárias, mas nem sempre elas eram no mesmo horário. Além disso, foram usadas diferentes balanças, o que pode ter mostrado resultados diferentes, mas nunca tanto para justificar o que ele disse".

Felipe também esclareceu que a ação que realizaram não era uma greve seca. "Fomos diminuindo o consumo de água gradualmente. Na primeira semana tomávamos cerca de três litros diários e fomos diminuindo até somente um litro na última semana", detalhou. Segundo os estudantes, a debilidade física de todos era evidente. Este foi o principal motivo para o fim da greve, embora também tenham considerado os apelos constantes de parentes e amigos.

A reportagem de Opera Mundi realizou uma entrevista com os ex-grevistas. Também buscou junto à direção do Hospital Municipal de Buin os dados a respeito do estado de saúde dos adolescentes na quarta-feira, quando ingressaram ao local, e sua evolução, mas não foi autorizada a ter acesso às informações.

As fichas médicas contendo os exames diários realizados pelos médicos do hospital aos estudantes também não estavam disponíveis. Porém, os deputados socialistas Juan Luis Castro e Marco Antonio Nuñez retiraram cópias dos papéis, que foram encaminhadas ao Colégio Profissional Médico junto com uma acusação formal contra Jaime Mañalich no conselho de ética da instituição.

Em declaração à Radio ADN, na última quinta-feira (25), Mañalich assegurou também ter provas da suposta "farsa" dos estudantes. Entretanto não especificou quais eram, nem explicou a razão do suposto ganho de peso dos estudantes durante o jejum.

Três estudantes (Kamila Rubilar, Fabiola Pilquil e Francia Gárate) passaram dois dias internadas e tiveram alta no sábado (27) pela manhã, enquanto os outros três (Felipe Sanhueza, Matías Ortega e Gloria Negrete) continuam internados, com previsão de alta para essa semana.

Gloria Negrete, a única estudante poupada pelo ministro, compartilhou da indignação dos colegas. Internada no hospital de Buin desde o sábado retrasado (20), Gloria foi a única que teve contato direto com Mañalich, na semana passada. Após a visita, o ministro também iniciou outra polêmica, acusando a estudante de estar sendo mal influenciada por terceiros.

A primeira polêmica declaração de Mañalich ganhou outros contornos na versão de Gloria e seus colegas. "Ele somente conversou comigo, não realizou nenhum tipo de exame. Aos demais, a quem acusa de farsa, sequer os visitou. E durante a visita, quando um professor do colégio entrou no quarto, o ministro iniciou um escândalo, gritando e acusando o professor de assassino".

Segundo Gloria, o ministro gritou com o pai de um estudante do Liceu 131 de Buin (escola de ensino médio à qual pertencem os jovens e onde a greve foi realizada), cujo filho não participou do jejum.

Mañalich disse que ele era o autor intelectual do jejum, versão rejeitada enfaticamente por um dos grevistas, Felipe Sanhueza. "Pelo contrário, ele nos pedia três vezes por dia, ou mais, para que desistíssemos da greve e nunca esteve de acordo com ela", disse Gloria. Os três estudantes ainda internados não quiseram revelar o nome da pessoa em questão, segundo eles, para protegê-lo de possíveis represálias.

A decisão sobre a eventual retomada da greve de fome vai esperar. Assim como no começo do jejum, essa possibilidade será discutida por todos os estudantes que participam da invasão do Liceu 131 e votada entre todos eles para decidir sobre essa medida ou alguma outra forma de manifestação a ser adotada daqui por diante. Mas, certamente, essas ações só acontecerão após a recuperação de Felipe, Gloria e Matías.

No último sábado (27), o Liceu 131 serviu de sede para um bingo realizado pelos estudantes, onde também se confirmou o apoio da comunidade à mobilização e aos grevistas. O quarto onde permaneceram os seis estudantes desde o dia 19 de julho até a última quarta-feira se manteve praticamente como estava até o último dia, como um santuário em homenagem a eles.

Apesar do fim do jejum dos estudantes de Buin, outros 31 adolescentes chilenos continuam em greve de fome, em protesto contra a falta de resposta às demandas do movimento estudantil, que reclama um novo modelo educacional, que contemple a gratuidade das escolas públicas e o fim do lucro nas instituições educacionais.

Fonte: Ópera Mundi