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Em carta, jornalista acusa Folha de "desvios de conduta"

Carta enviada hoje à ombudsman da Folha de S. Paulo, pelo jornalista Celso Lungaretti, critica matéria publicada pelo jornal no domingo (4), intitulada Revolução? Isso é uma piada, onde reproduziu trechos de entrevista com o escritor italiano, Cesare Battisti, exilado no País. Antes disso, o próprio Battisti divulgou nota, domingo,  em que lamenta o tratamento dado à entrevista. Nesta terça-feira (6), o veículo publicou nota de três parágrafos no caderno Poder, citando nota de Battisti.

Na carta, o jornalista brasileiro acusa o repórter de se aproveitar de uma relação familiar para obter a entrevista, já que o próprio Battisti desconfiava do jornal por ter feito uma cobertura parcial sobre sua estadia no Brasil; de ter forjado uma cena levando-o a um bar, onde foi flagrado tomando cerveja e gargalhando; e ter revelado o endereço onde Battisti vive, colocando sua vida em risco. Não revelar sua localização era uma condição imposta para a realização da entrevista.

“Uma condição imposta aos entrevistadores tem sido sempre esta: a de não facilitar sua localização. A revista IstoÉ a respeitou, mesmo se tratando de uma matéria de capa. Idem a revista piauí. A Folha de S.Paulo, não. Logo no terceiro parágrafo, bem como no crédito do jornalista, colocou uma informação que poderia inspirar um atentado contra Battisti – sem nenhum motivo jornalístico para tanto, uma vez que nada de relevante acrescenta ao texto, sua situação no Brasil está totalmente legalizada e ele pode residir onde quiser. Por que não aludir, simplesmente, a “uma pequena cidade no litoral paulista”, como os outros fizeram?”, questionou Lungaretti.

Já Cesare Battisti lamentou, em nota, “o trabalho de desinformação e de manipulação” feito de maneira “científica”: “… de um lado, ele permite que se coloque na primeira pagina uma foto aonde eu apareço feliz da vida com gargalhadas e cervejas, cujo titulo e legenda “La dolce vita clandestina” serve para dizer a Itália que eu estou me lixando dos dramáticos anos 70; por outro lado, ele tenta quebrar o inegável apoio a minha causa dada pelos companheiros de vários países, titulando a pagina 10 do primeiro caderno ‘Revolução, isso é uma piada’”.
Por sua vez, o impresso afirma que em nenhum momento a matéria afirma que ele está “se lixando” para o período em que participou da luta armada. No mesmo parágrafo, afirma que quem conduziu o grupo até o bar, onde foram feitas as imagens, foi o próprio Battisti.

A ombudsman foi procurada mas não retornou. Confira abaixo a carta na íntegra do jornalista Celso Lungaretti, reproduzida no blog Náufrafo da Utopia:

Os desvios de conduta do jornal

Por Celso Lungaretti

Prezada senhora,

Em nome de Cesare Battisti, venho denunciar três graves desvios de conduta jornalística em que incorreu a Folha de S. Paulo na entrevista “Revolução? Isso é uma piada“ (link para assinantes), publicada no domingo (4/9).

1. A utilização, por parte do jornalista João Carlos Magalhães, de uma relação familiar (no caso o tio, Magno de Carvalho Costa) para obter a entrevista, a despeito da desconfiança que a Folha de S. Paulo inspirava em Battisti e em todos nós do Comitê de Solidariedade – não só por seu viés na cobertura do caso, que sempre avaliamos como adverso, como por ter se posicionado favoravelmente à extradição para a Itália em editorial publicado no dia do julgamento no STF.
Eis o depoimento de Carvalho Costa:

“Quero dizer que me sinto responsável por trazer a minha casa, onde está hospedado o companheiro Cesare, o jornalista João Carlos Magalhães da Folha de S. Paulo, que acabou fazendo a matéria, que certamente foi o que de pior já publicou sobre Cesare Battisti no Brasil.
“Este jornalista no qual confiei e fiz confiar ao Cesare, é meu sobrinho e é filho de pais de esquerda…

“Foi com a maior surpresa e decepção que leio a matéria infame publicada pela Folha de S. Paulo, (…) em que o Sr. João Carlos Magalhães, rompendo com todos os acordos feitos comigo e com o próprio Cesare de imparcialidade, publica esta matéria com o claro objetivo de provocar a direita e, por outro lado, indispor Cesare com todos os que o apóiam, negando suas convicções”.

Armadilha

2. O logro, o uso de subterfúgios e o descumprimento de promessas poderiam ser considerados apenas lapsos morais, se o jornalista não tivesse se valido da confiança que Battisti nele depositou (porque afiançado pelo tio) para induzi-lo a uma exposição negativa. Eis o relato de Battisti:

“…[foi colocada na] primeira pagina uma foto onde eu apareço feliz da vida com gargalhadas e cervejas, cujo título e legenda ‘La dolce vita clandestina’ serve para dizer à Itália que eu estou me lixando para os dramáticos anos 70…

“…Agora vem a safadeza: ele mesmo [o jornalista João Carvalho Magalhães] me levou ao bar só na intenção de tomar essa foto.”

A conjugação de uma foto de Battisti gargalhando com uma legenda sarcástica predispõe, indiscutivelmente, os leitores contra ele. É inaceitável que o jornalista o tenha induzido a colocar-se nessa situação, aproveitando a forma dúbia como se introduziu junto a Battisti para o desmoralizar. Trata-se, nem mais nem menos, de uma armadilha. A ingenuidade de um não justifica a má fé e falta de escrúpulos do outro.

Sem motivo

3. Pior ainda foi haver rompido unilateralmente e sem comunicação prévia o acordo de não revelar a região em que Battisti estava morando. Trata-se de um cidadão contra quem, há vários anos, é movida uma intensa campanha de ódio na Itália e no Brasil. A própria imprensa italiana já noticiou que o serviço secreto daquele país tentou contratar mercenários para sequestrá-lo ou eliminá-lo em solo estrangeiro, com as tratativas só não avançando por desacordo quanto a preço. Enfim, Battisti tem justificados motivos para adotar algumas precauções.

Uma condição imposta aos entrevistadores tem sido sempre esta: a de não facilitar sua localização. A revista IstoÉ a respeitou, mesmo se tratando de uma matéria de capa. Idem a revista piauí.

A Folha de S.Paulo, não. Logo no terceiro parágrafo, bem como no crédito do jornalista, colocou uma informação que poderia inspirar um atentado contra Battisti – sem nenhum motivo jornalístico para tanto, uma vez que nada de relevante acrescenta ao texto, sua situação no Brasil está totalmente legalizada e ele pode residir onde quiser. Por que não aludir, simplesmente, a “uma pequena cidade no litoral paulista”, como os outros fizeram?
Confio em que a ombudsman compreenderá a gravidade do que estou expondo e vá tomar as providências devidas.

Deborah Moreira, da redação do Vermelho