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Argentina: entre o radicalismo e o retrocesso

O secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista (PC) da Argentina, Jorge Kreyness, avalia, em entrevista, as mudanças necessárias no país frente a um novo governo de Cristina.

Jorge Kreyness

Por Vanessa Silva, da Argentina, especial para o Vermelho – texto e fotos

“O voto em Cristina é a melhor opção para sustentar o rumo atual das reformas opostas ao neoliberalismo no país”. Dessa forma, o Partido Comunista da Argentina declarou apoio à candidatura da peronista Cristina Kirchner, que concorre à reeleição no dia 23 de outubro.

Na primeira etapa das eleições argentinas, as Primárias Abertas Simultâneas Obrigatórias (PASO), realizada dia 14 de agosto, a atual presidente obteve mais de 50% dos votos. Se a cifra se mantiver nas eleições oficiais, que serão realizadas em outubro, Cristina poderá ser reeleita sem a necessidade de um segundo turno.

Em entrevista ao Vermelho, o jornalista, analista internacional e secretário de Relações Internacionais do PC, Jorge Kreyness, ressalta a importância do “aprofundamento de uma série de medidas antimonopolistas que foram adotadas” por Cristina e o risco de um retrocesso nos rumos do governo. Neste sentido, pontua a importância da integração sul-americana para o fortalecimento da região.

Perspectivas para o novo governo

Segundo Kreyness, o apoio obtido por Cristina Kirchner nas PASO, o debate que se coloca agora é que tipo de governo ela deve realizar a partir de dezembro de 2011. Como conseguir a maior quantidade de deputados favoráveis ao seu governo e como fortalecer o movimento popular para que se avance em mais medidas a favor de setores como o dos trabalhadores, dos marginalizados e da classe média da cidade e do campo.

Outra questão é como aprofundar uma série de medidas antimonopolistas que foram adotadas até agora, como a estatização dos fundos de aposentadoria e pensões e a lei dos meios de comunicação social.

"Para nós, do Partido Comunista, a contradição fundamental passa entre uma radicalização deste processo de mudança e um retrocesso para as práticas neoliberais, o que pode acontecer de duas maneiras: a partir uma derrota do governo, que agora se faz mais difícil [com o resultado das PASO], ou de um estancamento, de uma mudança em sentido conservador", afirmou o comunista.

Para ele, essas questões não podem ser descartadas à medida que o governo deve fazer uma política de alianças para gerar uma correlação de forças e, assim, garantir a governabilidade com setores que não rompem com a barreira do neoliberalismo.

Sede do Partido Comunista da Argentina

Movimentos Sociais

Com relação aos movimentos sociais, Kreyness ressaltou que continuam fragmentados: "Lutam por uma parte, por um aspecto. Na Argentina, eles se politizaram bastante. A atual política da presidente incluiu muitos. Outros, mantêm uma posição neutra, ou se vincularam a alguma força política da oposição, mas são minoritários".

O secretário comparou os movimentos argentinos aos brasileiros. "Por exemplo, eles não têm a força que têm, no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ou o movimento de moradia. Não é a mesma situação. Entendo que na Argentina temos maior estabilidade nos partidos, temos partidos históricos e eles conseguem conter e ser intermediários entre a sociedade e o Estado. Em geral, os movimentos sociais surgiram em situações onde as democracias estavam pouco consolidadas e os partidos tinham pouca tradição", exemplificou.

Questões a serem aprofundadas

No sentido de aprofundamento das mudanças desse governo, o partido propõe a criação de uma lei de sistemas financeiros, que vise à proteção dos direitos dos usuários de bancos e não do grande capitalista, o banqueiro. "Também apoiamos a aplicação da lei de serviços de comunicação audiovisual, que está parada na Justiça e objetiva desmonopolizar os meios de comunicação", completou.

Já no contexto da crise internacional, ganha importância a aprovação da Lei de Terras, que limita a compra deste bem por estrangeiros. Em um momento de enfraquecimento do dólar, muitos capitalistas podem querer comprar terras na Argentina. Faz-se necessário também desenvolver o mercado interno com melhores salários para os trabalhadores, aposentados e excluídos do sistema. Esse processo cria uma economia mais forte e se relaciona com a criação de um mercado mais amplo sobre a base do processo de integração latino-americana que está em curso.

Atuação enquanto região

O comunista argentino pontuou que, neste momento, foram obtidos avanços importantes, como é o caso da União Sul Americana (Unasul) e da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), onde são considerados novos modelos de integração, sob um viés ideológico, que não é o liberal, mas de soberania popular. "Nesse sentido, um dos projetos mais importantes é a criação do Banco do Sul, que deve ser um banco de desenvolvimento e de segurança financeira para nossos países", comentou.

A adesão da Argentina ao Banco do Sul, aprovada dia 8, por unanimidade, pela Câmara dos Deputados, "é um fato muito importante porque hoje temos que pensar a política em termos regionais. Não podemos pensá-la provincianamente, do âmbito de nossa terra natal. Para ela, deixamos o tango, o mate, as culturas. Em um mundo globalizado, temos que pensar como Unasul como região", avaliou.

[Também ratificaram a criação do Banco do Sul os Congressos de Venezuela, Equador e Bolívia. Mas, para que entre em vigor, a medida ainda precisa ser aprovada por Brasil, Uruguai e Paraguai.]

"O Banco do Sul pode dar uma força a mais para a Unasul. Dessa forma, todas as reservas dos países da América Latina devem ficar em nosso banco, onde possam ser utilizadas como recurso para o desenvolvimento de nossos países e bem-estar de nossos povos", concluiu.