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Manuela d’Ávila na China: Direitos Humanos no Brasil

A deputada Manuela d’Ávila (PCdoB-RS) participa, durante esta semana, do Fórum de Pequim sobre direitos Humanos, na China. Única representante da América do Sul no seminário, Manuela, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, afirma que “a bandeira de direitos humanos deve ser construída por todas as mãos. E não deve ser usada para obstruir o desenvolvimento das nações ou para ensinarmos uns aos outros”.

Confira, a seguir, a íntegra da apresentação de Manuela no Fórum.

Deixem-me apresentar a vocês. Sou Manuela e eu sou do sul do Brasil. Acredito que sou o único membro da América do Sul. O meu país está passando por um grande período de desenvolvimento econômico e social. Nos últimos oito anos, este desenvolvimento também nos permitiu reconstruir os nossos valores culturais e reforçar a promoção dos direitos humanos e valores para todos os brasileiros. Temos promovido o resgate dos direitos históricos dos povos indígenas e descendentes de escravos, dos quilombolas, e mudamos a nossa lei de combate à violência doméstica contra as mulheres.

Devido a este desenvolvimento, temos, também, um progresso considerável na garantia dos direitos humanos dos nossos cidadãos.

Temos a certeza que 38 milhões de brasileiros não morrerão de fome. Ampliamos o acesso à universidade para 863 mil novos alunos. Além disso, vimos 20 milhões de pessoas ingressarem na classe média. Estamos, portanto, focados na garantia dos direitos econômicos e sociais.

Eu acredito que esta é a questão principal – ou uma das questões centrais – nos países em desenvolvimento, quando se trata de direitos humanos: é necessário assegurar que o nosso povo possa comer, estudar e ter saúde.

Mas, este país que está crescendo e que deixou uma ditadura militar há pouco mais de 25 anos, ainda tem muitos direitos civis e políticos para garantir, de modo que todas as dimensões dos direitos humanos sejam uma realidade.

Nesta semana, o Congresso Nacional deve aprovar uma Comissão da Verdade – o nome dado a uma organização que fará esclarecer os fatos da Ditadura Militar. 25 anos depois!

Mas, além dos erros do passado, ainda temos no Brasil um grave problema social decorrente da desigualdade social: as nossas prisões.

Temos meio milhão de presos e, desses, apenas 1% tem ensino superior. Isto significa que aqueles que estudam não cometem crimes? Não. Significa que, no Brasil, apenas os pobres são punidos.

Do total dos presos, a maioria (127.000) tem menos de 24 anos e está lá devido ao tráfico de drogas. Discutir tráfico de drogas é, portanto, para países com conflitos nesta área, uma questão de direitos humanos. Infelizmente, não tenho tempo para discutir estes temas aqui.

Mas estou trabalhando nisso e eu gostaria de falar com as organizações que investem na reabilitação destes jovens para retornem à sociedade com dignidade e oportunidades.

Vejam este exemplo:

“Eu estive preso por oito anos e oito meses. Entrei na prisão inexperiente. Saí como expert”. Esta frase reflete o estágio de desenvolvimento do sistema penitenciário brasileiro.

A situação de crise agravou-se ao longo dos anos. Uma situação de crise que se agrava com o passar dos anos. Uma situação indigna a qual centenas de milhares de brasileiros estão sujeitos. Enquanto esperam, eles são instruídos para desaprender todos os princípios básicos da vida em sociedade. Eles são instruídos para serem melhores no mundo do crime.

Se o tempo gasto nas prisões está instruindo os prisioneiros a cometer mais crimes, qual o papel do Estado? Esta é a discussão que propusemos na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Congresso.

Isto não é sobre a defesa do fim da punição, embora alguns ainda insistam que os direitos humanos é a defesa de bandidos. A nossa lei e a nossa justiça agem em conformidade. Eles cumprem o seu papel como agentes punitivos quando necessário. A questão que propomos vai além da superfície: ela aborda a falta de políticas para recuperar esses cidadãos e de viabilidade de perspectivas, para que possam mudar o rumo de suas vidas.

Se um jovem comete um crime, ele tem que pagar por isso. Mas, além do papel punitivo, o Estado deve dar a ele a perspectiva de uma mudança de paradigma. Este jovem, homem ou mulher, que pagou por seu crime, deve ter uma oportunidade ao deixar a prisão. Não pode haver uma lacuna entre a vontade de mudar a realidade que encontra. Mas este problema permanece invisível.

Nós só conhecemos o papel desempenhado de forma apolítica por entidades não governamentais, grupos e organizações. O AfroReggae, por exemplo, o faz. Em três anos, 2.069 pessoas foram empregadas. 914 eram ex-presidiários. Nenhum voltou ao crime.Este grupo, como outros do Brasil, estão preenchendo uma lacuna e cumprindo um papel que deveria ser o do Estado. E é isso que temos que pensar e discutir franca e abertamente.

Enquanto negligenciamos as políticas públicas para a reintegração dos ex-presidiários, estamos abandonando parte de nossa população. A administração pública deve estruturar um sistema abrangente para a reintegração com a formação profissional dos egressos do sistema prisional. Devemos ajustar a separação de presos d acordo com o tipo de crime e devemos proteger o ex-detentos das ameaças de gangues criminosas e da própria polícia. Enquanto evitarmos esse debate, ampliaremos a violência, o crime e a marginalização.

Violência não se combate com mais violência. A resposta é dar de volta à sociedade cidadãos empregados e reinseridos. Por isso estamos estudando a possibilidade de apresentar, através da Comissão, um projeto de lei para regular a reabilitação de ex-prisioneiros.

Precisamos repensar o papel do sistema de justiça criminal. É preciso pensar em todo o percurso o da situação em que um crime é cometido, para o momento da libertação do condenado. Devemos evitar o crime. Precisamos de um sistema eficiente. Mas, acima de tudo, precisamos mostrar àqueles que estão deixando a prisão, hoje, que eles podem ter uma vida diferente. É claro, com menos dinheiro do que o tráfico de drogas, mas com a chance de ter uma família. Com a certeza de que é possível planejar o futuro sem banir o futuro do próximo.

Este deve ser o centro do nosso debate. Enquanto nós não pensamos a reabilitação daqueles que deixam a prisão depois de pagar por seus crimes, estamos andando em círculo, combatendo à violência com violência, a intolerância com intolerância. O Estado deve ser o protagonista da mudança que todos nós queremos.

O Estado precisa pensar sobre o trabalho desenvolvido pelo AfroReggae como modelo e levá-lo para todo o País, para todos os prisioneiros. Apenas com uma plena reabilitação daqueles que cometem crimes, vamos ter uma sociedade com menos violência e mais direitos garantidos a todos.

Fonte: www.manuela.org.br