Sem categoria

A importância de ler os clássicos

Muita gente já profetizou sobre o fim dos livros e até da literatura, acossados por cada nova iParafernália anunciada pela Apple. Poucos, porém, o fizeram com tanta autoridade e com tanta ênfase quanto o mítico escritor norte-americano Philip Roth, em entrevista publicada na última edição da revista Época.

Por Hugo Souza*

“A cultura literária como conhecemos vai acabar em 20 anos. Ela já está agonizando. Obras de ficção não despertam mais interesse dos jovens, e tenho a impressão de que não são mais lidas. Hoje, a atenção é voltada para o mais novo celular, o mais novo tablet. Daqui a poucas décadas, a relação do público e do escritor com a cultura será muito diferente. Não sei como será, mas os livros em papel vão acabar. Surgirá outro tipo de literatura, com recursos audiovisuais e o que mais inventarem”, disse à Época um desiludido Roth, que há não muito chegou a anunciar que não escreveria mais.

A sentença do fim da cultura literária anunciada por Philip Roth vem na sequência de um ronrom no meio literário sobre o mesmo assunto envolvendo o nome de um outro escritor não menos célebre, Umberto Eco. Correu a notícia de que Eco estaria reescrevendo sua obra-prima, “O Nome da Rosa”, em uma linguagem mais simplificada, para a geração internet, uma espécie de “O Nome da Rosa para Leigos”.

Elementar demais, meu caro Watson

O novo “O Nome da Rosa” teria menos referências eruditas e seria mais “amigável” para a leitura em tela. O escritor italiano correu para desmentir os boatos, dizendo que está fazendo apenas uma revisão do livro, corrigindo erros para uma nova edição. Mas a notícia de que as aventuras de William de Baskerville e Adso de Melk ganhariam uma linguagem mais moderna já tinha saído nas páginas de alguns dos maiores jornais da Europa, como o francês Le Monde, o espanhol El País e o italiano La Repubblica.

Os boatos sobre Umberto Eco colocaram lenha em uma fogueira que arde e estala com altas labaredas há pelo menos dois anos, desde que a tradicionalíssima editora britânica Penguin causou alvoroço no mundo literário ao anunciar o lançamento de uma coletânea um tanto herética: a reunião de 60 clássicos da história da literatura recriados no Twitter.

Neste livro, Sherlock Holmes informa sobre suas investigações em tempo real, economizando artigos e pronomes: “Investigação continua. Deduzi coisas brilhantes a partir de poucas evidências. Percebeu restos de sal nos sapatos do dono da fábrica?”. Estaria Conan Doyle dando cambalhotas na sepultura?

Werther em 140 caracteres de sofrimento

E Goethe, que diria do seu jovem Werther resumindo os males da alma assim, em 140 caracteres: “Já disse o quanto estou chateado? Estou muito chateado. #pain #angst #suffering #sexdep”?

Diferentemente da adaptação de obras célebres para os quadrinhos, por exemplo, o incômodo com iniciativas como a da Penguin ou com rumores sobre um upgrade, por assim dizer, em “O Nome da Rosa” é a sensação de que se está sendo arrastado por uma torrente irrefreável. Mas há escritores que estão nesta torrente de bom grado. Cerca de um ano após o anúncio do “Twitterature” da Penguin, a Companhia das Letras organizou a série “Clássicos no Twitter”, na qual escritores como Milton Hatoum aceitaram reduzir clássicos da literatura inteiros a 140 caracteres para serem publicados no serviço de microblogging.

É interessante constatar como a discussão sobre literatura e tecnologia se dá mais ou menos nos termos em que o próprio Umberto Eco, em sua célebre definição de apocalípticos e integrados, classificou as diferentes atitudes diante da cultura de massa na era tecnológica: de um lado, aqueles que, como Philip Roth, acham que a literatura tal como a conhecemos sucumbirá aos tablets, smartphones e passarinhos azuis; do outro, os que até se entusiasmam com o imperativo digital se sobrepondo ao papel, e ao papel que o papel até hoje desempenhou. Estes últimos dirão, em sua defesa: o que é a literatura senão, literalmente, uma mensagem de texto?

* Publicado originalmente no site Opinião e Notícia.