Pacote da UE ainda não é a luz no fim do túnel da crise
Os líderes da União Europeia aprovaram na manhã desta quinta (27) um pacote de medidas econômicas para contornar a crise, que prevê redução de 50% da dívida grega, a recapitalização dos bancos e elevação do valor do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) de 440 bilhões para 1 trilhão de euros. Mas isto não significa o fim das turbulências.
Publicado 27/10/2011 19:25
Economistas alemães ouvidos pela Deutsche Welle afirmam que o pacote não basta para colocar um ponto final na delicada situação econômica em que se encontra o bloco. A decisão de perdoar metade da dívida grega e de alavancar as garantias oferecidas pelo fundo de resgate de 440 bilhões para 1 trilhão de euros foi anunciada após uma cúpula que reuniu líderes dos 17 países da zona do euro em Bruxelas.
"Esta é, no máximo, uma etapa intermediária", avalia Andreas Freytag, professor de política econômica da Universidade de Jena. "O fim da crise virá quando não houver mais nenhum fundo de resgate. O fundo é, por assim dizer, um motor que impede os governos de fazerem reformas. Isso não foi, de maneira alguma, o fim da crise", afirma.
A tragédia grega
Estima-se que o corte no valor dos débitos contraídos pela Grécia pode fazer com que a relação dívida/PIB do país caia de 160% do PIB para 120%, percentual próximo ao observado em 2010, ano em que eclodiu a crise. O país, esmagado pelas medidas draconianas impostas pelo FMI, não tem condições de pagá-la e deve continuar sangrando. A taxa de desemprego subiu de 8% em 2007 para mais de 16% neste ano.
George Bouras, psicólogo do Hospital Attikon entrevistado pelo site português euronews, relata a situação dramática dos trabalhadores e trabalhadoras gregas. “Há desempregados que têm problemas para conciliar o sono, não podem dormir, outros não conseguem comer, têm falta de motivação, sentem-se abatidos, não conseguem fazer nada, muitas pessoas cairam em depressões profundas.”
O número de suicídios disparou, conforme denunciou a revista médica britânica The Lancet. Alexandre Kentikelenis, do Kings College, um dos autores do estudo, informa: “Tivemos acesso a relatórios do ministério da Saúde e de outros ministérios que assinalam um aumento dos suicídios de 25% em 2010 para 40% na primeira metade de 2011.” O relatório assinala também um aumento de 50% das infeções pelo vírus do HIV, a maioria devido ao consumo de drogas.
Ameaça velada
O economista-chefe do maior banco alemão, o Deutsche Bank, Thomas Mayer, também reconhece que, apesar das decisões da cúpula da zona do euro, a crise da dívida ainda deve continuar. "É mais um passo no caminho para a estabilização da moeda comum europeia. Mas certamente não é a solução final".
O documento final da cúpula também salienta a necessidade de esforços a serem feitos pelos Estados-membros para colocar os orçamentos em ordem e faz ameaças velas, como o aumento da vigilância da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) in loco na Grécia para garantir a imposição de medidas antipopulares.
A maioria dos economistas alemães vê com desconfiança a ampliação do "poder de fogo" do FEEF de 440 bilhões para 1 trilhão de euros. Para alavancar esses recursos, o pacote de resgate poderá assegurar, por exemplo, 20% dos títulos dos países em crise – o chamado seguro parcial.
"Com a condição de seguro parcial, o fundo de resgate poderia também cobrir as necessidades financeiras de dois grandes países, como a Espanha e a Itália", avalia Jörg Krämer, economista-chefe do Commerzbank. "Evidentemente, questiona-se se os credores poderiam comprar títulos públicos parcialmente assegurados em larga escala. Ainda não estamos convencidos de que já chegamos ao ponto em que haverá uma mudança nos rumos da crise da dívida", disse Krämer.
Pontos fracos permanecem
Para muitos analistas, os principais problemas estruturais dos países do sul da zona do euro também continuam existindo.
"A Grécia precisaria não apenas do perdão de suas dívidas, mas também de uma verdadeira depreciação monetária", avalia Freytag. "E o país não conseguirá isso sem sair da zona do euro. Mas sobre isso não se falou desta vez, por isso é apenas especulação."
Para adotar o euro, o país abriu mão da moeda nacional (dracma, que era a mais antiga moeda ainda em circulação no mundo) e, por consequência, da soberania sobre as políticas cambial e monetária. A “verdadeira depreciação monetária” referida pelo professor Freytag é obviamente necessária para conter o déficit comercial, cujo financiamento requer a ampliação da dívida externa, e aumentar a competitividade da débil indústria grega. Mas tal alternativa pressupõe “sair da zona do euro”, suspender o pagamento dos débitos externos e resgatar o dracma, opção que ameaça a moeda comum e da qual os líderes da União Europeia correm como o diabo da cruz.
A depreciação do câmbio também é defendida por Thomas Mayer. "O mais importante é que o sul recupere sua produtividade. E isso vai muito além de Grécia e Portugal. Isso atinge principalmente a Itália e a Espanha. Sem tal reestruturação econômica, sem uma agenda 2020 para a Itália e Espanha, o problema não será resolvido".
Bolsas sobem
Mesmo não sendo a tão esperada luz no fim do túnel, os anúncios dos líderes europeus tiveram boa repercussão entre os investidores, com as bolsas na Europa registrando fortes altas.
Em Londres, o índice FTSE 100 subiu 2,89%, para 5.713 pontos; em Paris, o CAC 40 disparou 6,28%, para 3.368 pontos; em Frankfurt, o DAX avançou 5,35%, para 6.337 pontos; em Milão, o FTSE MIB registrou alta de 5,49%, para 16.954 pontos; em Madri, o Ibex 35 apresentou ganho de 4,96%, para 9.270 pontos; em Lisboa, o PSI 20 teve alta de 2,61%, para 5.992 pontos; e em Atenas, o ASE subiu 4,82%, para 811,11 pontos.
Os bancos lideraram os ganhos do dia, especialmente aqueles mais expostos à dívida da Grécia, como os franceses BNP Paribas (16,9%) e Societe Generale (22,5%), o alemão Deutsche Bank (15,6%) e o italiano Intesa San Paolo (10%).
Com efeito, mais uma vez os bancos serão os grandes beneficiários do pacote. Deverão receber uma injeção de 106 bilhões de euros para evitar falências, recursos que tendem a agravar os déficits fiscais e serão cobrados da classe trabalhadora, na forma de cortes de serviços públicos, direitos e salários. As instituições serão obrigadas a ter pelo menos 9% do seu capital baseados em ativos de melhor qualidade a partir de junho de 2012.
Da Redação, com agências