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Claudio Grassi: Festejar sem falsas ilusões

A queda de Berlusconi e do seu governo é seguramente um fato positivo. Quando dizemos que nos últimos 20 anos houve uma pesada transferência de riqueza do trabalho para o rentismo e o lucro, isto se deve também às escolhas feitas pelo governo do Cavaliere.

Por Claudio Grassi, em seu blog

Mas não é somente isto. As duas décadas berlusconianas foram também marcadas pela reabilitação de valores que jamais teríamos pensado voltar a ver novamente em auge.

O espaço adquirido pela pior direita (daquela declaradamente fascista à xenófoba e racista). O ataque sistemático às normas, a partir da Constituição e da autonomia da Magistratura. O ataque à Resistência e ao trabalho, ao ponto de pôr em discussão as duas jornadas simbólicas do 25 de abril (de 1945, dia da Libertação da Itália – nota da tradução) e do Primeiro de Maio. O uso, com finalidades de conservar o poder, de um império midiático e financeiro sem precedentes. Poderes que mudaram profundamente a percepção das pessoas, plasmando a consciência, transformando o “berlusconismo” no modo de agir quotidiano. Sociedade das aparências, obsessão pela competição desenfreada, poder politico substituído pela supremacia do poder econômico. A imagem do homem que se fez por si mesmo foi transformada num modelo para muitíssimas pessoas. Tudo isto, e ainda mais, se tornou símbolo da época berlusconiana. Esperamos que sua queda seja definitiva e que se restaure no país uma dialética democrática normal, a partir do respeito à Constituição.

Tudo isto é importante e não deve ser subestimado. O sentido de libertação que se vê entre as pessoas de esquerda é motivado por este fato. Deve ser também o nosso e seria um grave erro político não vivê-lo como tal e não fazer parte dele. Mais que um erro político, isto denotaria uma incapacidade no construir uma conexão de sentimentos com as pessoas que temos como referência.

Governo Monti, governo técnico?

Dito isto e simultaneamente a isto, devemos pôr em evidência o problema que a nomeação do governo Monti determina.

Quanto ao perfil político do personagem. Deste ponto de vista a escolha é eminentemente politica, ao invés de técnica! Basta percorrer o currículo de Mario Monti para ver que nestas décadas todo o seu empenho tem estado em sintonia com as escolhas de política econômica que têm caracterizado a época do neoliberalismo. Privatizações, cortes dos gastos sociais, desregulamentações do mundo do trabalho, políticas que – reduzindo os direitos e empobrecendo o trabalho – estão na origem da crise atual.

A este discurso se poderia objetar que o governo Monti, sendo apoiado também pela centro-esquerda, deverá modificar estas orientações. Vemos esta hipótese como altamente improvável, por dois motivos.

O primeiro é que este governo se inicia com um mandato explícito: “fazer aquilo que a Europa exige, ou seja, tranquilizar os mercados”. Sabemos o que isto significa: carta branca do Banco Central Europeu (BCE). Portanto, novas intervenções sobre as aposentadorias, ulterior ataque aos direitos do trabalho, privatizações, para citar apenas algumas medidas.

O segundo motivo podemos deduzir das experiências passadas e mesmo das recentes. Se um governo de centro-esquerda (como o último governo Prodi) não consegue pôr em prática uma política de redistribuição de renda, é crível que consiga fazê-lo um governo guiado por Monti e com os votos decisivos da centro-direita? São considerados politicamente de centro-direita, na verdade, além dos votos do Polo da Liberdade, de Berlusconi, os votos do Terceiro Polo, não por acaso alinhados abertamente com as exigências do BCE.

Construir a oposição de esquerda

Se as coisas estão assim, é necessário construir imediatamente uma oposição de esquerda ao governo Monti. O erro mais grave que poderia ocorrer, diante das medidas indicadas pelo BCE, que estão para serem tomadas, é que obtivessem a oposição apenas da direita: a da Liga Norte.

Julgamos portanto errado que Di Pietro, mesmo sob certas condições, tenha decidido apoiar o governo, mas ainda mais grave é a posição assumida pelo SEL (Sinistra e Libertá) e por seu líder Nichi Vendola. Como é possível defender que se apoiará este governo, por breve tempo, a fim de que ele faça a redução das despesas mlitares e a luta contra a especulação financeira? Coisas que nem mesmo o governo Prodi fez, tendo na sua maioria 120 parlamentares da esquerda de alternativa.

Com toda a evidência, se trata de uma demanda não só desprovida de credibilidade, mas seguramente irrealizável.

De fato, este governo que está nascendo se perfila como a “grande coalizão” feita na Alemanha. E todos sabemos como se posicionou a esquerda alemã, ou seja o partido A Esquerda naquele período: na oposição.

Nós devemos fazer o mesmo. Partidos de esquerda, movimentos e sindicatos não devem perder tempo. Que se constitua um ambiente comum onde juntos concordem com uma plataforma alternativa a propor dentro desta crise econômica e decidam juntos as formas de mobilização. Uma oposição não sectária, que tenha a ambição de falar a milhões de pessoas, em particular à base do Partido Democrático que logo sofrerá a respeito das medidas que Monti será obrigado a tomar com base nas diretivas europeias.

Claudio Grassi é membro do Secretariado do Partido da Refundação Comunista (Itália)

Traduzido do original pela Redação do Vermelho