Antonio Lassance: O Parlasul como experimento de reforma política
O Brasil não é muito dado a experimentos em matéria de reforma política. À exceção das variações ocorridas entre os períodos de ditadura e transição para a democracia, e da instituição da emenda constitucional da reeleição, em 1997, as reformas costumam ser parciais, incrementais e muitas vezes desfeitas pela magistral capacidade dos políticos de darem nó em pingo d’água.
Por Antonio Lassance*
Publicado 12/12/2011 11:16
Os partidos e suas lideranças pouco arriscam a promover mudanças, tanto pela incerteza de seus impactos quanto pelo interesse dos já eleitos em manter as regras que lhes foram favoráveis.
A inviabilidade de modificações muito mirabolantes e a aversão ao risco tiveram a consequência, na última década, de transformar o Judiciário no grande reformador do sistema político do País. Embora os juízes tenham exercido sua prudência, é sinal de que há um problema quando o resultado das eleições sai dos tribunais, e não das urnas.
Mudanças mais amplas deveriam ser testadas antes de serem aceitas. Um pouco de experimentação é muito importante, mas nem sempre possível. Por isso, vale a pena uma atenção especial à tramitação do projeto para as eleições do Parlamento do Mercosul (Parlasul), que podem ocorrer em outubro de 2012 ou, como é mais provável, em 2014.
Neste ano, o Brasil passa a ter 37 representantes, dentre seus deputados e senadores eleitos para o Congresso Nacional. Quando realizar eleições diretas, terá direito a 75 parlamentares no Parlasul.
O projeto prevê o sonho de consumo de muitos dos que apregoam uma ampla reforma do sistema político brasileiro, a começar pela lista partidária. Os eleitores votariam diretamente nos partidos, sabendo exatamente a ordem dos candidatos que podem ser eleitos para o Parlamento do Mercosul.
Não haveria coligações e os escolhidos atenderiam a critérios atinentes à representatividade regional e de gênero. Se a lista partidária for encabeçada por um homem, de uma região do País, a segunda da lista será uma mulher, de outra região. Os eleitos não poderiam deixar seus mandatos para assumir cargos no Executivo. O voto seria dado em candidatos nacionais, a princípio, uma grande ajuda para estimular o debate qualificado sobre temas estratégicos à integração sul americana. As campanhas teriam financiamento público. Hoje, o financiamento privado não só é permitido como tem o eufemístico apelido de “doação”, quando todos sabem muito bem que “não existe almoço grátis”.
Veremos como os partidos se comportam. Alguns apresentarão chapas recheadas de “notáveis”, com ex-chanceleres, ex-presidentes, intelectuais de renome, ou parlamentares que mostraram vocação para questões ligadas ao Mercosul. Claro que haverá quem pretenda abrigar políticos que perderam espaço nas disputas eleitorais tradicionais e estariam satisfeitos em fazer do Parlasul sua sinecura. Mas também é possível supor que algumas listas estarão abertas a promover uma renovação de quadros, atraindo quem nunca se aventurou a brigar por uma vaga de deputado ou senador. A propósito, desde que começou a organizar edições do Fórum Social Mundial, o Brasil tem várias lideranças, bastante articuladas no continente, que poderiam figurar em listas.
Três tradicionais destinos podem ser dados à proposta: ser melhorada, piorada ou engavetada. Se tudo caminhar bem, o País terá aproveitado a oportunidade de dar mais peso à dimensão política, democrática e de discussão de políticas públicas no Mercosul.
Na pior das hipóteses, se nada surgir de diferente, veríamos que embora as regras sejam essenciais, nem sempre são suficientes para garantir a escalação de nossos melhores jogadores e a satisfação dos que torcem pelo melhor resultado. Nesse caso, a lição seria a de que se deve diminuir as expectativas de que uma reforma política seja capaz, por si só, de provocar mudanças espetaculares.
*Antonio Lassance é diretor-adjunto de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Ipea)
Fonte: Ipea