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Haroldo Lima: "não me apetece disputar eleição"

O comunista Haroldo Lima encerrou o seu segundo mandato na Agência Nacional do Petróleo (ANP). Nesta entrevista, ele faz um balanço do setor petrolífero nacional, fala do acidente da Chevron e de política. Há uma semana, Lima recebeu da Assembleia Legislativa da Bahia o título de Cidadão Benemérito da Liberdade e da Justiça Social João Mangabeira.
Por Patrícia Franla, no A Tarde

Patricia Franla (A Tarde): Oito anos e dois mandatos à frente da ANP,qual o balanço que o senhor faz do setor de petróleo brasileiro?
Haroldo Lima: O setor cresceu assustadoramente. Contribuía com 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e hoje contribui com algo em torno de 12%. Descobrimos o pré-sal, introduzimos na matriz energética o biodiesel e o etanol na regulação da ANP, introduzimos a regulação do gás. Tínhamos 743 funcionários, hoje temos 1.200. Tínhamos zero de funcionário concursado, hoje temos 542. Eram três pequenos escritórios, hoje são seis grandes. Na sua indicação houve certa desconfiança por ser político.

PF: Seu substituto será indicado pelo PCdoB ou será alguém de perfil técnico?
HL: Espero que não seja alguém de perfil técnico, exclusivo. Na diretoria geral de uma agência se você não for um técnico que entenda de política ou um político que não entenda de técnica você fica muito ao sabor dos acontecimentos, sem uma visão clara do que está sucedendo num setor tão polarizado quanto este. Mas a indicação vai depender exclusivamente da presidente Dilma.

PF: O senhor foi alvo de algumas denúncias na sua gestão. Empresários do setor de petróleo teriam sido forçados a comprar convites para jantares para criar fundos para o seu partido. Também supostas irregularidades na distribuição de royalties envolvendo o diretor Victor Martins, irmão do ex-ministro Franklin Martins (Comunicação), e que a ANP (Agência Nacional de Petróleo) cobrava propina de empresários. Estas denúncias foram esclarecidas?
HL: Saio com todas resolvidas. Isso tudo foi calúnia de baixo nível. Na questão mais rumorosa, a da conta-petróleo, eu demonstrei que a ordem para pagar veio do presidente Lula, baseado em lei aprovada pelo Congresso Nacional. A conta-petróleo foi um débito que o governo brasileiro assumiu em relação à importação do petróleo, uma tentativa de dar condições para que o álcool pudesse competir com o etanol. A partir de um momento, o governo suspendeu o subsídio da produção de álcool e ficou uma dívida muito grande para o pessoal da agricultura, que passou a questionar juridicamente.

A Presidência da República ordenou que pagasse e depositou na conta da ANP o exato dinheiro. Eu paguei. Com relação à questão da propina, foi uma retaliação da revista Época.

Como mandei cortar a nossa publicidade na Época, por julgá-la pouco séria, ela, em retaliação, levantou um assunto que tinha sido ventilado há cerca de três anos. Iniciativa minha, que encaminhei o assunto para a Polícia Federal, e que já tinha sido resolvido.

PF : O senhor é favorável a se retomar as rodadas de licitação?
HL: Acho que sim. A área exploratória no Brasil não é muito grande. Ocupamos hoje 6, 4% das bacias sedimentares com exploração e produção de petróleo.

É muito pouco para as dimensões do País. Tínhamos uma média de 350 mil a 400 mil quilômetros quadrados, hoje estamos em torno de 280 mil quilômetros.

Se não fizermos uma nova licitação no início do ano que vem, chegaremos ao final de 2012 com112 mil quilômetros quadrados de área de exploração. Para um País da nossa dimensão, diminuir muito a área de exploração é arriscado.

PF: E o pré-sal? Há investimentos previstos na Bahia?
HL: Por enquanto não identificamos nenhuma jazida significativa no litoral baiano.

PF: Quando a ANP pretende definir a situação do poço de Tucano, no sertão baiano, que beneficiará com royalties oito municípios?
HL – Do ponto de vista da ANP está tudo pronto para serem assinados os contratos.
Realizamos a 8ª rodada de licitação. Mas quando houve a discussão do marco regulatório do pré-sal, criou-se uma situação nova.

Quando a 8ª rodada leiloou determinados blocos da área do pré-sal, essa área ficou prejudicada, porque já existe uma lei que proíbe a ANP de assinar, na área do pré-sal, qualquer contrato de concessão. Entretanto, tem uma parte da 8ª rodada que está no semiárido baiano. São 28 blocos arrematados, no total de R$ 147 milhões de PEM (Programa Exploratório Mínimo), que, uma vez assinados os contratos pela ANP com a Petrobras e diversas empresas brasileiras e algumas estrangeiras, esses recursos serão aplicados no semiárido baiano. Mas precisaria de uma decisão governamental. Eu encaminhei para o governo opinião de que a ANP está pronta para assinar todos os contratos, e, com isso, desencadear um processo de investimento na Bahia, sem precedentes.

PF: Sobre o vazamento de óleo em um dos poços da empresa Chevron, a ANP falhou na fiscalização?
HL : Não. AANP foi muito firme nesse processo. Existem no Brasil centenas de campos exploratórios. São milhares de poços. Só se tivéssemos um exército de 10 mil pessoas para colocar em torno de cada poço.Não é assim que funciona a fiscalização no setor de petróleo.

PF: As empresas assumem compromissos rígidos de cumprir determinadas cláusulas de segurança operacional e, diante de qualquer anormalidade, comunicar à ANP para, junto com a própria empresa, promover as medidas para conter o acidente. Mas depois desse acidente, a ANP está fazendo pressão para as empresas investirem em planos de segurança?
HL: Sim. O plano de contingência deve ser elaborado pelo governo e as companhias participam do plano. Na verdade, a debilidade que ainda ocorre no Brasil é que não temos um plano de contingência suficientemente bem desenvolvido.

O que nós temos é uma agência com certas normas de regulação ligadas à segurança operacional. Atuamos para impedir o vazamento.

Se houver um acidente com vazamento, já não é a ANP que comanda o processo. É o Ministério do Meio Ambiente, com a Marinha, e a ANP participa com o objetivo de conter o vazamento. Mas é preciso haver uma articulação de forças, tendo como núcleo central o Ibama, a Marinha e a ANP coordenando um plano mais amplo.

PF: Há essa sintonia?
HL: Não. O acidente da Chevron mostrou que nosso plano de contingência não estava e não está bem estruturado. Isso nos levou a acelerar os preparativos de um bom plano que, diante de um acidente bem maior, possamos atuar de maneira mais eficaz. Mas pela gravidade do acidente, a ANP tomou uma decisão muito enérgica de proibir a Chevron de explorar petróleo no Brasil. A medida é exemplar para as concessionárias nacionais e estrangeiras que operam no pré-sal, de que vamos agir com tolerância zero.

PF: Mas o valor da multa que se aplica é muito baixo…
HL: A multa para nós é o menor da história. No Brasil, a multa está limitada a R$ 50 milhões. Mas a multa é muito pouco comparada com a proibição de a companhia explorar o petróleo no pré-sal ou qualquer outro lugar do território nacional.
Os erros da Chevron foram grandes, nos informou com atraso (o acidente), evitou certas imagens, nos comunicou sobre o plano de abandono de forma equivocada então tinha certos equipamentos.

PF: Porque o governo, que estimula a produção de carros flex, não tem uma política de garantia de estoque mínimo para o etanol?
HL: Só este ano a ANP passou a regular o etanol. Aprovamos um mecanismo definindo um contrato de etanol, de tal maneira que garanta reservas e condições de se prever, com meses de antecedência, a garantia do abastecimento na entressafra, e como fazer com que o etanol volte a participar da mistura com a gasolina na proporção de 25% (hoje é de 20%). Para isso, temos de ampliar a área de produção de cana-de-açucar no Brasil. Encaminhei ofício ao ministro da Fazenda, sugerindo abrir novas linhas de crédito para financiar novas plantações de cana-de-açúcar.

PF: Agora sobre o seu futuro. Quais os seus planos? Pretende disputar as eleições do próximo ano?
HL: Vou continuar fazendo política. Mas não me apetece muito a ideia de voltar a disputar eleição. Já fui deputado federal por 25 anos consecutivos. Temos no PCdoB da Bahia alguns candidatos muito bons, que me sucedem, gente mais jovem, com mais gás, não sei se com mais dinamismo que eu (risos).

PF: Até a saída de Orlando Silva do Ministério do Esporte,em meio a denúncias de corrupção o PCdoB se diferenciava do PT que perdeu a aura de puro.O seu partido ficou menor com esse episódio?
HL: Não ficou. O partido nunca cresceu tanto. O que aconteceu como Orlando foi de uma brutalidade e de uma injustiça enormes. O que está acontecendo é a ausência de escrúpulos de algumas revistas, como a Época e a Veja, que levantam a suspeita, dentro da política de desestabilizar o governo. Não estou dizendo que alguns (ministros) não têm problemas. No caso de Orlando, nós do PCdoB entramos com processo contra estas revistas por injúria e difamação.

PF: O senhor declarou que o PCdoB não pode mais ficar coadjuvante do PT e defendeu que o partido deve disputar a Prefeitura de Salvador em 2012. O candidato do governador Jaques Wagner é o deputado petista Nelson Pelegrino. Como fica?
HL: O PCdoB é o aliado mais próximo do PT. Mas não quer dizer que não temos nossos pleitos. Acho que a melhor candidata à Prefeitura de Salvador é Alice Portugal.
Nelson Pelegrino é um bom nome, é sério, eu respeito. Mas historicamente sempre apoiamos o PT e estamos esperando que o PT venha, agora, nos apoiar. Em Porto Alegre, a nossa candidata Manuela (D'Ávila) parece que já está recebendo apoio do PT, porque entendeu que ela é uma candidata melhor.

Em Salvador, Alice tem uma capacidade de trabalho, dinamismo, uma oratória que provavelmente vai ser muito difícil em uma campanha ela ser ultrapassada. Uma boa chapa é Alice e um desses candidatos bons que tem aí, entre os quais o próprio Pelegrino. Se não for possível, nos unimos no segundo turno.

Fonte: O outro lado da Notícia