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Marcos Roitman Rosenmann: Celac, um futuro promissor

A necessidade de coordenar um projeto de integração latino-americano e caribenho é algo prioritário. Para além das diferenças ideológicas e políticas, o sentimento de pertencer a um continente é o ponto de partida, sobretudo quando tal processo foi abortado em repetidas ocasiões por interesses alheios à região.

Por Marcos Roitman Rosenmann, no La Jornada

Parafraseando Ernest Renan em seu clássico ensaio “O que é uma nação?”, podemos dizer que não basta nem a raça, nem a afinidade religiosa, nem os interesses, nem a geografia, nem as necessidades militares para articular um espírito de unidade.

A alma de uma nação é a soma de passado e presente, articulado sob um legado histórico, uma memória coletiva e o desejo, a vontade política, de manter tal legado como parte de uma convivência comum.

Espanha, Inglaterra, França e Estados Unidos conspiraram para evitar que essa unidade estratégica se produzisse. Uma região débil, cheia de reinos de Taifas(*), é a melhor maneira de manter a opressão imperial. A história é rica em exemplos. A estratégia desagregadora tem estado presente desde as guerras pela independência ocorridas no começo do século 19. O Haiti foi o primeiro a sofrer as consequências. Promover interesses caudilhescos e oligarquias regionais foi o ponto de partida para desmembrar o continente. O resultado não pôde ser mais benéfico para os Estados Unidos e as potências estrangeiras. Poco durou a República Federal Centro-americana, cinco países acabaram com o projeto de Francisco de Morazán. Outro tanto ocorria na América do Sul. O ideal de Simon Rodriguez, Francisco de Miranda e Bolívar, a pátria grande, foi dinamitado por dentro. Espúrios interesses se aliaram para provocar a ruptura do que havia sido a Grande Colômbia. Tampouco o México ficaria à margem da atomização do continente. O afã expansionista dos Estados Unidos lhe arrebataria o Texas, a Califórnia, o Novo México e o Arizona, entre outras regiões, depois de uma cruenta guerra, em que a bandeira dos Estados Unidos foi içada em sua capital.

As grandes potências não duvidaram em promover tumultos, financiar traidores e invadir, se com isso podiam manter seu controle territorial e a exploração dos recursos naturais. O século 19 se despediu como começou, em meio a lutas para evitar qualquer princípio da unidade latino-americana e caribenha. Os Estados Unidos lentamente iam consolidando seu poder na região. A guerra hispano-cubana-norte-americana (1898) deu aos Estados Unidos o controle de Cuba, transformando a ilha em um protetorado.

E o século 20 começou de igual forma. Em 1903, a Colômbia veria como uma parte de seu território se dividia, dando origem à formação de um novo Estado, o Panamá.

Os Estados Unidos não podiam estar mais contentes. Depois do fracasso da França, no empreendimento de construir um canal que unisse os oceanos Atlântico e Pacífico, podiam iniciar seu projeto. O Panamá, com pouco tempo de iniciada sua caminhada como Estado independente, se converteu em semicolônia. A emenda Platt se tornou parte esencial de sua primeira Constituição. O artigo 136 dizia entre outras coisas: “O governo dos Estados Unidos da América poderá intervir em qualquer ponto da República do Panamá, para restabelecer a paz pública e a ordem constitucional se estas tiverem sido turbadas”. Assim, não há dúvida de quem passou a ser os verdadeiros donos do país.

Desta maneira se construiu uma região submetida e controlada pelos Estados Unidos. Lentamente as potências extracontinentais foram perdendo força. Aqui começa outra caminhada, a justificação ideológica para manter os povos latino-americanos subjugados. Nasce o panamericanismo. Mas depois da Segunda Guerra Mundial, surge uma nova ordem. Pela primeira vez na história do Ocidente, o eixo do poder muda de continente. A velha Europa cede seu trono aos Estados Unidos e o panamericanismo muda sob o guarda-chuva da guerra fria.

O Tratado Interamericano de Defesa Reciproca (Tiar) e seu corolário político, a Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948, serão os diques de contenção frente aos projetos anti-imperialistas de libertação nacional. Ambas as organizações, o Tiar e a OEA, mostrarão sua cara mais grotesca poucos anos depois de sua criação. Primeiro avalizando o golpe militar na Guatemala, em 1954, contra Jacob Arbenz orquestrado pela CIA em colaboração com o governo de Honduras e El Salvador, entre outros, e segundo, avalizando o bloqueio econômico e político a Cuba, e posteriormente orquestrando sua expulsão em 1964. A existência da OEA na região tem sido um fator desestabilizador. Basta recordar a cumplicidade mantida com os golpes de Estado e as ditaduras militares establecidas nos anos 1970. Seu principal papel tem sido obstruir a criação de qualquer projeto latino-americano e caribenho questionador da hegemonia estadunidense. Assim, não faltam motivos para pedir sua dissolução.

Nestes dias muito se escreve sobre a iniciativa de fortalecer a recente iniciativa que viu a luz em Caracas, criar uma Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), e isto não é trivial. Depois de verificar os beneficios de contar com organizações regionais, sem a presença dos Estados Unidos, a Unasul e a Alba, por exemplo, a decisão dos 33 países de apresentar a Celac supõe um salto de qualidade. Não duvidamos das dificuldades de pô-la em marcha. Os Estados Unidos farão o possível para conseguir seu fracasso, recorrendo a todo tipo de artimanhas possíveis, apoiando-se em mesquinharias políticas. É nesse campo de condições adverso, que se navega rumo ao sonho dos libertadores, a construção da Pátria Grande, ansiada como um fator de identidade, para além da diversidade política e ideológica. Seu destino dependerá da vontade política para não cair no desalento e na traição. Nisso consiste a batalha.

(*)O termo taifa, no contexto da história Ibérica, refere-se a um principado muçulmano independente, um emirado ou pequeno reino existente na Península Ibérica. Analogia com a fragmentação política. (Nota da tradução)

Fonte: Cubadebate
Tradução da redação do Vermelho